No
livro de entrevistas concedidas por Alfred Hitchcock
a François Truffaut, o diretor inglês destaca as dificuldades
e armadilhas encontradas na transposição para o cinema
de peças teatrais. Principalmente aquelas passadas em
um único ambiente. Uma das principais armadilhas é tentar
"destruir a unidade de lugar, saindo do cenário".
Aparentemente, como demonstra em Querido Estranho e em seu filme anterior, Sua Excelência, o Candidato, também uma adaptação de um sucesso dos
palcos, Ricardo Pinto e Silva não parece conhecer as
lições de um dos mestres do cinema, pois este é o principal
erro que comete em ambos os filmes.
No
caso específico de Querido
Estranho - que parte da peça Intensa
Magia, de Maria Adelaide Amaral – temos uma das
situações mais batidas em termos de dramaturgia: uma
reunião familiar onde todos seus membros expõem suas
mágoas, rancores e complexos. Um filão que depende muito
da intensidade do texto para ainda render alguma coisa.
Pois bem, se tal intensidade existia no texto original
de Maria Adelaide, acabou por ser completamente destruída
no filme de Pinto e Silva.
O que
mais contribui para o resultado insatisfatório de Querido Estranho é justamente a quebra de unidade ressaltada por Hitchcock.
Todos os cortes, sejam estes na troca de ambientes e
cenários, na transposição dos diálogos ou na montagem,
parecem extremamente grosseiros e arbitrários, demonstrando
pouca habilidade de Pinto e Silva em lidar tanto com
o material dramatúrgico como com a narrativa cinematográfica.
Deste modo, personagens passam subitamente da sala,
para o jardim e daí para a cozinha sem nenhuma razão
de ser, muitas vezes sem interromper um mesmo diálogo.
Assim também a passagem entre dois planos, dentro de
uma mesma seqüência, muitas vezes se dá de forma tosca,
em desacordo com todos os princípios de raccord.
Quanto
ao grande trunfo, que seria a interpretação de Daniel
Filho no papel do pai rancoroso de uma família de medíocres,
podemos concordar que realmente Daniel está muito bem.
Só que a personagem é também um prato cheio para um
ator inteligente, pois além de todo o texto ser concebido
em torno dele, ele é o único que parece ter vida própria
– ao contrário de mãe e filhos, meros clichês. Apesar
do restante do elenco se esforçar com alguma dignidade,
é só Mario Schoemberg como o noivo da filha caçula quem
consegue de destacar, justamente por ter também uma
personagem medianamente interessante. Fora isso, pouco
justifica Querido
Estranho, um trabalho que não consegue se definir
como filme, teatro filmado ou mesmo se enquadrar no
discutível padrão de "cinema-televisívo" atualmente
em voga.
Gilberto Silva Jr.
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