Para os que viram Eclipse Mortal
(Pitch Black), de 2000, este A Batalha de
Riddick pode ser uma surpresa. No filme anterior
Twohy realizou um claustrofóbico filme de ficção-horror
barato, onde os personagens eram apenas escadas para
um quase delírio visual, e a escuridão
surgia como a grande inimiga - onde o teor beirando
o abstrato das imagens era o maior atrativo. Mas também
foi ali que surgiu Vin Diesel, que desde então
(com a ajuda de Velozes e Furiosos e de Triplo
X) tornou-se uma grande estrela de ação
em Hollywood. Não deixava de soar como uma idéia
interessante um ator já tornado pop star voltar
a um personagem de um filme menor numa continuação
- mas é aí que começam as constatações
de como este novo filme tem muito pouco a ver com o
anterior.
Uma boa comparação (ainda que não
de estilos de cineastas e sim de ambições)
pode ser feita com os filmes de Matrix. O estouro
do primeiro foi uma certa surpresa, onde visuais inovadores
e trama algo diferenciada pegavam o público dos
blockbusters de verão de surpresa, criando um
certo culto. Se Eclipse Mortal não chegou
a ser um blockbuster, sua continuação
entra no mesmo trajeto da dos filmes dos irmãos
Wachowski: pegar o que era uma pequena grande idéia,
e tentar torná-la um épico "maior que
a vida". Só que, se no caso dos irmãos
o fracasso foi gradual (o segundo lucrou, mas muito
menos do que seu excessivo marketing podia fazer supor;
e o terceiro sim, o ápice da megalomania, foi
uma bomba), no caso de Twohy ele é radical: Riddick
foi um dos grandes fracassos de bilheteria deste ano
nos EUA (e no mundo), e a continuação
que seu final parecia antever certamente já subiu
no telhado.
Na verdade, Riddick funciona como uma quase-paródia
dos filmes Matrix, com a mesma megalomania que
torna seus vilões e herói (também
um Messias, um salvador da raça) figuras absolutamente
maiores que a vida - mas que ainda assim cismam em acertar
suas diferenças com uma boa e velha troca de
sopapos. Mais do que na trama, porém, é
na constante tentativa de ser mais "sério" e
relevante que Riddick reproduz e ultrapassa em
muito o que era risível nas continuações
de Matrix: o "kitsch" absurdo do visual, os diálogos
proto-sérios (aqui, o tom e as tramas remetem
a Shakespeare - coitado - e a temas relacionados à
tolerância religiosa), acima de tudo o desejo
de criar um universo cinematográfico grandioso,
único, cheio de suas regrinhas internas de relações
e História entre os elementos. Se Matrix
eventualmente caía no ridículo em tais
tentativas, Riddick se refastela nele - ao ponto
de chegarmos a nos perguntar se não seria tudo
uma grande piada (mas não se escala Judi Dench
para fazer piadinhas consigo mesmo).
No registro cômico, aliás, pode-se tirar
algum prazer do ato de assistir o filme, porque há
coisas realmente inacreditáveis (dos diálogos
de Diesel, em especial, ao figurino e direção
de arte cheios de frufru, a cenas como a assembléia
planetária que parece comercial da Benetton).
Mas, infelizmente a graça é desigual e
é mais comum que o filme soe enfadonho. O que
é uma pena, porque Twohy mostra aqui, em ocasiões,
seus verdadeiros talentos: primeiro o de reciclar toda
uma tradição do cinema B, quase Z, norte-americano
(Riddick em muitos momentos parece estar homenageando
alguns dos gêneros mais típicos deste cinema
- o filme de invasão alienígena, o filme
de prisão, o filme de gladiador, até mesmo
o filme de luta-livre!); e, segundo, o de criar abstrações
visuais e grafismos como pouco se vê no cinema
de ação atual. Nestas cenas, vemos tudo
que A Batalha... podia ser se se levasse menos
a sério (e o título original já
serve de alerta quanto a isso, com o auto-importante
The Chronicles of Riddick - As Crônicas
não é uma boa tradução,
porque Chronicles tem um peso mais de mito mesmo).
Nestes momentos esparsos, o filme é quase bom
- mas logo depois volta para seus arroubos shakespearianos
ou para a pretensa mitologia que tenta urdir (mas nunca
cola), ou ainda para cenas com Riddick só "sendo
macho", soltando diálogos quase inacreditáveis
de tão clichê (este é o tipo de
filme onde o vilão, no final, quase vira vilão
de James Bond ou de desenho animado - nunca ameaçando
de fato atirar no herói, mesmo que cercado por
centenas, para que possa haver o "duelo final".
O fato é que, ao final da sessão, fica
mesmo é a impressão de que alguém
errou muito na concepção do projeto, que
patina mais na auto-paródia involuntária
do que numa tradição positiva do cinema
de ficção e/ou ação.
Eduardo Valente
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