EL MISTERIO DEL TRINIDAD
José Luiz García Agraz, Mex/Esp/PR/Col, 2003
NICOTINA
Hugo Rodríguez, Mex/Esp/Arg, 2003

Se não nos permite um panorama abrangente de tudo que se produz em cinema na América Latina, o Cinesul nos dá ao menos a oportunidade de ver alguma coisa do que se anda fazendo nas diversas cinematografias locais. E sem dúvida o México é um país cuja produção desperta no mínimo curiosidade. Da mesma forma que o cinema brasileiro, o mexicano vem, em anos recentes, recebendo uma maior atenção no mercado internacional, principalmente após o sucesso de Amores Brutos e E Sua Mãe Também. No caso específico dos dois representantes mexicanos na mostra competitiva do Cinesul, temos dois filmes que, se como já dissemos, não nos permitem avaliar o conjunto da produção, ao menos demonstram um pouco sobre o que vem levando a uma bôa repercussão local, já que Nicotina foi a maior bilheteria doméstica de 2003 e El Misterio del Trinidad foi o vencedor dos prêmios Ariel (o Oscar mexicano) para melhor filme e direção.

A empatia para com um público adolescente parece ter sido determinante para o sucesso de Nicotina, principalmente em se tratando de uma fita estrelada por Diego Luna, tornado ídolo local, assim como Gael Garcia Benal, seu parceireo em E Sua Mãe Também. Em atrativo a outras faixas de público, o elenco conta também com atores respeitados na cena local, como Rafael Inclán e Daniel Giménez Cacho. É uma prova que a narrativa frenética e entrecortada de Amores Brutos parece ter feito escola. O ponto de partida do filme é um nerd de computador (Luna) que, após uma confusão com a vizinha por quem é fascinado, troca o CD-Rom que deveria entregar a uma dupla de ladrões, o que leva a uma seqüência de mortes e atos violentos, num roteiro que mistura descaradamente comédia de equívocos e humor negro. Mas tudo parece seguir uma fórmula já desgastada, com montagens paralelas e diálogos pretensamente "espertos". É assim que este filme do diretor Rodríguez, natural da Argentina, fica parecendo uma diluição tardia de um estilo de cinema que esteve em moda há quase uma década: a cópia dos clichês presentes nos primeiros filmes de Tarantino, saturada por excesso de uso e falta de qualidade em comparação ao modelo original. Mas que parece ainda causar impacto perante uma certa geração MTV (Nicotina foi também o vencedor da versão mexicana do MTV Movie Awards).

Se Nicotina peca por ser uma torrente infinita de excessos, já o principal defeito de El Misterio del Trinidad é sua demasiada frieza e contenção. Como pôde ser apreciado em retrospectiva dentro do próprio Cinesul, o melodrama representa a quintessência do cinema mexicano. O roteiro de Carlos Cuarón acumula uma série de ingredientes do gênero: herança, filho bastardo, criança rejeitada, revelações sobre um passado secreto e até incesto na história de um médico, filho ilegítimo de um ricaço, que disputa com a família "oficial" seu quinhão na herança do pai: um velho barco de pesca. Só que, se um bom melodrama deve ser construído dentro de uma descarada sucessão de clímaxes, García Agraz, paradoxalmente, opta por um rítmo contido e até mesmo burocrático, que não tira em nenhum momento proveito da intensidade dos elementos presentes. Dá a entender que sua intenção foi fazer, ao menos no que tange à direção, uma espécie de anti-melodrama, o que se reflete no resultado final, que é um tédio só, um filme que em nenhum monento consegue provocar envolvimento ou empatia. El Misterio del Trinidad parece estar envolto num contexto demasiado clean, demonstrando que, assim como no Brasil, o cinema mexicano parece estar cada vez mais direcionado a um público de classe-média, e a uma penetração no mercado globalizado, renegando seu passado de entretenimento popular, o que parece ser também sustentado pelo apoio de alguns setores da "inteligentzia" local. Só daí parece derivar a explicação quanto aos prêmios recebidos por El Misterio del Trinidad.

Gilberto Silva Jr.