Meninas Malvadas
Mark S. Waters, Mean girls, EUA, 2004

Menina que passou a vida toda estudando em casa finalmente é matriculada em uma high school e lá conhece a ferocidade e crueldade típicas de adolescentes em grupo – essa é uma maneira de explicarmos o que se passa em Meninas Malvadas. Mesmo sendo verdadeira, a sinopse fica muito aquém do que vemos na tela, já que poderia ser apenas mais uma comédia adolescente sobre a maldade dos cliqués e a importância de se assumir como se realmente é. Mas o filme vai muito mais longe em suas questões e é uma crônica não apenas sobre um determinado tipo de comportamento, mas também sobre um tipo de cinema – o famoso cinema de escola secundária.

Tina Fey, a roteirista do filme, conhecida por ser feminista e ter um senso de humor realmente ácido, é hoje a redatora-chefe do humorístico Saturday Night Live. Ela é a figura principal de Meninas Malvadas e a verdadeira responsável por seus maiores méritos. A direção de Mark Waters não consegue se sobrepor em nenhum momento à carga Saturday Night Live do filme, que foi produzido por Lorne Michaels (criador do programa) e conta, além de Fey, com a participação de uma penca de ex e atuais integrantes do elenco do humorístico.

Baseado – vagamente, segundo se diz - no livro Queen Bees and Wannabes, de Rosalind Wiseman, Meninas é um filme para garotas e sobre garotas, onde só seu universo importa – e onde predomina o discurso feminista de Fey. Nele, Cady (Lindsay Lohan), a menina que nunca havia ido à escola, passou a vida toda na África com os pais zoólogos. Começar a ir à escola para ela, portanto, representa também começar a conhecer o universo social dos jovens - que, ela acaba descobrindo, dividem-se em grupos com características bastante definidas e, principalmente, dividem-se de acordo com uma hierarquia bastante rígida. Há os nerds, os estrangeiros, os negros, as gordas, os artistas e, acima de todos, há as patricinhas (no filme, plastics). As primeiras pessoas a aceitarem Cady são uma dupla formada por uma menina gótica e um gordo gay: outsiders por excelência. Os dois explicam a ela como funcionam os grupos e também como nenhum pode ser tão detestável quanto o das patricinhas, em que se fala mal de tudo e todos, há regras absurdas e competitividade exagerada entre as próprias integrantes. Porém a líder das patricinhas resolve convidar justamente Cady a participar de sua panelinha. Ela aceita, num primeiro momento determinada a espionar as meninas de plástico para destruí-las com a ajuda de seus amigos; logo, porém, fica fascinada pelo mundo das queen bees e torna-se uma delas. O que daí se segue é óbvio: Cady conhece céu e inferno para no final descobrir que o que vale é ser verdadeiro com os outros etc., como já se viu em dezenas de outros filmes desse gênero – e é possível mesmo afirmar que são um gênero.

A diferença entre Meninas Malvadas e seus quase similares - pois sim, há muita diferença entre eles – reside fundamentalmente no seu exagero e acidez - na "maldade" do título, talvez. Os estereótipos que sempre circularam por filmes de escola aqui ganham contornos grotescos que reforçam o seu ridículo e o ridículo de se tratar jovens a partir de estereótipos. Algumas das melhores cenas do filme se passam na cabeça de Cady, quando ela, ao observar seus amigos em grupo, enxerga jovens encenando animais no cio ou brigando, à la National Geographic. Outra cena hilária se dá quando uma das professoras resolve ajudar as garotas da escola a lidar com suas raivas e ressentimentos e as faz subir em um palco, pedir desculpas por algum erro cometido, e então se jogar de costas de modo a serem seguradas por todas as outras que estão embaixo: acontece que depois de duas ou três meninas fazendo isso, em um momento nonsense/cruel vemos uma outra em cadeiras de rodas se jogando para ser aparada pelas amigas. Há ainda o gordo gay cantando, no show de talentos, uma famosa música de Christina Aguilera que diz "eu sou bonita/não importa o que digam" enquanto recebe bolas de papel no rosto e imediatamente as lança de volta a quem as jogou. Ou ainda as cenas finais, em que mesmo depois de ter "aprendido e dado uma lição", transformando a escola em um paraíso para todos os grupinhos, ao ver meninas mais novas agindo como as patricinhas de sua sala agiam, Cady deseja que morram.

A atitude dos adultos em relação aos adolescentes é também ridicularizada ao extremo: um dos professores, o de educação sexual, prega a seus alunos: "não façam sexo pois assim pegarão clamídia e morrerão". A mãe de uma das meninas tenta desesperadamente parecer jovem, agindo como palhaça. Os pais da própria Cady não parecem muito certos sobre como agir com ela. Em um momento, o pai diz da mãe que ela tem medo da filha por não saber/compreender o que a menina está se tornando.

Ainda que contenha um discurso feminista – mulheres precisam aprender a se respeitar se querem ser respeitadas socialmente (ou, como diz a própria Fey, no papel de professora: "vocês devem parar de se insultar pois é isso que permite que os homens as insultem também") - e precise de uma "moral da história", Meninas Malvadas é dos filmes sobre jovens mais interessantes dos últimos anos. Tanto não é condescendente com o comportamento praticado nas escolas como se mostra tão próximo e preocupado com aqueles que reproduzem esse comportamento. E, no final da projeção, depois de todas as maldades cometidas e sofridas pelas adolescentes, depois de todas as situações pelas quais Cady passa para chegar a conhecer uma high school e o universo dos jovens, só cabe um pensamento: mesmo ótima, não há menina mais malvada que Tina Fey.

Juliana Fausto