Se não nos permite um panorama abrangente de
tudo que se produz em cinema na América Latina,
o Cinesul nos dá ao menos a oportunidade de ver
alguma coisa do que se anda fazendo nas diversas cinematografias
locais. E sem dúvida o México é
um país cuja produção desperta
no mínimo curiosidade. Da mesma forma que o cinema
brasileiro, o mexicano vem, em anos recentes, recebendo
uma maior atenção no mercado internacional,
principalmente após o sucesso de Amores Brutos
e E Sua Mãe Também. No caso específico
dos dois representantes mexicanos na mostra competitiva
do Cinesul, temos dois filmes que, se como já
dissemos, não nos permitem avaliar o conjunto
da produção, ao menos demonstram um pouco
sobre o que vem levando a uma bôa repercussão
local, já que Nicotina foi a maior bilheteria
doméstica de 2003 e El Misterio del Trinidad
foi o vencedor dos prêmios Ariel (o Oscar
mexicano) para melhor filme e direção.
A empatia para com um público adolescente parece
ter sido determinante para o sucesso de Nicotina,
principalmente em se tratando de uma fita estrelada
por Diego Luna, tornado ídolo local, assim como
Gael Garcia Benal, seu parceireo em E Sua Mãe
Também. Em atrativo a outras faixas de público,
o elenco conta também com atores respeitados
na cena local, como Rafael Inclán e Daniel Giménez
Cacho. É uma prova que a narrativa frenética
e entrecortada de Amores Brutos parece ter feito
escola. O ponto de partida do filme é um nerd
de computador (Luna) que, após uma confusão
com a vizinha por quem é fascinado, troca o CD-Rom
que deveria entregar a uma dupla de ladrões,
o que leva a uma seqüência de mortes e atos
violentos, num roteiro que mistura descaradamente comédia
de equívocos e humor negro. Mas tudo parece seguir
uma fórmula já desgastada, com montagens
paralelas e diálogos pretensamente "espertos".
É assim que este filme do diretor Rodríguez,
natural da Argentina, fica parecendo uma diluição
tardia de um estilo de cinema que esteve em moda há
quase uma década: a cópia dos clichês
presentes nos primeiros filmes de Tarantino, saturada
por excesso de uso e falta de qualidade em comparação
ao modelo original. Mas que parece ainda causar impacto
perante uma certa geração MTV (Nicotina
foi também o vencedor da versão mexicana
do MTV Movie Awards).
Se Nicotina peca por ser uma torrente infinita
de excessos, já o principal defeito de El
Misterio del Trinidad é sua demasiada frieza
e contenção. Como pôde ser apreciado
em retrospectiva dentro do próprio Cinesul, o
melodrama representa a quintessência do cinema
mexicano. O roteiro de Carlos Cuarón acumula
uma série de ingredientes do gênero: herança,
filho bastardo, criança rejeitada, revelações
sobre um passado secreto e até incesto na história
de um médico, filho ilegítimo de um ricaço,
que disputa com a família "oficial"
seu quinhão na herança do pai: um velho
barco de pesca. Só que, se um bom melodrama deve
ser construído dentro de uma descarada sucessão
de clímaxes, García Agraz, paradoxalmente,
opta por um rítmo contido e até mesmo
burocrático, que não tira em nenhum momento
proveito da intensidade dos elementos presentes. Dá
a entender que sua intenção foi fazer,
ao menos no que tange à direção,
uma espécie de anti-melodrama, o que se reflete
no resultado final, que é um tédio só,
um filme que em nenhum monento consegue provocar envolvimento
ou empatia. El Misterio del Trinidad parece estar
envolto num contexto demasiado clean, demonstrando
que, assim como no Brasil, o cinema mexicano parece
estar cada vez mais direcionado a um público
de classe-média, e a uma penetração
no mercado globalizado, renegando seu passado de entretenimento
popular, o que parece ser também sustentado pelo
apoio de alguns setores da "inteligentzia"
local. Só daí parece derivar a explicação
quanto aos prêmios recebidos por El
Misterio del Trinidad.
Gilberto Silva Jr.
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