Epitáfios
é a primeira série latino-americana da
HBO, que já prepara um segundo título,
Mandrake, adaptado do livro de Rubem Fonseca,
atualmente em pré-produção pela
Conspiração Filmes. Rodado em 16mm, tem
13 capítulos. Vemos logo nos primeiros minutos
o exibicionismo de sua elaboração formal:
movimentos elegantes de câmera, fusões
de montagem, som vazando de uma cena para outra e a
utilização da grua para tudo ficar mais
chique – embora com a impessoalidade estética
típica da teleficção, ou pelo menos
da maioria das teleficções.
O modelo dramático são os thrillers
americanos dos anos 80-90. Há um ex-policial
traumatizado com um mau passo no passado, uma dupla
de tiras com longa distância etária, um
serial killer que desafia a Polícia, uma
outra dupla de indivíduos com incompatibilidade
de temperamentos e o embate entre lei e justiça,
que leva o herói a agir por fora da instituição.
A narrativa é desenvolvida de forma competente
dentro de suas ambições, tece uma atmosfera
de tensão razoavelmente bem sucedida e atreve-se
a veicular imagens agressivas aos olhos, mas dentro
dos limites convencionais de agressividade visual.
Mas onde estaria, digamos, a especificidade argentina
(além do idioma espanhol)?. O que justificaria,
nessa operação da HBO, incorporar uma
produção latino-americana, se, em linhas
gerais, o molde é quase o mesmo, ou seja, apenas
se reproduz tele-séries produzidas nos EUA? Há
um visível esforço de universalismo –
de se estar vendo audiovisual familiar, e por familiar
entenda-se americano –, concentrado na sensação
metropolitana de se viver em um espaço onde a
ameaça está em todo canto. Mas talvez
o traço argentino esteja no conteúdo.
A missão do herói, por exemplo. Trata-se
de um sujeito deprimido que, graças a um choque,
tem a chance de superar o fracasso. O sofrimento vai
levá-lo a encontrar a potência necessária
para passar borracha em sua culpa, alimentada por um
erro, e assim tentar enterrar a síndrome da derrota
e da tragédia. Essa luta contra a urucubaca,
contra uma conspiração do acaso destinada
a cultivar sofrimentos variados, é conhecida
de apreciadores do tango.
Mas não só por apreciadores do tango.
É cara aos argentinos, mas também a outros
povos (definição essa sempre complicada
nos fluxos entre culturas)
Estaria então no espaço geográfico
a tal argentinidade? Muito menos ainda. Percebe-se com
o excesso de cenas em interiores e com a ausência
de sequências de externa uma tentativa de desterritorrializar
a ação para não deixá-la
com cara muito latino-americana. Com exceção
de uma ou outra passagem na rua, de uma outra tomada
aérea, não há adição
do contexto local para a dramaturgia. A identidade argentina
do produto está em sua mão-de-obra (diretores,
técnicos, elenco), mas, sobretudo, nessa característica
insípida da (não-)ambiência. Epitáfios
se passa na Argentina, mas parece passar-se em lugar
algum.
Cléber Eduardo
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