Histórias Mínimas
Carlos Sorin, Historias minimas, Argentina/Espanha, 2002

Desde o primeiro plano, no qual um velho submete-se a um exame de vista, Histórias Mínimas é cristalino. Como salienta na segunda sequência, que emprega uma música cativante para comentar sonoramente a imagem de uma mulher caminhando por um ambiente bucólico, o filme propõe a poesia da simplicidade. Simples é a vida de seus três personagens centrais, simples são as metas pelas quais lutam ao longo do filme, simples é a forma de filmar do diretor Carlos Sorin (revelado para a vitrine internacional com La Película del Rei/1986, premiado em Veneza, depois surrado por Eversmile New Jersey/1989, após o qual foi fazer publicidade), são os encantos contidos no filme, nos quais os diálogos são bate papos pouco "funcionais", as ações não conduzem a reviravoltas ou transformações, os sentimentos não explodem em arroubos emocionais. No entanto, é tão visível o esforço em se buscar o lirismo nas pequenas coisas, tão explícita a tentativa de encontrar a transcendência nas pretensões mínimas, tão notório a construção de um pacto de sensibilidade com o espectador, que o simples torna-se grave de tão reverenciado, como se escondesse algo além de sua aparência, como se tivesse algo de revelador a ser encontrado por nós, como se não fosse tão simples assim. A utilização de não atores, nesse sentido, é mais um dispositivo para, buscando a autenticidade da "não representação" (sic), encontrar "verdade mais pura" (sic).

O trio de condutores da narrativa perseguem objetivos diferentes e circunstanciais. Temos um velho à procura de um cachorro perdido em uma cidade vizinha, uma jovem calada com a esperança de ganhar um multiprocessador em um programa de auditório na TV e um vendedor bom de conversa que, para conquistar uma cliente que só conheceremos no final, esforça-se para deixar perfeito o bolo de aniversário do filho dela, com o qual fará seu agrado-surpresa - embora nem conheça o menino. Os dois personagens masculinos são valorizados pelo maior tempo em cena e pela melhor definição de suas motivações. Ao longo do percurso deles, pontuado por paradas na estrada de comunicação entre duas cidades, em cujo ponto final estão seus objetivos (o cão, para o velho; a cliente, para o vendedor), vemos apenas gente simples, bondosa e solidária, que compõe um universo de ternura, apesar da possível dificuldade enfrentada por cada um no cotidiano - dificuldade essa apenas sugeridas por suas condições de vida, cuja maior característica é expressada pelos olhares passivos para a TV. Nessa trajetória, os ecos de Onde Fica a Casa de Meu Amigo, de Abbas Kiarostami, e História Real, de David Lynch, fazem-se notar, mas com efeitos distintos.

Haveria beleza mesmo neste filme, além das paisagens obviamente pictóricas da Patagônia, exploradas sem comedimento para nos encher a vista? Porque a beleza em cinema é resultado de algumas operações, sobre as quais não se tem controle absoluto, mas tende a ser banalizada se perseguida de antemão e com insistência - e esse parece ser o processo a mover Histórias Mínimas. Temos lá um punhado de seres quase tapados em sua simplicidade e, em vez de sermos colocados em contato com o contexto de suas vidas, de modo a entendê-los em suas circunstâncias, somos induzidos a amá-los pela insignificância deles, insignificância aparentemente imanente em suas individualidades, operação essa muito próxima daquela empregada para causar compaixão e piedade, muito distante de uma visão política e moral da formatação da sociedade e de seus efeitos nos seres. Se alguma beleza sobrevive nessa arquitetura, portanto, está na potência e na resistência do vendedor, que, diante das adversidades, clama pela criatividade como forma de driblar limites. Não há jogo perdido com o personagem e, nessa atitude, encontramos uma política de vida no filme, certamente extendida à uma política de país, a qual o diretor adere e pela qual clama em sussuros.

Cléber Eduardo