Basic Instinct. Qual o instinto fundamental do
homem para Paul Verhoeven? O poder, a despeito do péssimo
título em português, que ressalta apenas
o sexo, presente no filme, mas antes enquanto instrumento
de manipulação do que como pura forma
de prazer.
Em Instinto Selvagem, cada personagem conhece
fatos sobre a vida do outro, sem que haja a contrapartida,
para, a partir da posse privilegiada da informação,
dominá-lo e controlá-lo. Assim, Catherine
Tramell (Sharon Stone) sabe os mínimos detalhes
a respeito da conturbada carreira do policial Nick Curran
(Michael Douglas), Beth Garner (Jeanne Tripplehorne)
omite seu envolvimento lésbico no passado com
Tramell, da mesma forma que detém a ficha psicológica
de Curran (a qual também está nas mãos
do agente da corregedoria que investiga o personagem
de Michael Douglas), e Roxy (Leilani Sarelle), observa,
como voyeur, as relações sexuais de sua
amante Catherine com os homens.
Verhoeven, através deste jogo de opacidades,
em que as informações são reveladas
fragmentada e parcialmente tanto aos personagens quanto
aos espectadores, estabelece verdadeira rede de poder,
gato e rato no qual o domínio migra de um ponto
a outro, inverte-se radicalmente, surpreende. Seja Tramell,
capaz de enganar o detector de mentiras ou de prever
de maneira maquiavélica o retorno de Curran aos
antigos vícios que o levaram a matar inocentes,
mas que em certos momentos se comporta com romantismo
insuspeito; seja Roxy, que alterna excitação
sexual com crises de ciúme; seja Garner, entre
a frieza profissional e os sentimentos exacerbados,
por Catherine e pelo policial.
Perdido no meio das pistas falsas, Nick Curran é
o jogador que aposta contra a banca, tendo como "parceiro
de confiança" o crupiê cafajeste.
Objeto de estudo por parte de Tramell, que o toma como
protagonista de seu próximo livro – o escritor
e, no caso de Verhoeven, o cineasta enquanto manipulador
das emoções dos personagens e do público
–, Curran representa, no filme, aquele o qual se rende
aos instintos e às paixões, que se deixa
levar pela irracionalidade, que é tragado pelo
inconsciente. Não por acaso, Catherine Tramell
e Beth Garner, que o acossam, são psicólogas:
é por intermédio do conhecimento da psique
humana que elas controlam as pulsões que afligem
Michael Douglas.
Trata-se do sexo como método de dominação,
como estratégia do poder. Desse modo, ele não
pertence mais à esfera do instinto, uma vez que
está despossuído de sua função
reprodutora (tanto que Catherine odeia crianças),
e sim da racionalidade, pois é praticado com
o intuito de subjugar o outro. O instinto primordial
do homem, como nos animais, é o poder: no entanto,
se no reino animal o macho, como líder, prevalece
sobre o grupo, impõe-se em relação
às fêmeas, marca seu território,
em Instinto Selvagem acontece o contrário,
com Curran inferiorizado ou por Tramell ou por Garner
no local em que elas habitam e dão as cartas
(a casa de praia da primeira, o consultório da
segunda – e mesmo em seu próprio apartamento,
Michael Douglas acaba abordado por Sharon Stone, que
o invade facilmente), além de vítima das
pressões de seus colegas de trabalho, que o perseguem
e ironizam. A força predatória que Verhoeven
confere às mulheres está resumida, de
fato, na misteriosa amiga de Catherine, Hazel Dobkins
(Dorothy Malone, presença constante nos melodramas
de Douglas Sirk), viúva negra que assassina o
marido e os filhos a sangue-frio, para afirmar seu domínio
sobre a família.
Quem é a culpada, Catherine Tramell ou Beth Garner,
na trama policial que conduz Instinto Selvagem?
Sem revelar com clareza a assassina, Verhoeven não
apenas reforça o caráter acentrado do
poder que oprime e que controla Curran, como também
aponta para o próprio cineasta como manipulador
maior, fazendo o que quer com a platéia que assiste
ao filme.
Paulo Ricardo de Almeida
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