Durante a maior parte de sua metragem,
Jogo de Sedução é uma variação
de um clichê (o do triângulo sexual) sem
nada acrescentar nesse terreno. Pelo contrário:
enquanto as imagens desfilam na tela, não sem
perder o rebolado, é inevitável questionar
a razão daquilo. Não há, aparentemente,
nenhuma. A sucessão de sequências não
justifica em nenhum momento, nenhum mesmo, porque contar
a história do sujeito vidrado pela moça
comprometida, sem nada diferenciar-se do esperado. Engano
nosso. Jogo de Sedução introduzirá
em seu terço final uma surpresa que, aqui, não
nos furtaremos de revelar para podermos avançar
um pouco na análise.
Essa surpresa é o próprio tema do filme
e, de certa forma, justifica o clichê no qual
ele estava atolado. Que tema é esse? A busca
de novos artifícios, ali extraídos dos
"testes televisivos de fidelidade", para se
buscar a imagem autêntica. Estamos em mais uma
tentativa de se problematizar a diferença entre
representação da verdade e verdade da
representação. Na diegese do filme, verdade
e representação, em última instância,
são incompatíveis. Para se chegar à
primeira, atenua-se a segunda, até escondendo
a câmera (como em um documentário direto
radicalizado).
As coisas se dão da seguinte forma: um ator brasileiro
desempregado envolve-se com uma garçonete espanhola
– noiva de um figurão americano, tudo isso em
terras inglesas. Lá pelas tantas, quando o destino
dos pombinhos parece selado, surge a tal supresa: o
noivo da garçonete filmou várias situações
dos amantes para usar em um filme. Ele (o amante) sabia
da armação, ao menos parcialmente, e fez
seu papel, ao menos parcialmente. Ela não sabia
de nada. A operação do noivo-diretor,
como colocado acima, é movida por meta artística:
a busca de uma imagem autêntica, menos representada
e mais verdadeira. Para chegar a esse patamar estético,
chuta a ética para a lua.
Temos aí uma questão contemporânea,
sobre o uso das imagens e sobre a moral da arte, que
se sintoniza com a multiplicação das câmeras,
hoje aplicadas em diversas funções: mediadora
de relações íntimas (como vemos
em Na Captura dos Friedmans), olho vigilante
(como as de elevadores e lojas), diário de experiências
(como vemos nos trechos captados no Iraque em Fahrenheint
11 de Setembro), registro de eventos históricos
(como vimos no show de tomadas da queda do WTC) e invenção
de personas públicas (como nos documentários
de Eduardo Coutinho).
Jogo de Sedução, após a
revelação de que o que víamos não
era o "real autêntico", mas parcialmente encenado,
ensaia um olhar crítico. Parece claro que, por
caracterizar o diretor trambiqueiro como um monstro
à beira da psicopatia, condena a esperteza. Roubar
a imagem de alguém, sem esse alguém saber
que está sendo filmado, é uma atitude
errada, segundo o filme - simples assim. Coerente também.
A operação do filme, afinal, é
de outra natureza. Estamos em uma narrativa ficional,
onde tudo é encenado, sem nada de reality-show.
É natural então que, embora tematize a
crise da representação e da dramaturgia,
o filme tente responder a essa crise, no caso condenando-a
por meio da ficção.
No entanto, surgem dois problemas. Um é de ordem
ética - já que, embora pareça condenar
a atitude do vilão, o filme a legitime. Isso
porque o casal de heróis-vítimas, depois
de terem suas imagens usadas sem consentimento, inclusive
uma de sexo, acaba usufruindo do truque amoral. Conclui-se
que moral, ao menos no processo de criação
artística, é algo fora de questão.
E isso está, de certa forma, na imagem. Os únicos
momentos em que a instância narradora direta é
transferida, do diretor do filme para os personagens,
são aqueles com olhares subjetivos de quem capta
imagens sem pedir licença, ou seja, do ator e
do diretor do filme dentro do filme. É dado olhar
aos ladrões de imagens, mas não a quem
tem a sua roubada.
O outro problema é que, apesar de querer afirmar
a ficção sobre o misto de reality-show
e pegadinha Jogo de Sedução apenas
expõe sua própria crise, e não
a da dramaturgia, pois não há verdade
alguma em sua representação. Seja por
conta da fragilidade dos atores, seja pela palidez do
roteiro, seja pela incapacidade da direção
de saltar esses obstáculos, o filme torna-se
mais interessante por alimentar uma discussão,
sobre ele mesmo, mas não pela forma com que discute
seu tema.
Cléber Eduardo
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