Mais uma vez o Cinesul tenta reparar um grave problema
que ainda persiste – a grandiosa falta de comunicação
entre os países da América Latina – homenageando
Román Chalbaud, o mais importante cineasta venezuelano,
complemente desconhecido por aqui. Dono de uma vasta
e indiscutivelmente pessoal filmografia, conseguimos
reconhecer sua assinatura em até seus filmes
mais comerciais como Manon e Cangrejo.
Mas é em sua obra-prima O Peixe que Fuma
que podemos enxergar mais nitidamente as bases de
sua sensibilidade cinematográfica: seus vínculos
afetivos com o melodrama, sua incisiva critica político-social,
sua aproximação com a marginalidade e
com a cultura popular. Foi em um clima de total descontração
que Chalbaud com sua simpatia característica
concedeu essa entrevista a Fabian Nuñez, Mauricio
de Bragança e Estevão Garcia (E.G)
Contracampo: O público brasileiro não
conhece muita coisa de cinema venezuelano e, infelizmente,
também de sua obra. Então nós vamos
fazer uma entrevista mais relacionada com outras cinematografias,
de outros cineastas que nós conhecemos. Em seu
trabalho, o que mais me chamou a atenção
foi o diálogo que você estabelece com a
tradição, sobretudo com a tradição
do melodrama. Como é fazer este tipo de cinema,
que não é uma coisa tão militante,
como em geral é o cinema latino-americano, mas
que também não propõe um corte
tão abrupto com a tradição do melodrama?
Román Chalbaud: Bem, eu nunca temi o melodrama.
Há diretores que tem muito medo, o evitam. Eu
acho que nós nascemos, minha geração
um pouco, com o melodrama do cinema mexicano dos anos
40, o cinema argentino, e o cinema espanhol também..
O que acontece é que quando eu comecei a ir ao
cinema, ia para me divertir, ia ao cinema para me entreter,
para escapar da realidade. E um dia, lá pelos
anos 50, vi Os Esquecidos, de Buñuel,
e vi Roma Cidade Aberta, de Rosselini e percebi
que o cinema também servia para enfrentar a realidade,
não somente para se escapar dela. E inconscientemente,
fiz uma mistura desse melodrama que eu respeitava muito
quando via um filme de Chaplin, e Chaplin se apropriava
do melodrama. E também os problemas sociais não
somente da Venezuela mas também de toda a América
Latina e do terceiro mundo e também do primeiro
mundo, onde há problemas sociais terríveis,
não é? Então, eu acho que desta
conjunção surgiu um pouco fazer um cinema
que se ocupasse de criticar as injustiças sociais
sem perder os valores melodramáticos que nós
temos internamente em nossa cultura.
Cc:: Complementando, em alguns artigos se faz
a comparação de O Peixe que Fuma,
do bordel como uma metáfora do país, da
Venezuela ou de qualquer outro país latino-americano,
mas eu li em uma entrevista sua, que você não
gosta muito desta leitura demasiado sociologizante,
que a coisa não é assim, a Garça
não é o poder político e os homens
o poder econômico, ou vice-versa, uma coisa tão
simples assim, que você gosta mais da questão
da magia do bordel, uma coisa de que os personagens
também não são pura metáforas.
RC: Claro, bem, às vezes os críticos descobrem
coisas que a gente não quis dizer mas também
as obras às vezes se transformam e querem dizer
algo que a gente não sabia que queriam dizer.
Eu acho que são válidas todas as leituras,
cada espectador vê um filme diferente, não
é? Ou reage de diferentes maneiras diante de
determinadas cenas do filme e o que de verdade me importa
muito é que meu cinema seja reflexo das pessoas,
que seja pessoas autênticas, que seja seres humanos,
não importa se marginais ou não, não
importa se maus ou bons, todos são humanos, e
então acho que o valor do meu personagem é
esse: que realmente exista, as pessoas quando começaram
a assistir aos filmes venezuelanos nos anos 70, em 74,
se viram refletidas na tela como se a tela fosse um
espelho onde a sociedade estivesse se olhando. Logo,
nós, sem combinarmos nada, a maioria dos cineastas
que começamos a fazer cinema depois dos anos
70, com o boom do cinema venezuelano, em um momento
em que o país aparentemente progredia enormemente,
que o petróleo estava em 30 dólares, que
se falava da Venezuela Saudita, de que todo o mundo
se achava milionário, muitos escritores e muitos
cineastas nos demos conta de que tudo aquilo era falso,
de que havia por dentro uma grande corrupção
e que efetivamente trinta anos depois se vem comprovar
que era assim. E nós, em nossos filmes, estávamos
denunciando o que estava passando, mas as pessoas tinham
uma venda nos olhos e não percebiam que esta
grande aparente festa, este festival de dinheiro, econômico...
Cc:: Alguém ia pagar isso.
RC: Exato. Então isso foi o que aconteceu. E
é curioso que muita gente não se deu conta
do que diziam nossos filmes e hoje em dia, com o que
passou, com a presença de Chávez por exemplo,
que muita gente abriu os olhos, então já
se está vendo os filmes de uma maneira diferente.
Alfonso Molina, o mais conhecido crítico de cinema
venezuelano, escreveu um livro sobre meu cinema, se
chama Cine, melodrama y política, algo
assim, e então ele escolhe, dentre meus dezessete
filmes, uns seis ou sete sobre os quais diz que através
deles se pode estudar desde Pérez Gimenez, o
ditador que saiu no ano 58, até Chávez,
pode-se estudar nestes filmes todo o processo político
e econômico da Venezuela.
Cc:: Eu gosto muito que, embora seu cinema faça
este diálogo com esta produção
do melodrama clássico latino-americano, recuperando
este imaginário e esta iconografia com todos
os, por vezes, clichês deste melodrama, e também
herdeiro deste cinema comprometido e de uma certa maneira,
um cinema como instrumento político, de contestação
ao apontar as fissuras sociais que existem, também
há muito humor em seus filmes, há uma
carga muito forte de humor nos filmes quase como uma
tragédia humorada, uma tragicomédia, ou
algo assim e que por vezes se apropria muito de uma
linguagem um tanto quanto grotesca. No sentido positivo
do grotesco, como algo que está em formação,
que não está totalmente acabado, como
se o corpo popular fosse um corpo de resistência
e por isto não é algo concluído,
como se o popular fosse algo que está em formação
e que resiste. Como você vê a inclusão
do humor e deste aspecto do grotesco em sua obra?
RC: Bem, o humor é absolutamente necessário
porque todos nós na América Latina estamos
sempre próximos ao humor. Nos momentos mais trágicos
recorremos ao humor. Vocês brasileiros também,
tanto como nós. Então o humor é
uma parte vital de nossa maneira de ser, de nossa maneira
de pensar e também acho que através do
humor pode-se dizer muito mais coisas que através
do trágico, que sempre ser absolutamente trágico
e melodramático todo dia chega um momento em
que incomoda, ao contrário se você pode
dizer as coisas através do humor são muito
mais digeridas, mas é claro que não busquei
o humor para convencer as pessoas mas porque é
algo que está latente e é uma verdade,
não?
Cc:: Você é considerado um diretor
popular, inclusive pela temática e pela aproximação
às classes mais populares e à margem desta
sociedade de Caracas. Como é a recepção
de seus filmes na Venezuela, a distribuição
das películas, quem é seu público
ali?
RC: Bom, no ano de 74, houve dois filmes, Cuando
quiero llorar no lloro e o meu La quema de Judas,
onde o público demonstrou que queria ver cinema
venezuelano e então o estado começou a
dar ajuda e começou o regulamento a favor do
cinema venezuelano e começou a dar créditos.
Desde 1974 até 86 estes créditos nos permitiram
fazer de sete a dez filmes por ano. Sempre houve três
ou quatro filmes que estavam dentro das dez maiores
bilheterias do ano. Inclusive muitas vezes em primeiro
lugar, ao invés das norte-americanas. No ano
de 86, das dez maiores bilheterias, sete foram venezuelanas
e foi terrível para nós ter este grande
sucesso porque nos retiraram os 6,6% da bilheteria que
nos davam os distribuidores e exibidores porque já
estávamos tirando horas de tela do cinema norte-americano.
Nos permitiram até certo ponto. No momento em
que começamos a fazer uma concorrência
grande com os filmes norte-americanos, nos cortaram
a cabeça, como fizeram a vocês com a Embrafilme
e como em outros países. Os americanos são
donos de todas as telas do mundo. Quando aqui está
estreando Harry Potter, também está
estreando na Venezuela, no Japão, na Itália,
em todas as telas do mundo, nós temos que tratar
de implorar para que nos ponham na estante de venda
de filmes neste grande mercado para que nos dêem
um pequeno espaço. É uma situação
muito difícil, não somente vive a América
Latina e o terceiro mundo, também os espanhóis,
os italianos, os franceses vivem preocupados com o tema
também. Eu acho que isto deve terminar, entendo
que deve haver uma integração da América
Latina, uma integração do terceiro mundo
porque os filmes latino-americanos quando eu vejo nos
festivais, quando eu vejo um filme brasileiro ou cubano
ou argentino ou mexicano, percebo que tem muito mais
a ver com nossa idiossincrasia, com nossa maneira de
pensar, com nossa maneira de viver, nossa maneira de
rir que um filme norte-americano, mas claro, o cinema
norte-americano impôs esta cultura, nos impôs
e é muito difícil lutar contra este grande
império. Tanto que tem gente em nossos países
que prefere a cultura norte-americana que a nossa. Há
pessoas que dizem "eu não vou ao teatro,
se não na Broadway, eu não vou ao teatro
aqui no Rio ou em Caracas, eu vou a Broadway para ver
os espetáculos de teatro ou a ópera",
isto é, até a esse ponto chegamos e isto
se passou através dos anos e é uma situação
muito triste da qual eu penso que devemos nos livrar.
Eu gosto muito do cinema norte-americano, eu gosto de
Judy Garland, eu adoro assistir Judy Garland mas eu
acho que o problema está mais além de
Judy Garland, isto é, o problema é que
não podemos estar todo o tempo vendo esta cultura
e a gente sabe o tamanho da ponte do Brooklin e desconhece
o tamanho da ponte Rio-Niterói. Isso não
pode ser, não tem sentido. Estão destruindo
nossa cultura, nosso jeito de ser e temos que lutar
contra isso porque se você pode não querer
ser político, mas se você não se
mete com a política, a política se mete
com você, me entende? Então, a situação
já chegou a um extremo em que acho que devemos
tomar o assunto e nos unir muito mais.
Cc:: Bom, agora voltando à questão
do melodrama. Você falou que estão apagando
nossas origens e que alguns diretores ainda têm
medo do melodrama ou algo que o remeta. E o melodrama
é geralmente um gênero dramático-narrativo
em que as coisas são mais simples, geralmente
há o bom e o mal. Isto está bem claro.
Evidente que nós sabemos que a coisa não
é tão simples assim. Você falou
do cinema italiano, o neo-realismo italiano, fazendo
uma brincadeira, talvez não seja tão realista
assim. Há alguns filmes de Rosselini, de Visconti,
que vão mais para o trágico que para o
realismo propriamente dito.
RC: Sim, é claro. Eu acho que o melodrama é
um gênero interminável, que não
termina nunca, porque o melodrama não é
só o que nós consideramos melodrama, ele
vai muito mais além e são inesgotáveis
todas as metas. Veja o melodrama de Chaplin: é
absolutamente diferente ao de Fassbinder. São
mundos absolutamente distintos, assim como as notas
musicais são sete e destas sete notas pode sair
tanta variedade demelodias, certo? Então eu acho
que não devemos temê-lo. Há diretores
que têm medo porque eles pensam que não
é elegante falar, fazer um melodrama mas depende
de como o melodrama é feito porque pode haver
o melodrama terrível como pode haver filmes de
Antonioni, ou ao estilo de Antonioni, imitando Antonioni,
que podem ser terríveis porque não são
Antonioni.
Cc:: Porque o melodrama se converte mais que
um gênero, é uma linguagem, não?
Não é somente um gênero cinematográfico
mas uma maneira de aproximar-se a uma determinada situação
e revolver isto de um jeito que saiam dali as contradições,
enfim.
RC: Sim. No Festival de Havana, dezembro, vi um filme
brasileiro que me encantou, que se chama Amarelo
Manga. Gostei muitíssimo. Gostei muito mais
que de Carandiru. Na verdade encontrei muitos
pontos de contato com meu cinema.... toda esta pensão
onde se sucede... esta pensão, este pequeno hotel,
toda esta coisa sórdida dos personagens e a fotografia
de Walter Carvalho, que achei extraordinária,
é um grande fotógrafo, mas este filme
me fez... gostei muito de vê-lo porque eu não
o conheço [Claudio Assis], o conheci ali de vista
e acho que tem muito talento e que está neste
caminho do cinema que se pode fazer... grandes atores...
eu gostei muitíssimo da atuação
das pessoas... a verdade daqueles personagens. E me
emocionou muito ver que ainda existe um cinema, que
há novos realizadores que seguem um caminho que
alguém traçou em algum momento.
Cc:: E também está presente este
grotesco em Amarelo Manga que está em
seu cinema também.
RC: Claro. O grotesco, sim. Gostaria muito, por exemplo,
que ele... Porque me propuseram várias vezes
fazer O Peixe que Fuma, me propuseram na Espanha
fazê-lo, mas que passasse todo na Espanha e eu
ainda não digeri a idéia de fazer um remake
de O Peixe que Fuma, sobretudo com atores espanhóis
e que se passa nos bairros de Barcelona ou entre os
ciganos de Sevilla. Também me ofereceram no México
fazer O Peixe que Fuma em treze horas para a
HBO e eu também não aceitei porque não
quero trair o que eu fiz mas, por exemplo, este garoto,
Claudio Assis poderia perfeitamente, não me importaria,
que ele fizesse um remake de O Peixe que Fuma
porque me parece que ele tem uma visão de cinema
que se assemelha muito com a minha e claro, com a fotografia
de Walter Carvalho.
Cc:: Você começou no teatro, não?
Como foi esta trajetória?
RC: Bem, curiosamente, o primeiro que fiz foi cinema
porque ao final dos anos 40, 49, o dono da Bolivar Filmes,
um senhor louco venezuelano quis fazer filme na Venezuela
e trouxe de Buenos Aires Carlos Hugo Christensen com
toda sua equipe porque haviam fechado a Lumington, uma
companhia argentina, e trouxeram Carlos Hugo Christensen,
o assistente, o chefe de som, o fotógrafo, o
montador, os maquiadores, e fizeram vários filmes
na Venezuela. E La Balandra Isabel foi a mais
famosa que ganhou o prêmio de fotografia em Cannes,
então esta época eu, bem, era jovem e
vivia metido nos estúdios vendo as filmagens.
Depois que trouxe os argentinos, a Bolivar Filmes trouxe
os diretores mexicanos e no ano 50 levou Victor Urruchua,
que havia feito o melodrama Murallas dePasión,
con Elvira Rios e Toña la Negra e outras atrizes
e eu me empenhei em converter-me em seu assistente de
direção e aprendi muito com ele o abc,
onde se põe a câmera, e porque salta o
eixo, estas coisas, não? E então no ano
50 fui assistente de direção de Urruchua
de dois filmes venezuelanos e eu ainda não havia
escrito teatro, ou seja, o primeiro que fiz foi cinema,
o cinema era algo que realmente me importava. Mas quando
fui para a Universidade, estudei teatro e quando começou
a televisão em 1953, nos chamaram aos que havíamos
sido, havíamos trabalhado nos filmes e eu era
muito jovem e então fui fazer televisão
e neste ano de 1953 comecei na televisão, estreei
minha primeira obra de teatro e já havia feito
dois filmes como assistente. Então tudo se uniu
e eu pensei que se não pudesse fazer cinema,
já que era impossível porque havia parado
esta produção de Villegas Blanco, que
fez doze filmes e não foi muito bem porque não
havia distribuição. Deu a distribuição
aos mexicanos e os mexicanos tomavam os filmes e não
os lançavam nunca porque era concorrência
venezuelana contra eles mesmos. Então estreei
minha primeira obra de teatro e como disse Lope de Vega,
"o teatro é um palco com atores e paixão",
e é teatro, não existem as câmeras,
não existem os negativos Kodak, não existem
os cinqüenta técnicos e comecei a escrever
no teatro tudo o que eu pensava. E felizmente comecei
a ter sucesso no teatro, o que eu queria dizer no cinema,
disse primeiro no teatro. Tive um professor, Alberto
de Paz y Mateos, que era um republicano espanhol que
adorava Garcia Lorca , O’Neill, Arthur Miller e Cervantes,
e então me metia neste mundo do teatro mas sempre
guardava dentro de mim a necessidade de fazer cinema.
Assim fiz meus dois primeiros filmes em preto e branco,
no ano de 1957 fiz Cain adolescente e em 63,
fizemos em cooperativa um filme chamado Cuento para
mayores. Esperei até 1974 quando começou
este outro ciclo com La quema de Judas, e então,
comecei a filmar todos os anos.
Cc:: E estes são adaptações
de suas obras de teatro?
RC: Sim. Caín foi uma versão de
uma peça de teatro minha, El pez que fuma
também, Sagrado y Obsceno, Carmen não,
Carmen é a obra de Mérimée,
Manón é do Abade Prévost.
Fiz Ratón en Ferretería, uma comédia
que também foi uma peça de teatro minha
e Pandemonium, uma peça de teatro que
se chamava o Teatro Recícula de Nácar,
ou seja, não fiz todas minhas obras de teatro
no cinema e sim algumas. Em A Ovelha Negra tomei
algumas idéias de Los Ángeles terribles,
que é uma peça de teatro que eu tenho,
que a crítica diz que é a melhor, que
é uma obra poética que é muito
difícil de levar para o cinema tal como está
escrita porque é teatro, é literatura,
mas alguma idéia de Los Ángeles terribles
eu pus em A Ovelha Negra.
Cc:: Como é a adaptação
de suas peças para o cinema, são os mesmos
atores que trabalham no teatro e depois fazem os mesmos
personagens no cinema?
RC: Não, não são os mesmos. Quando
adaptamos a minha primeira peça de teatro, La
quema de Judas, meu companheiro de trabalho era
José Ignacio Cabrujas, que infelizmente já
morreu. Ele também era dramaturgo e nos anos
60 havíamos escrito muitos roteiros que nunca
foram filmados, nós só os escrevíamos
porque não tínhamos trabalho e sonhávamos
fazer cinema e escrevíamos muitos roteiros. Mas
no ano de 1974, quando tínhamos certeza que podíamos
fazer o filme, ele me disse: Por que não fazemos
La quema de Judas? Ele havia trabalhado como
ator, e fez tanto sucesso, a peça ficou um ano
em cartaz, em Caracas e por todo o país, havia
uma coisa política nos anos 60 muito importante
e havia uma efervescência no país neste
sentido. Então quando fomos adaptar a obra, ele,
José Ignacio, me disse: Vamos adaptar uma obra
de teatro, tínhamos o livro da peça e
o jogamos fora e ele me disse: me conte como é
a peça, me faça uma sinopse e então
eu lhe disse: bem, La quema de Judas trata de...
ele sabia, não? Mas era um jogo... se trata disso...
Para escrever um roteiro de cinema sobre este argumento
e com estes personagens. Ou seja, reescrevemos para
o cinema, não usamos. Os diálogos de La
quema de Judas no teatro são totalmente diferentes.
A obra de teatro era mágica, era como realismo
mágico, e o filme era realista e policial. Transformamos
a estrutura porque estávamos começando
a fazer cinema, queríamos ao mesmo tempo fazer
um cinema de qualidade mas que chegasse a todas as pessoas
e achávamos que a nossa responsabilidade era
chegar a todo mundo e que não podíamos
começar por um filme muito pessoal, muito de
autor, mas que a história permitisse ser narrada.
Fizemos em flashbacks, um filme compreensível
para todo o público e assim fizemos. O mesmo
fizemos com Sagrado y Obsceno e com O Peixe
que Fuma. Em O Peixe que Fuma só deixamos
um diálogo, quando ela diz: "autopista de
homens, kilômetros de homens", isto é
da obra de teatro e o ensaio do tango Uno quando
La Garza canta essa música. Esta cena está
na peça de teatro. O resto reescrevemos totalmente
para o cinema. Além disso O Peixe que Fuma
no teatro se passava em apenas um dia. Começava
pela manhã e terminava de madrugada. E o filme
O Peixe que Fuma passa meses desde que o rapaz
chega até que se tornam amantes. Estes tempos
foram absolutamente... Acho que é o melhor para
se adaptar uma obra de teatro e há pessoas que
não vêem, não pensam que isso era
uma obra de teatro antes porque não se parece
em nada com a estrutura teatral.
Cc:: Em O Peixe que Fuma grande parte
da história se passa no bordel, então
talvez aí tenha algo de teatro.
RC: Sim, sim.
Cc:: A mesma locação. E eu acho
que o mais interessante é que são os homens
que saem de casa, são os homens que vão
por o dinheiro no banco, então eu acho que no
contraste volta a questão melodramática,
o contraste entre os exteriores de Caracas, quando eles
vão fazer compras ou coisas assim e o bordel,
o bairro....
RC: Exato. Bem, o filme me deu muita satisfação.
Filmei em 1975 e quando esteve no festival de Tolouse
me levaram a um cinema que ficava fora do centro da
cidade. O cinema estava cheio e começou o filme,
era O Peixe que Fuma com legendas em francês.
Eles têm uma cópia e a exibem todos os
anos. E já se converteu em um cult movie de verdade
e as pessoas me fizeram perguntas, se eram prostitutas
de verdade, e eu, bem, eram atrizes, não sei
se eram prostitutas de verdade (risos...) Sim, mas foi
emocionante fazer este filme e realmente é meu
filme mais querido entre os 17 que fiz, 15, não
me lembro quantos.
M: Você falou de Amarelo Manga, há
alguma preferência no cinema brasileiro, com quem
tenha algum diálogo, ou que você goste,
enfim...
RC: Bem, gosto muito do passado, não é?
O cinema de Glauber Rocha me interessou muitíssimo
e depois Nelson Pereira dos Santos, menos o que fez
sobre o melodrama: Cinema de Lágrimas.
Não gostei nada. Acho que ele não conseguiu
o que queria. Ou o que todos queremos é pegar
todas as cenas dos filmes mexicanos e eu acho que as
melhores cenas não pôs e acho que Nelson
não conseguiu o resultado desejado, mas em outro
filme Memórias do Cárcere, por
exemplo, eu gosto muito. Este me marcou muito. E depois
alguns filmes de Babenco. Não exatamente Carandiru,
não acho seu melhor filme. O cinema brasileiro
é muito vigoroso em geral. Até um filme
ruim, e eu vi filmes brasileiros ruins, comerciais,
mas sempre têm um vigor, uma beleza, uma autenticidade
dos personagens. E mesmo que você não goste
do filme, os atores são muito bons, eu vi vários
em Havana. Um que eu não gostei foi o que havia
uma canção de Roberto Carlos, O Caminho
das Nuvens. Me parece um filme comercial, esta coisa
nova de que os bancos e as empresas privadas estão
dando dinheiro para os filmes converte muitas vezes
os filmes nisso, como um programa de televisão.
Mais que um filme, são como programas de televisão.
Não são filmes autenticamente de autor,
mas o que eu digo, é que em qualquer filme brasileiro
você encontra algo. Por isso gostei tanto de Amarelo
Manga. Realmente é tão maravilhosa,
tão autêntica a atmosfera criada, os diálogos
muito inteligentes, as atuações, a fotografia,
era tudo tão absurdo e tão verossímil
ao mesmo tempo. E com uma poesia que me encantou muito.
Fazia tempo que não via um filme que eu gostasse
tanto como esse.
Cc:: E uma aproximação a esta
camada popular desde o interior, parece que se filma
o que está na cara, ao redor.
RC: Exato. Esta sordidez, os primeiros planos de sexo
são belíssimos, não é? E
esta coisa da cor porque se chama amarelo manga quando
termina o filme: "Me pinta com a cor de amarelo
manga" isto me deixou... Me encantou... E a fotografia
de Carvalho. Não vi Diarios de Motocicleta.
Soube que está em cartaz aqui, não é?
Vocês viram? O que opinam?
Cc:: Não gosto de seu discurso. Eu acho
muito monotônica. Afasta-se bastante da diversidade
cultural latino-americana em função de
um projeto que.... Acho que os projetos latino-americanos
são múltiplos, da diversidade. Acho que
o filme sempre tem um mesmo tom... Não há
esta profundidade da diversidade na exposição
da América Latina.
Cc:: Tudo é muito bem encadeado.
RC: Muito bem encadeado.
Cc:: Muito bem encadeado, mas isso é
uma crítica. Eu acho que é uma coisa certa
aqui, e depois vai acontecer isso. É arrumadinha
demais, eu acho. Eu acho que se pusesse uma situação
aqui e outra mais além seria uma opção
mais interessante. Parece mais preocupado em um concurso
de roteiros que no filme.
RC: E vocês que acham de Central do Brasil?
Cc:: Acho uma boa apropriação
do melodrama, desta fórmula do melodrama mas
não aponta as transgressões que a linguagem
pode oferecer porque se apropria de uma fórmula
muito bem conhecida, não sei, acho que o melodrama
pode ser mais subversivo, como o que você faz,
por exemplo, acho muito mais interessante e rico do
que este melodrama aceitável, mais reconhecível.
RC: Mais aceitado sim. Acho que os filmes de Walter
Salles, que é um ótimo realizador, são
sempre uma coisa distante...
Cc:: Cômodos. Não incomodam o público.
RC: Exato. Sempre. Podem passar as coisas mais terríveis
que ele conta de uma maneira um pouco distante, não
sei, se exclui, não sei...
Cc:: O que acha da obra de Almodóvar,
que se converteu quase como um paradigma do melodrama
contemporâneo, que tem muitas referências
neste cinema mexicano também?
RC: Sim., eu gostava muito do Almodóvar do começo.
Seu melhor filme, para mim, é Que fiz para
merecer isso?, por exemplo, é a que eu mais
gosto, e Labirinto de paixão . Todos estes,
os primeiros filmes de Almodóvar, eram excelentes...
E a medida que foi tendo sucesso, foi-se depurando,
se internacionalizando, está mais preocupado
com a técnica e está arrependido de ter
andado de chinelo pelas ruas (risos...). Sim, agora
quer andar de saltos altos. Porque agora, ele, usando
os mesmos recursos de seus filmes anteriores quer ser
mais internacional, mais elegante e não gosto
disso porque acho que se afasta. Eu não vi seu
último filme, La mala educación,
mas tem gente que viu e me contou em Cannes...
É um tema que é ele mesmo. Acontece que
ele quer agora ver-se nessa coisa afastada. Ele antes
era sórdido, era como era seu filme dentro da
obra. E vê de forma afastada, se refinou. Eu não
gosto que as pessoas se refinam porque o melodrama de
Almodóvar era este que não era refinado.
Claro, tem um talento enorme, ninguém pode negar,
mas esta coisa de ser internacional... Eu acho que o
cinema em um certo sentido tem que ser localista, que
quando nós vimos Maria Candelaria, O
cangaceiro, Rashomon, eram filmes localistas,
Allá en el rancho grande, do México.
Era um cinema localista que se fez universal porque
era localista, como dizia Tchécov, descreve sua
paróquia e serás universal. Quando eu
assisto um filme brasileiro eu quero que seja brasileiro,
quando eu vejo um filme argentino, quero ver os argentinos,
me toca mais que eu esteja descobrindo uma cultura,
a maneira de pensar, de falar, estas co-produções
por exemplo, da espanha com França, não
é espanhola e não é francesa. Ítalo-alemã,
não é italiana, é uma coisa internacional,
que não tem sal, que não sai nada, por
isto digo que não me assusta que os filmes sejam
locais, ao contrário. E como que alguém
faz turismo e não conhece os países, porque
chega a um hotel que pode estar em qualquer parte do
mundo. O Hilton do Rio é igual ao Hilton de Buenos
Aires, que o Hilton do México ou o Hilton de
Caracas e você não sabe em que país
está. Ou se entra em um shopping center. Barra
Shopping é igual ao de Caracas, isto não
é conhecer um país. Você está
conhecendo uma fórmula geralmente americana que
é globalista e o mundo todo é maravilhoso
e você é uma Cinderela que chega a um shopping
center e pensa que pode comprar tudo que está
ali e não pode comprar nada, me entende?
Cc:: Falando disto que o cinema deve ser localista,
fale um pouco da mostra competitiva do festival. Notamos
que há muitos filmes que falam da sua realidade,
como Paloma de papel, que fala do Sendero Luminoso,
Marasmo, que fala da guerrilha colombiana, Amor
en concreto, da Venezuela, Pyme da Argentina.Queria
que você falasse um pouco disso, de como esses
filmes se relacionam com seus países e sua realidade.
RC: Sim, bem, como sou jurado não posso falar
muito (risos...), vão descobrir em quem votei.
Bom, eu acho que isso é válido. Todo mundo
na sala entendeu, embora não seja peruano entende
o que quer dizer Paloma de papel ou a outra ou
a outra. E justamente o cinema serve para isso. Para
a gente conhecer os problemas da inquietude, do riso,
dos prantos, das canções de cada um de
nossos países. Por isso digo que eu gosto, que
não me assusta que seja localista, o que me assusta
é que seja um filme ruim, porque pode ser localista
e horrível. Que seja localista me refiro que
trate realmente dos problemas de cada país. Por
exemplo, Berlanga não pode ser mais localista
e é universal, como Dom Quixote, que é
espanholíssimo e é o mais universal que
há. Jorge Amado escreve sobre a Bahia e teve
um sucesso universal, não é? Sobre o que
você diz, sim, eu vi os nove filmes que tinha
que ver e são diferentes um do outro e tocam
diversos temas e o bom é que estes cineastas
latino-americanos se preocuparam cada um em contar coisas
reais, factíveis, que estão passando em
cada um de seus países e isso me parece uma virtude.
Claro, às vezes conseguem e às vezes não,
às vezes contam mal, às vezes são
tendenciosos, não é? Às vezes não
são objetivos mas isso já é outra
história. Mas eu acho que isso é o maravilhoso
do cinema latino-americano, ter essa variedade.
Cc:: Sobre a questão do melodrama de
Almodóvar, eu acho que um outro caminho do melodrama
vejo em Arturo Ripstein. Dos anos 90 para cá
ele já está fazendo, por exemplo, os três
últimos filmes dele não entraram em cartaz
aqui. Que são coisas, a meu ver, muito experimentais:
La perdición de los hombres, Así
es la vida e La virgen de la lujuria. Qual
é sua opinião sobre desde El principio
y fin, que é de 90, e como ele vai trabalhando
com a questão do melodrama, que é muito
diferente que, no mesmo México, de um O crime
do Padre Amaro.
RC: Sim, é outra coisa.
Cc:: E somente acrescentando, eu percebo que
nos anos 90 houve um resgate, ou uma maior aproximação
ao melodrama sem tanto preconceito como nos anos 60
ou parte dos anos 70. Ainda acho que há muito
medo de definir-se como melodramático.
Mas acho que se pode observar estratégias de
melodrama bastante interessantes em alguns diretores
não somente em Almodóvar ou Walter Salles,
mas também em Lars Von Triers. Acho que é
uma característica interessante dos anos 90.
RC: O caso de Ripstein é muito interessante porque
realmente ele, depois de haver feito Princípio
e Fim, antes de Princípio e Fim eu
não gostava muito do cinema de Ripstein e quando
vi Princípio e Fim eu era jurado em Porto
Rico e era jurado também Humberto Solás,
o diretor cubano de Lucía, e decidimos
dar o prêmio, porque o terceiro jurado, o portorriquenho
também concordava, em dar o prêmio a Ripstein
por Princípio e Fim. Ali, Ripstein me
conquistou, ali vi um filme, eu não gostava muito
do cinema dele, mas era uma coisa pessoal minha. Parece
que estava procurando e neste filme, que é baseada
na obra de Naguib Mahfouz, o egípcio...
O mesmo autor que Callejón de los milagros,
de um romancista árabe, egípcio, e eu
gostei muito. Depois, nos outros filmes fez coisas experimentais,
que é admirável porque é um homem
já com essa carreira e começa realmente
a experimentar no cinema e com o melodrama, acho maravilhoso,
merece um grande elogio. O que eu não gosto em
Ripstein é a crueldade que ele tem com os personagens.
Me dava a impressão que ele não gosta
das pessoas, mas que gosta muito de si mesmo (risos...).
Sim, tudo é terrível. Eu tenho um amigo
que, em Chicago, foi comigo ao Festival e quando iam
matar aquela menina de 4 anos...
Cc:: Em Profundo Carmesí. (Vermelho
Sangue)
RC: Sim. Profundo Carmesí. Disse: "Vou
embora" (risos...) A impressão que tenho
é que ele não ama os personagens dele
mas que ele os usa, mas tem um talento cinematográfico,
só que é um pouco sádico (risos...)
Cc:: Bem, agora indo para a comédia.
Que tipo de comédia te formou? A comédia
americana, Lubitsch, Capra, ou Cantinflas, uma coisa
latina...
RC: Lubitsch me encanta e Billy Wilder muitíssimo,
gosto muito. Mas também gosto muito de Woody
Allen. Eu me surpreendo muito porque na televisão,
e eu tenho muitos canais, este Directv e tal, e eu passo
muito, me enfadonho, em geral estão disparando
tiros, em geral: "assassino!"ou sai alguém
com um punhal, explodem um carro, passa e explodem mais
dez carros e logo aparece Woody Allen e mesmo que eu
tenha visto o filme há muito tempo, fico vendo
e sempre acontece que eu veja o filme até o final,
mesmo que já o tenha assistido. Por isso eu digo
que alguma coisa tem este homem que eu gosto muito.
O mesmo que Robert Altman, por exemplo, que também
me interessa muito. Outro que me interessa muito é
Tim Robbins e Susan Sarandon, o casal. Aqui vocês
viram este filme dele que é sobre o teatro de
Orson Welles...
Cc:: Cradle will rock.
RC: Esta. Eu comprei em video, em DVD , tenho e me interessa
muito. É um tipo de diretor que faz um cinema
totalmente diferente e realmente mexe com outros chips
da minha cabeça. Já estou cansado desta
violência ou dos efeitos especiais. Detesto os
filmes que têm efeitos especiais porque se reduzem
a isto. Fui ver Troia e oh... era a Iliada vista
por Seleção de Reader’s Digest (risos...)
Era espantosa, espantosa...
Que coisa tão ruim... Ao contrário, fui
assistir a uma de efeitos especiais que se chama O
dia depois de amanhã e, bem, gostei, os efeitos
especiais estavam a serviço da ecologia e havia
algumas piadas, o público morreu de rir quando
os americanos não puderam passar para o lado
do México, então o presidente disse que
ia perdoar a dívida para que os deixassem passar,
eu morri de rir, era uma ironia, não? E algo
contra Bush pela questão ecológica. Deste
eu gostei mais ou menos, mas geralmente evito assistir
este tipo de filme. Em Caracas temos várias salas,
como umas sete salas de cinema alternativo e a pessoa
pode recorrer a estas salas e entre elas está
a Cinemateca Nacional mas há outras salas privadas
que se formaram, e você encontra alternativas
de festival de cinema espanhol, festival de cinema francês,
italiano, filmes do Irã, isso é outra
linguagem, é algo diferente, tantos filmes maravilhosos
que há no mundo e as pessoas se reduzem a ver
nada mais que o mesmo produto todo o tempo e ultimamente...
o último de Woody Allen, por exemplo, eu não
assisti. Alguém me disse que já está
se repetindo, não vi, mas ele é um caso
aparte. Scorcese, por exemplo, que opinam vocês
de Scorcese? Eu acho que ultimamente o melhor que Scorcese
fez são uns documentários. Há um
documentário que Scorcese fez que assisti na
televisão sobre a história do cinema italiano
que é maravilhoso porque te conta toda a história
do cinema italiano e saem pedaços grandes de
cinco, de dez minutos de De Sica, Visconti, Pasolini,
tudo, Sophia Loren. Então, gosto mais dos documentários
que Scorcese está fazendo do que de seus filmes.
Cc:: Bom, você trabalha com televisão,
trabalhou muitos anos, como é trabalhar em teatro,
trabalhar em cinema e nesta outra linguagem que é
a televisão?
RC: Bom, trabalhar em televisão é um pesadelo,
porque você tem que trabalhar muito. É
terrível, principalmente quando você tem
um salário do canal e eles te obrigam a fazer
as telenovelas ou os programas que eles querem fazer.
Isto é um pesadelo terrível e eu o vivi
no final dos anos 60. Nos anos 70, nós nos rebelamos
e um grupo de trabalhadores, de escritores, de diretores
do canal de televisão nos convencemos que devíamos
fazer bons programas e que estes programas poderiam
ter sucesso e conseguimos durante dois, três anos
adaptar muitas obras da literatura venezuelana. Por
exemplo, Doña Bárbara em telenovela,
Cabrujas escreveu La Señora de Cárdenas,
que mudou a história da telenovela porque não
era um melodrama mas um problema matrimonial com uma
linguagem do dia a dia e fez um enorme sucesso. Eu fiz
Boves el Urogallo, que era baseado em um livro
de Herrera Luque, fiz também La hija de Juana
Crespo, fizemos La trepadora de Rómulo
Gallegos, se fez La balandra Isabel em telenovela,
o conto de Menezes e esta foi uma televisão bem
feita. As pessoas chamavam televisão cultural.
Era cultural mas era amena ao mesmo tempo porque a cultura
não tem que ser cansativa. E esta etapa dos anos
70 foi maravilhosa e infelizmente depois a televisão
voltou a cair em mãos erradas e voltaram as telenovelas
de tipo mexicanas ou cubanas dos anos de rádio.
Eu fui fazer cinema e fazer teatro e em 1981 renunciei
à televisão e decidi viver com menos dinheiro,
porém mais feliz e além disso os filmes
me permitiam ganhar alguma coisa e investir em outro,
ou seja, eu gostava muito mais do cinema que da televisão.
Ultimamente o que tenho feito nos anos passados foi
aceitar fazer uma telenovela nos primeiros trinta capítulos
e assino um contrato que aceito fazer os primeiros trinta
capítulos e continuam depois outros diretores.
Faz dois anos fiz uma telenovela completa chamada Guerra
de Mujeres porque eu gostei muito de como era escrita,
era divertidíssima, era cômica, tinha um
elenco feminino com as melhores atrizes da televisão
venezuelana, você se partia de dar risada e tinha
um riso inteligente e eu a fiz completa e foi muito
bem e ganhou a audiência todo o tempo. Atualmente
estou fazendo uma telessérie que se chama Amores
de barrio adentro. Dura um ano, é uma hora por
semana, já filmei nove capítulos, estréia
na terça que vem, eu chego na segunda e na terça
é a estréia mas é uma coisa que
eu gosto, é uma coisa de qualidade. Então
essa coisa com a televisão já não
posso como quando era jovem que tinha que trabalhar
para poder viver, mas era terrível porque isso
realmente é um pesadelo, fazer um capítulo
diário. A última vez que trabalhei, eu
tinha três diretores. Eu dirigia em um estúdio,
outros diretores em outros estúdios e as equipes
em externas. E eu e os diretores combinávamos
porque tínhamos um mesmo estilo, vamos imitar
Lubitsch ou vamos imitar Billy Wilder este é
o caminho para que um faça uma coisa e o outro
outra, seguramente havia que se fazer o mesmo porque
se não era impossível. É impossível
que uma só pessoa faça tudo. Claro que
entre eles havia reunião de direção,
de produção e, mas no geral a diferença
de fazer um filme onde você chega a fazer uma
cena ou no máximo duas e na televisão
você tem que fazer trinta e cinco cenas diárias,
dezoito cenas diárias. Chega um momento em que
você tem dois meses dirigindo, e você se
converte em uma máquina: entra por aqui, sai
por ali, se aproxima da janela, fuma, senta, deita,
me entende? Já não. Ao contrário,
num filme, é uma coisa pura porque é uma
só câmera, não são três
câmeras, é uma coisa que é planejada
perfeitamente. Na televisão, por vezes, os capítulos
te chegam um dia antes e você não sabe
o que vai ser, que é o que vai dirigir. Logo
você encontra com atrizes e atores que não
conhece e sai um personagem novo que você não
conhece... é um disparate fazer desta maneira
como nós fazemos, como se faz ali me entendem?
Porque também a televisão poderia ser
maravilhosa. Disseram-me que no Brasil até que
a telenovela esteja toda gravada não a lançam,
é verdade?
Cc:: Não. No geral, não.
RC: Não?
Cc:: Vai-se gravando.
RC: Ah, me disseram que aqui era assim antes, no início.
As novelas brasileiras são muito bem consideradas.
Cc:: Acho que algumas telenovelas do SBT são
assim.
RC: Quais?
Cc:: As novelas que são de outra emissora,
que não a Globo. Algumas gravam toda, acho.
RC: Gravam toda. Claro, É um investimento muito
grande. Os custos de uma telenovela são enormes.
Cada capítulo tem... também vendem em
todas as partes do mundo. Na Venezuela se vê muita
televisão brasileira. As telenovelas da Rede
Globo, Esperança está passando
agora. Eu não vi, às vezes vejo, são
muito boas as realizações, estão
muito boas. Eu não vejo telenovela, nem as minhas
porque não estou todas as noites sentado...(risos...)
Mas me disseram que são muito bem escritas, que
os escritores dizem coisas um pouco mais inteligentes,
não sei se isto é verdade.
Cc:: Acho que tentam incluir questões
mais polêmicas...Tem uma novela que o autor é
co-roteirista de Central do Brasil.
RC: Ah sim?
Cc:: A Cor do pecado. Em uma entrevista
eu li que é uma coisa de louco. Ele acorda pela
manhã e escreve até à noite, não
tem tempo para mais nada, para ler, pra nada...
RC: Não, não, é uma coisa terrível.
Um pesadelo. Quando eu trabalhava, que tinha meu salário
eu chegava as oito da manhã e saía a uma
da madrugada, ou as onze da noite. Não existe
vida pessoal.
Entrevista realizada por Fabián Nuñez,
Maurício de Bragança e Estevão
Garcia, dia 17 de junho de 2004, CCBB. Transcrição
e tradução: Maurício de Bragança.
Revisão: Estevão Garcia e Ruy Gardnier.
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