Dos cineastas que fizeram parte de uma história
bastante particular do cinema italiano, a do chamado
cinema de gênero, Sergio Sollima talvez seja o
menos estudado entre os grandes nomes que bateram ponto
ali. A beleza de seu cinema difere de diversas vertentes
em voga na época, das possíveis aberturas
políticas, trabalhadas por cineastas como Sergio
Corbucci e Damiano Damiani, ao extremo do trabalho com
a câmera de um Leone. Embora traga mais do terceiro
que dos outros citados, o cineasta parece estar mais
para um Enzo Castellari, cineasta que tal qual Sollima
vai trafegar entre todas estas vertentes sem necessariamente
fazer parte de uma. Todavia, para além de fugir
de possíveis aprisionamentos, o cinema de Sollima
tem momentos de uma pureza raríssima.
Todo o filme é pensado e arquitetado entre dois
atos, o primeiro abrindo e o segundo fechando. São
duas cenas compostas com extremo cuidado pelo cineasta,
talvez duas das melhores seqüências de ação
já filmadas. Na primeira acompanhamos a priori
Charles Bronson e sua esposa Jill Ireland em um barco,
numa cena filmada com atmosfera quase surreal. Logo
em seguida seremos introduzidos ao primeiro momento
chave do filme, uma em nada pequena obra-prima do cinema
de baixo orçamento, envolvendo uma perseguição
de carros com o protagonista. O primor da decupagem
de Sollima na exploração dos pequenos
becos em que os carros se metem é de uma maestria
rara. A seqüência se fecha quando Bronson
finalmente descobre que fora traído, e que sua
esposa estava envolvida. Tudo o que se segue no filme
é o mais puro sentimento da espera – o personagem
de Bronson não vive, ele somente vaga aguardando
o momento em que estará livre para se extinguir
em paz. O filme perseguirá então este
sentimento, sempre ao lado de seu protagonista.
Entre estes momentos Sollima estabelecerá diversos
dos códigos básicos dos filmes de gênero,
mostrando todo o mundo que cerca o personagem de Bronson,
uma porção de personagens bastante ambíguos
com os quais Bronson faz contato, uma longa seqüência
de ação onde o cineasta explora ainda
mais o sentimento da espera, e aguardamos por um longo
tempo até que o protagonista acerte um tiro a
longuíssima distância em uma vitima que
lhe pagaram para matar, com o detalhe de que a pessoa
participava de uma corrida de carros. Sollima aguarda
o momento exato para a precisão perfeita não
só da execução do trabalho de Bronson,
mas para alcançar o limite de uma tensão
construída em torno de uma cena onde sequer temos
acesso direto com a vítima, além de fazer
com que nos preocupemos um tanto mais com a execução
ser bem-sucedida. Sobram ainda outros libelos feitos
com maestria, como as cenas em que Bronson contracena
com Ireland, sempre na dúvida da posição
da personagem em relação a tudo em sua
volta, mas principalmente dominando-a fisicamente, sobretudo
na cama. Em certo momento, Telly Savalas surge em cena
como um chefão do crime que pode não ser
tão poderoso assim – é impressionante
que a cadeia de personagens com que Bronson cruza abra
sempre tantas brechas e permita que muitas destas sigam
em dúvida até o fim. Numa atuação
completamente picareta, Savalas deixa sua marca rapidamente
no filme, mas trabalha precisamente o equilíbrio
entre o cômico e o servir como alimento para as
tensões permanentemente em cena no filme.
Quando o filme parece estar a ponto de explodir, clarificando
seu sexismo (francamente genial), surge provavelmente
sua cena mais pura (como cinema) em seu todo: o ato
final, o momento tão aguardado – e Sollima não
decepciona de forma alguma. A seqüência é
ainda mais bem pensada que a primeira, com exímio
trabalho no tempo e no uso da ausência de som.
Em um grande prédio, um elevador carregando personagens-chave
do filme sobe – assim como Bronson, podemos lhes observar
do lado de fora, pelo vidro. A tensão parece
nunca ter sido feita com tanto talento – os cortes nos
momentos exatos, o aguardar do último suspiro
em um fim pré-anunciado. O final surge como a
única saída possível, em que uma
sensação de paz fica um tanto clara. A
perseguição chegou ao fim. Obra-prima.
Guilherme Martins
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