O bom momento de Pelé Eterno,
o que fica na cabeça depois da sessão,
é aquele em que os participantes de uma partida
entre Santos e Juventus descrevem com suas memórias
e palavras o gol mais bonito de Pelé. Esse gol,
sem registro de qualquer espécie, é considerado
uma obra de arte sem igual não apenas por todos
os que o presenciaram, mas inclusive por seu autor,
o próprio Pelé. Usando uma edição
rápida, o filme vai pulando de um depoimento
para outro, cada jogador contando e gesticulando um
pedaço, tudo culminando no tal gol magnífico.
O trecho foi elaborado de forma a deixar bem à
mostra todo o entusiasmo dos entrevistados que, não
importando para qual equipe estivessem jogando, aplaudiam
cada um à sua maneira o grande feito do Rei do
Futebol. Três balões na área, passando
por dois zagueiros e um goleiro recriados com o uso
da informática para dar uma idéia do que
deve ter sido o gol de verdade. Exemplo do melhor tipo
de documentário, capaz de retrabalhar informações
e criar consenso sem imposições e que,
infelizmente, não encontramos em mais nenhuma
parte do filme.
O tom exageradamente elogioso presente em todos os momentos
de Pelé Eterno não é tão
problemático quanto a construção
e a estruturação do seu roteiro. Talvez,
apostando que o seu público seria composto por
tipos menos afeitos a uma linguagem mais elaborada,
ele opta por adotar uma narração absolutamente
explicativa, sobreposta e redundante às imagens:
um trabalho bem básico de comentário de
fotos históricas e passagens filmadas das atuações
de Pelé. Fazendo essa escolha, o filme fica parecendo
um dos quadros de vida selvagem dos programas do SBT,
com seu texto enfadonho e muitas vezes moralista. Para
que tratar o Pelé com tantos dedos se ele é
uma majestade? O filme de Massaini não sabe como
mostrar uma vida rica, repleta de agitações
típicas de um astro do futebol e acaba falando
de passagens importantes com excesso de cuidados. E
então, tudo, absolutamente tudo que o jogador
veio a fazer, dentro ou fora de campo, é mostrado
como uma coisa divina, inquestionável e digna
de apreciação incondicional. Se Pelé
compôs músicas duvidosas, se ele fez filmes
caça-níqueis, se ele vendeu sua imagem
para propagandas tudo não passa de mais um de
seus gols. Até o seu envolvimento com várias
mulheres (de maneira alguma condenável, sob o
ponto de vista de um tratamento moral) representa, segundo
Massaini, meros casos de "corações
conquistados". A única explicação
para tamanha falta de desenvoltura só pode ser
o medo que Massaini deve ter de Pelé.
O medo que o diretor tem do público já
aparece nas escolhas, à primeira vista sem muita
importância, mas com intenções muito
bem determinadas, de modificar o material de arquivo
de modo a torná-lo simpático para a audiência.
De acordo com Massaini essa audiência, adoradora
das imagens movimentadas e sonorizadas da televisão,
não aceitaria com muito boa-vontade um material
em preto e branco, sem som e em muitos casos composto
de fotos paradas. Então, querendo tornar tudo
mais atraente e mais próximo da verdade das "imagens
atuais", as imagens de Pelé Eterno
ganham um tratamento que as deturpam. São fotos
trabalhadas em computador, mosaicos de imagens montadas
com visível despretensão estética,
e trechos de filmagens antigas das torcidas que foram
sonorizados. Os documentos de época perdem esse
status, sendo manipulados como qualquer imagem de campeonato
brasileiro de hoje em dia. Depois disso, o que resta
para preservar?
Com esse filme Pelé perde o direito de pertencer
a uma época. O balé de bolas virtuais
da abertura do documentário e a música
marcial – nem um sambinha, um chorinho sequer – jogam
o glorioso Rei do Futebol em um limbo de memória
difícil de se relacionar de alguma maneira com
o que foi a vida do país quando ele ainda fazia
seus gols. Mas, fenômeno, vemos o filme muito
agradecidos. No meio de tanta lambança feita
pelo diretor, somos forçados a ficar grudados
na tela por causa de Pelé. Assim como os torcedores
adversários torciam por ele e vibravam com suas
jogadas arrasadoras, ficamos na sala de cinema admirados
com a genialidade do jogador, que de maneira alguma
está bem representada pelo filme. Pelé
vale pelo futebol que jogava. Um futebol grande demais
para ser compreendido por esse documentário de
Massaini.
João Mors Cabral
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