Conheci Rogério em meio
aos dez anos de espera entre o momento em que o material
filmado de It's All True foi encontrado na Paramount
e o início da produção de It’s
All True: Based on an Unfinished Film by Orson Welles.
Em meio a esta longa espera, eu perdi Dick Wilson, meu
parceiro, mas ganhei dois amigos através dele:
Catherine Benamou, pesquisadora americana, e Rogério
– ambos tão obcecados quanto eu com relação
a It's All True.
Naquele tempo, Rogério e eu tivemos muitas discussões
em um truncado francês (língua que tentávamos
usar para nos comunicarmos), e eu fui gradualmente vendo
seus filmes: Nem Tudo é Verdade, Isto
é Noel Rosa e O Bandido da Luz Vermelha
no início, e depois que havíamos feito
nosso filme, seu extraordinário ensaio A Linguagem
de Orson Welles; anos depois, a conclusão
da sua trilogia "It's all True", Tudo é Brasil.
Ao ver seu trabalho, pude compreender tudo que não
conseguíamos dividir pelas dificuldades com a
língua, até o mágico dia durante
a filmagem da parte documental de It’s All True:
Based on an Unfinished Film, no Copacabana Palace.
Nosso técnico de som (Jean-Pierre Duret) e eu
havíamos criado um mecanismo, baseado em algo
que eu tinha lido que Godard teria usado em Duas
ou Três Coisas que Eu Sei Dela, para me permitir
falar diretamente com meus entrevistados no Brasil –
especialmente em Fortaleza –, adaptando-me ao sotaque
e dialeto locais. Ao meu lado, um tradutor passava minha
pergunta para os entrevistados, e ao mesmo tempo o microfone
de Jean-Pierre transmitia a pergunta e a resposta para
Catherine, que fora do alcance dos microfones traduzia
simultaneamente a resposta num rádio transmissor
que eu conseguia ouvir usando fones.
Ao final de nosso dia de filmagem em Copacabana, chegou
a hora de entrevistar Rogério, que estava me
acompanhando desde nossa chegada ao Rio, me mostrando
coisas a serem filmada e explicando tudo, na melhor
das suas possibilidades em francês. De repente,
assim que Gary Graver começou a filmar, eu me
vi tendo uma conversa com o brilhante homem que havia
feito aqueles filmes maravilhosos. Falando num português
rapidíssimo, que Catherina habilmente conseguia
traduzir para mim, ele me falou em 30 minutos as coisas
mais importantes que ele queria que eu soubesse sobre
nosso projeto mútuo de resgatar o filme de Welles
da infâmia e do esquecimento. Uma das coisas com
que fiquei surpreso de saber foi que Rogério
e Grande Otelo, frustrados com as dificuldades que seus
próprios esforços encontravam, haviam
feito um trabalho com um pajé índio em
Itacuruçá, em fevereiro de 1982, para
tentar desfazer a maldição que parecia
existir sobre o filme de Welles. Um mês depois
eu encontraria os negativos na Paramount. Mas, ele também
me contou muitas outras coisas...
Eu sei que você está em algum tipo de Paraíso,
meu amigo, mas para mim aqueles trinta minutos já
foram um gostinho do que o Paraíso deve ser,
quando todas as barreiras culturais que nos separavam
por mais de dez anos foram derrubadas e eu finalmente
pude me comunicar diretamente com um dos melhores e
mais talentosos homens que já conheci.
Bill Krohn
(tradução de Eduardo Valente)
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