TAKASHI MIIKE
 

Para falar sobre Takashi Miike é preciso antes lembrar dois fatos que têm muito de pitoresco: a) ele não teve sequer um filme lançado no Brasil; b) com pouco mais de 10 anos de carreira, Miike já chegou à marca de 60 filmes dirigidos. A pergunta que a primeira informação suscita – para que escrever sobre um cineasta jamais exibido comercialmente no Brasil –, embora não seja respondida pela segunda – ter realizado 60 filmes não torna, por si, a obra de ninguém digna de discussão –, pode encontrar aí uma pista. Pois, como é possível fazer uma média de cinco filmes por ano? Isso é, no mínimo, curioso. E sim, Takashi Miike é, hoje, um dos mais curiosos/interessantes cineastas em atividade, o que justifica o fato de ser também um dos mais discutidos; um de seus últimos trabalhos, Gozu, passou na Quinza dos Realizadores em Cannes em 2003 e, mais uma vez, um filme de Miike causou forte impressão. Gozu foi feito em vídeo, uma constante na obra do diretor, e depois teve seu lançamento em cinema: foi assim também com Fudoh, em 1996, o breakthrough de Miike. Mas seu traço principal, o motivo central por que se fala tanto dele não é, absolutamente, o meio que utiliza – não é nenhuma preferência sua o vídeo, apenas mais uma maneira de trabalhar – e sim a forma: fazendo, em sua grande maioria, filmes yakuza, o diretor é conhecido pela extravagância de sua obra, repleta de violência, barulhenta, sanguinolenta, estranha, esquizofrênica até.

A sinopse de seu último trabalho terminado, mas ainda não lançado, Izô: Kaosu mataha fujôri no kijin, pode exemplificar isso: "Em 1865, Izo, um assassino a serviço do Imperador, é capturado e crucificado pelos homens do Xogum a quem perseguia. Sua raiva é tamanha que, em vez de morto, é trazido para a Tóquio dos dias do hoje, onde se vingará dos descendentes daqueles que tentaram matá-lo". Até aí, mesmo que a viagem no tempo seja um pouco, ahn, despropositada, não temos nada que seja tão terrível quanto o que foi anunciado algumas linhas atrás. Continuemos, portanto: "o deslocamento temporal sofrido por Izo provoca a ira dos ‘senhores do universo’, que resolvem declarar guerra a ele" Segue-se daí que Izo, depois de estuprar a 'mãe-Terra', chega ao clímax do filme, onde se bate com guerreiros de todos os tempos (?), desde samurais até yakuzas". A briga tem sido chamada de "a mais violenta e sangrenta seqüência de luta de espada já filmada." Quando aí se diz "sangrenta", o melhor a fazer é acreditar. Miike é o mesmo homem que filmou seqüências como uma mulher parindo um adulto, mamilos sendo arrancados com lâminas, agulhas sendo enfiadas nos olhos de um homem paralisado; dizer tudo isso ainda é pouco. É preciso ver seus filmes, é preciso assistí-los para compreender o tudo ao mesmo tempo de violência e histeria que há neles. É preciso senti-los, vivê-los, pois o ponto nevrálgico da obra de Miike está aí: nos climas e ritmos que é capaz de criar, nas sensações-limite a que leva o espectador.

Audition (2000) abre com um garotinho de uns 8 anos indo visitar a mãe em um hospital; chegando lá, ao perceber que ela morreu, ele só abaixa a cabeça. A seqüência inteira é prenúncio de um filme sobre relações familiares, relacionamentos; mas o que Miike vai fazendo a partir daí é lentamente deteriorar o que construíra até então, passando por um híbrido de comédia romântica/horror e finalmente alcançando a pura psicopatia. Um senhor de meia idade – o viúvo da mulher morta no começo – resolve procurar uma nova esposa de uma maneira inusitada: colocando um anúncio para teste de elenco de um falso filme, os requisitos para a atriz principal sendo os requisitos da mulher ideal. Muitas entrevistas e piadinhas depois, ele encontra uma moça interessante mas que acaba se revelando um tanto desequilibrada emocionalmente, digamos. A mestria com que Miike leva o filme de um pólo a outro, fazendo com que se acredite perfeitamente possível que as duas realidades – a da louca e a burguesa – coexistam, ou ainda, tornando as duas em uma só é uma das grandes qualidades desse filme. Audition funciona num crescendo de terror e suspense que culmina em uma cena de sadismo, de crueldade impressionante como poucas. Ichi the Killer (2001), sobre um supernerd que assassina as pessoas porque hipnotizado, também está repleto de sadomasoquismo e cenas grotescas provenientes dessa prática; mas longe de assustar, o filme está mais para uma sinfonia da violência, do exagero-limite – o que se pode dizer, está muito mais próximo do que costuma ser o estilo habitual do diretor; Fudoh, Full Metal Yakuza (1997), Dead or Alive 1 (1999), 2 (2000) e 3 (2002), Agitator (2001)e e Graveyard of Honor (2002), entre (muitos) outros, encontram-se todos nesse terreno. Mas, mesmo quando não há litros de sangue jorrando é certo que se vai encontrar situações extremas, que beiram ou são ridículas de propósito: é assim com Happiness of the Katakuris (2001) ou The Bird People in China (1998), por exemplo. O primeiro é um musical sobre uma família em cuja casa todos que entram acabam por cometer suicídio e o segundo, uma quase-lição-de-vida-não-fosse-um-filme-de-Miike sobre um homem que vai atrás de um tesouro no interior da China e acaba encontrando uma tribo de homens voadores que, se num primeiro momento parecem destoar do que o diretor costuma fazer, num segundo apenas confirmam o estilo dele. São filmes afins no sentido mesmo em que toda a produção de Miike se baseia na exploração do exagero, do mau-gosto, da absurdidade.

O seu ritmo de trabalho, frenético, só confirma o que se vê como resultado: filmes urgentes, apressados, feitos com paixão e pertencentes ao gênero do excesso. Takashi Miike é dono de um cinema de exuberância e brutalidade, um cinema a se experimentar.

Juliana Fausto

 

 




The Happiness Of The Katakuris de Takashi Miike