APRESENTAÇÃO DE PAUL VERHOEVEN

O espectador de cinema não é propriamente um flâneur; é muito antes um adepto da paciência, alguém disposto a entrar numa sala onde passará um filme previamente selecionado, sentar numa poltrona e voltar toda sua atenção para uma obra que dura, em média, pelo menos hora e meia. Uma fruição passiva, como se costuma concluir nas teorias de recepção (com cujos critérios não concordamos de todo, o que é assunto para outra ocasião). Mas, mesmo fora dos festivais de cinema, quando as opções são realmente multiplicadas, há momentos em que ele pode experimentar esse ato, realmente prazeroso, de se perder entre filmes e montar cinematecas particulares, imaginárias. Momentos como a incursão nas locadoras e a (re)descoberta de peças escondidas no fundo da prateleira. Para as gerações mais recentes, essa forma de contato com o universo-cinema é mais do que um complemento à situação-cinema tradicional: para muitos, é a própria forma de ver filmes. A pauta principal da edição 61 de Contracampo já foi um olhar atento à expansão dessas fronteiras da cinefilia contemporânea, o que não cessará de acontecer na revista.

A presente pauta, portanto, nasceu da mais autêntica atitude videoclubista. Uma bela tarde o amigo Eduardo Valente passeava entre as prateleiras de uma locadora até que se deparou com um título e não hesitou em levá-lo para ver. Era Tropas Estelares, de Paul Verhoeven, uma daquelas ausências imperdoáveis que um dia nos dignamos a reparar. No dia seguinte estava feita a entusiasmadíssima sugestão e, logicamente, a redação em peso rapidamente aderiu. Por que não haveríamos de rever a obra desse cineasta tão marcante na formação estética de toda uma geração de cinéfilos dos anos 80 para cá? Execrado por muitos e cultuado por tantos outros, Verhoeven é indiscutivelmente um diretor de rara coerência.

Não fazendo da pauta um manifesto em defesa do diretor – que, por sinal, está longe de precisar da bondade de estranhos –, os textos vão destacar, mesmo nos momentos mais controversos (os textos de Showgirls e do próprio Tropas Estelares são, nesse sentido, importantíssimos) a força explosiva, que se confunde à personalidade dos personagens de seus filmes, e o ecletismo de alguém que filma sem separar sensibilidade de instinto.


Luiz Carlos Oliveira Jr.