O espectador de cinema não é propriamente
um flâneur; é muito antes um adepto
da paciência, alguém disposto a entrar
numa sala onde passará um filme previamente selecionado,
sentar numa poltrona e voltar toda sua atenção
para uma obra que dura, em média, pelo menos
hora e meia. Uma fruição passiva, como
se costuma concluir nas teorias de recepção
(com cujos critérios não concordamos de
todo, o que é assunto para outra ocasião).
Mas, mesmo fora dos festivais de cinema, quando as opções
são realmente multiplicadas, há momentos
em que ele pode experimentar esse ato, realmente prazeroso,
de se perder entre filmes e montar cinematecas particulares,
imaginárias. Momentos como a incursão
nas locadoras e a (re)descoberta de peças escondidas
no fundo da prateleira. Para as gerações
mais recentes, essa forma de contato com o universo-cinema
é mais do que um complemento à situação-cinema
tradicional: para muitos, é a própria
forma de ver filmes. A pauta principal da edição
61 de Contracampo já foi um olhar atento à
expansão dessas fronteiras da cinefilia contemporânea,
o que não cessará de acontecer na revista.
A presente pauta, portanto, nasceu da mais autêntica
atitude videoclubista. Uma bela tarde o amigo Eduardo
Valente passeava entre as prateleiras de uma locadora
até que se deparou com um título e não
hesitou em levá-lo para ver. Era Tropas Estelares,
de Paul Verhoeven, uma daquelas ausências imperdoáveis
que um dia nos dignamos a reparar. No dia seguinte estava
feita a entusiasmadíssima sugestão e,
logicamente, a redação em peso rapidamente
aderiu. Por que não haveríamos de rever
a obra desse cineasta tão marcante na formação
estética de toda uma geração de
cinéfilos dos anos 80 para cá? Execrado
por muitos e cultuado por tantos outros, Verhoeven é
indiscutivelmente um diretor de rara coerência.
Não fazendo da pauta um manifesto em defesa do
diretor – que, por sinal, está longe de precisar
da bondade de estranhos –, os textos vão destacar,
mesmo nos momentos mais controversos (os textos de Showgirls
e do próprio Tropas Estelares são,
nesse sentido, importantíssimos) a força
explosiva, que se confunde à personalidade dos
personagens de seus filmes, e o ecletismo de alguém
que filma sem separar sensibilidade de instinto.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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