Menina que passou a vida toda estudando
em casa finalmente é matriculada em uma high
school e lá conhece a ferocidade e crueldade
típicas de adolescentes em grupo – essa é
uma maneira de explicarmos o que se passa em Meninas
Malvadas. Mesmo sendo verdadeira, a sinopse fica
muito aquém do que vemos na tela, já que
poderia ser apenas mais uma comédia adolescente
sobre a maldade dos cliqués e a importância
de se assumir como se realmente é. Mas o filme
vai muito mais longe em suas questões e é
uma crônica não apenas sobre um determinado
tipo de comportamento, mas também sobre um tipo
de cinema – o famoso cinema de escola secundária.
Tina Fey, a roteirista do filme, conhecida por ser feminista
e ter um senso de humor realmente ácido, é
hoje a redatora-chefe do humorístico Saturday
Night Live. Ela é a figura principal de Meninas
Malvadas e a verdadeira responsável por seus
maiores méritos. A direção de Mark
Waters não consegue se sobrepor em nenhum momento
à carga Saturday Night Live do filme,
que foi produzido por Lorne Michaels (criador do programa)
e conta, além de Fey, com a participação
de uma penca de ex e atuais integrantes do elenco do
humorístico.
Baseado – vagamente, segundo se diz - no livro Queen
Bees and Wannabes, de Rosalind Wiseman, Meninas
é um filme para garotas e sobre garotas, onde
só seu universo importa – e onde predomina o
discurso feminista de Fey. Nele, Cady (Lindsay Lohan),
a menina que nunca havia ido à escola, passou
a vida toda na África com os pais zoólogos.
Começar a ir à escola para ela, portanto,
representa também começar a conhecer o
universo social dos jovens - que, ela acaba descobrindo,
dividem-se em grupos com características bastante
definidas e, principalmente, dividem-se de acordo com
uma hierarquia bastante rígida. Há os
nerds, os estrangeiros, os negros, as gordas,
os artistas e, acima de todos, há as patricinhas
(no filme, plastics). As primeiras pessoas a
aceitarem Cady são uma dupla formada por uma
menina gótica e um gordo gay: outsiders
por excelência. Os dois explicam a ela como funcionam
os grupos e também como nenhum pode ser tão
detestável quanto o das patricinhas, em que se
fala mal de tudo e todos, há regras absurdas
e competitividade exagerada entre as próprias
integrantes. Porém a líder das patricinhas
resolve convidar justamente Cady a participar de sua
panelinha. Ela aceita, num primeiro momento determinada
a espionar as meninas de plástico para destruí-las
com a ajuda de seus amigos; logo, porém, fica
fascinada pelo mundo das queen bees e torna-se
uma delas. O que daí se segue é óbvio:
Cady conhece céu e inferno para no final descobrir
que o que vale é ser verdadeiro com os outros
etc., como já se viu em dezenas de outros filmes
desse gênero – e é possível mesmo
afirmar que são um gênero.
A diferença entre Meninas Malvadas e seus
quase similares - pois sim, há muita diferença
entre eles – reside fundamentalmente no seu exagero
e acidez - na "maldade" do título, talvez. Os
estereótipos que sempre circularam por filmes
de escola aqui ganham contornos grotescos que reforçam
o seu ridículo e o ridículo de se tratar
jovens a partir de estereótipos. Algumas das
melhores cenas do filme se passam na cabeça de
Cady, quando ela, ao observar seus amigos em grupo,
enxerga jovens encenando animais no cio ou brigando,
à la National Geographic. Outra
cena hilária se dá quando uma das professoras
resolve ajudar as garotas da escola a lidar com suas
raivas e ressentimentos e as faz subir em um palco,
pedir desculpas por algum erro cometido, e então
se jogar de costas de modo a serem seguradas por todas
as outras que estão embaixo: acontece que depois
de duas ou três meninas fazendo isso, em um momento
nonsense/cruel vemos uma outra em cadeiras de rodas
se jogando para ser aparada pelas amigas. Há
ainda o gordo gay cantando, no show de talentos,
uma famosa música de Christina Aguilera que diz
"eu sou bonita/não importa o que digam"
enquanto recebe bolas de papel no rosto e imediatamente
as lança de volta a quem as jogou. Ou ainda as
cenas finais, em que mesmo depois de ter "aprendido
e dado uma lição", transformando
a escola em um paraíso para todos os grupinhos,
ao ver meninas mais novas agindo como as patricinhas
de sua sala agiam, Cady deseja que morram.
A atitude dos adultos em relação aos adolescentes
é também ridicularizada ao extremo: um
dos professores, o de educação sexual,
prega a seus alunos: "não façam sexo
pois assim pegarão clamídia e morrerão".
A mãe de uma das meninas tenta desesperadamente
parecer jovem, agindo como palhaça. Os pais da
própria Cady não parecem muito certos
sobre como agir com ela. Em um momento, o pai diz da
mãe que ela tem medo da filha por não
saber/compreender o que a menina está se tornando.
Ainda que contenha um discurso feminista – mulheres
precisam aprender a se respeitar se querem ser respeitadas
socialmente (ou, como diz a própria Fey, no papel
de professora: "vocês devem parar de se insultar
pois é isso que permite que os homens as insultem
também") - e precise de uma "moral
da história", Meninas Malvadas é
dos filmes sobre jovens mais interessantes dos últimos
anos. Tanto não é condescendente com o
comportamento praticado nas escolas como se mostra tão
próximo e preocupado com aqueles que reproduzem
esse comportamento. E, no final da projeção,
depois de todas as maldades cometidas e sofridas pelas
adolescentes, depois de todas as situações
pelas quais Cady passa para chegar a conhecer uma high
school e o universo dos jovens, só cabe um
pensamento: mesmo ótima, não há
menina mais malvada que Tina Fey.
Juliana Fausto
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