Desde o primeiro plano, no qual um
velho submete-se a um exame de vista, Histórias
Mínimas é cristalino. Como salienta
na segunda sequência, que emprega uma música
cativante para comentar sonoramente a imagem de uma
mulher caminhando por um ambiente bucólico, o
filme propõe a poesia da simplicidade. Simples
é a vida de seus três personagens centrais,
simples são as metas pelas quais lutam ao longo
do filme, simples é a forma de filmar do diretor
Carlos Sorin (revelado para a vitrine internacional
com La Película del Rei/1986, premiado
em Veneza, depois surrado por Eversmile New Jersey/1989,
após o qual foi fazer publicidade), são
os encantos contidos no filme, nos quais os diálogos
são bate papos pouco "funcionais", as ações
não conduzem a reviravoltas ou transformações,
os sentimentos não explodem em arroubos emocionais.
No entanto, é tão visível o esforço
em se buscar o lirismo nas pequenas coisas, tão
explícita a tentativa de encontrar a transcendência
nas pretensões mínimas, tão notório
a construção de um pacto de sensibilidade
com o espectador, que o simples torna-se grave de tão
reverenciado, como se escondesse algo além de
sua aparência, como se tivesse algo de revelador
a ser encontrado por nós, como se não
fosse tão simples assim. A utilização
de não atores, nesse sentido, é mais um
dispositivo para, buscando a autenticidade da "não
representação" (sic), encontrar "verdade
mais pura" (sic).
O trio de condutores da narrativa perseguem objetivos
diferentes e circunstanciais. Temos um velho à
procura de um cachorro perdido em uma cidade vizinha,
uma jovem calada com a esperança de ganhar um
multiprocessador em um programa de auditório
na TV e um vendedor bom de conversa que, para conquistar
uma cliente que só conheceremos no final, esforça-se
para deixar perfeito o bolo de aniversário do
filho dela, com o qual fará seu agrado-surpresa
- embora nem conheça o menino. Os dois personagens
masculinos são valorizados pelo maior tempo em
cena e pela melhor definição de suas motivações.
Ao longo do percurso deles, pontuado por paradas na
estrada de comunicação entre duas cidades,
em cujo ponto final estão seus objetivos (o cão,
para o velho; a cliente, para o vendedor), vemos apenas
gente simples, bondosa e solidária, que compõe
um universo de ternura, apesar da possível dificuldade
enfrentada por cada um no cotidiano - dificuldade essa
apenas sugeridas por suas condições de
vida, cuja maior característica é expressada
pelos olhares passivos para a TV. Nessa trajetória,
os ecos de Onde Fica a Casa de Meu Amigo, de
Abbas Kiarostami, e História Real, de
David Lynch, fazem-se notar, mas com efeitos distintos.
Haveria beleza mesmo neste filme, além das paisagens
obviamente pictóricas da Patagônia, exploradas
sem comedimento para nos encher a vista? Porque a beleza
em cinema é resultado de algumas operações,
sobre as quais não se tem controle absoluto,
mas tende a ser banalizada se perseguida de antemão
e com insistência - e esse parece ser o processo
a mover Histórias Mínimas. Temos
lá um punhado de seres quase tapados em sua simplicidade
e, em vez de sermos colocados em contato com o contexto
de suas vidas, de modo a entendê-los em suas circunstâncias,
somos induzidos a amá-los pela insignificância
deles, insignificância aparentemente imanente
em suas individualidades, operação essa
muito próxima daquela empregada para causar compaixão
e piedade, muito distante de uma visão política
e moral da formatação da sociedade e de
seus efeitos nos seres. Se alguma beleza sobrevive nessa
arquitetura, portanto, está na potência
e na resistência do vendedor, que, diante das
adversidades, clama pela criatividade como forma de
driblar limites. Não há jogo perdido com
o personagem e, nessa atitude, encontramos uma política
de vida no filme, certamente extendida à uma
política de país, a qual o diretor adere
e pela qual clama em sussuros.
Cléber Eduardo
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