QUERIDO ESTRANHO
Ricardo Pinto e Silva, Brasil, 2002

No livro de entrevistas concedidas por Alfred Hitchcock a François Truffaut, o diretor inglês destaca as dificuldades e armadilhas encontradas na transposição para o cinema de peças teatrais. Principalmente aquelas passadas em um único ambiente. Uma das principais armadilhas é tentar "destruir a unidade de lugar, saindo do cenário". Aparentemente, como demonstra em Querido Estranho e em seu filme anterior, Sua Excelência, o Candidato, também uma adaptação de um sucesso dos palcos, Ricardo Pinto e Silva não parece conhecer as lições de um dos mestres do cinema, pois este é o principal erro que comete em ambos os filmes.

No caso específico de Querido Estranho - que parte da peça Intensa Magia, de Maria Adelaide Amaral – temos uma das situações mais batidas em termos de dramaturgia: uma reunião familiar onde todos seus membros expõem suas mágoas, rancores e complexos. Um filão que depende muito da intensidade do texto para ainda render alguma coisa. Pois bem, se tal intensidade existia no texto original de Maria Adelaide, acabou por ser completamente destruída no filme de Pinto e Silva.

O que mais contribui para o resultado insatisfatório de Querido Estranho é justamente a quebra de unidade ressaltada por Hitchcock. Todos os cortes, sejam estes na troca de ambientes e cenários, na transposição dos diálogos ou na montagem, parecem extremamente grosseiros e arbitrários, demonstrando pouca habilidade de Pinto e Silva em lidar tanto com o material dramatúrgico como com a narrativa cinematográfica. Deste modo, personagens passam subitamente da sala, para o jardim e daí para a cozinha sem nenhuma razão de ser, muitas vezes sem interromper um mesmo diálogo. Assim também a passagem entre dois planos, dentro de uma mesma seqüência, muitas vezes se dá de forma tosca, em desacordo com todos os princípios de raccord.

Quanto ao grande trunfo, que seria a interpretação de Daniel Filho no papel do pai rancoroso de uma família de medíocres, podemos concordar que realmente Daniel está muito bem. Só que a personagem é também um prato cheio para um ator inteligente, pois além de todo o texto ser concebido em torno dele, ele é o único que parece ter vida própria – ao contrário de mãe e filhos, meros clichês. Apesar do restante do elenco se esforçar com alguma dignidade, é só Mario Schoemberg como o noivo da filha caçula quem consegue de destacar, justamente por ter também uma personagem medianamente interessante. Fora isso, pouco justifica Querido Estranho, um trabalho que não consegue se definir como filme, teatro filmado ou mesmo se enquadrar no discutível padrão de "cinema-televisívo" atualmente em voga.

Gilberto Silva Jr.