A PORNOGRÁFICA OU
OS PORNOGRÁFICOS DO MUNDO INTEIRO

(ou Golpe do Baú)

A exibicionista. Vigarista. Ladra profissional, hipnotizadora, cinetista louca, socióloga, stripper internacional.

1 - int dia casa japonesa
– número musical –
plano fixo som direto, grande close up de H. vestida com enorme chapéu de palha oriental, rosto pintado, roupa de gueisha. Ao fundo telão do Monte Fuji, locomovendo-se lentamente. Luz incide no telão, variando. Um vidro entre a câmera e H., que limpa boca de açúcar; vidro em frente. Silêncio. Vidro quebra. Ela fala bruscamente:
Helena (Madame Zero) – Estou até aqui do Oriente (faz sinal na testa), quero cair fora de Hong Kong (gritinho; mão introduz galinha no quadro – ela a corta com faca. sangue cai na cara e na coxa, que está pintada com letras e desenhos, nua). Chega de misticismo oriental, prefiro ser freira no Paraguai, ladrona em Belém do Pará, traidora no Oiapoque, escrota no Chuí. A única maneira de me salvar (ininterruptamente, e acumulativamente, neuroticamente seguida) e como me salvar os outros? eu rezo! enfim tirar o pé da lama internacional indo atrás do misticismo oriental e da aventura, se eu penso muito em mim é porque eu quero mostrar pra mim mesma que eu não sou nada, sou uma limitada, uma coitada, queria partir de mim, Madame Zero, pessoinha e detalhe sexual subdesenvolvido (rosna, late) (berrando) sei que sou uma coitada lúcida! se eu sei então consigo ser uma santa! (vira-se de costas para a câmera – quebra coisas e fala de costas – cena ainda fixa, telão ao fundo mexe, luz no telão) Ontem deixei de gostar de mim... não tenho medo da morte... tenho medo de mim, é o que me salva, eu me adoro! o terror dentro da minha cuca, aqui em Hong Kong sempre preferi a maldade e a traição... a trama é essa: simplesmente mudar a face da terra (pan pelo seu corpo seminu tatuado e com letras. Corpo, abaixo da cabeça, anda pelo quarto quebrando objetos)
Helena Zero – Antes de meter uma bala na cabeça no Carnaval em Caxias, não sei; onde é que vamos parar com isso? onde é que esse copo (olha como de uísque na mão) e esse meu corpo vão me levar?
Preferi a convulsão da. Gostaria de prep. Que. Escolh.O.Ant.Terror.É.Sensato... onde é que esse corpo vai me levar, senhoras e senhores" a provocação é a última literatura do século vinte... estou com tudo, a saída nas mãos e o que é que faço? agora, nesse momento, estou vendo diretamente as coisas como elas são para mim. Sei bem o que eu sou, ainda bem (berrando) Tudo legal, macacada! Agora.É.A.Vez.Da.América. O conteúdo é a forma está na cara! Não há conteúdo possível nesta situação, meados do século vinte... o conteúdo é este, deixar cair! com a mão na massa! Vai que é mole! sai de baixo! é de chuá! metido a bacana! alô alô Brasil! Atenção que minha sogra é da polícia! tudo é possível! ah, onde é que esse corpo vai me levar? (gritos e berros deselegantes, atonais, animais)
(enquanto sai este monólogo ininterrupto, planos dela, telão, planos de Chinatown e bairro japonês, cortados com tipo deitado na cama, parado por algum tempo; outro – também tatuado no corpo e um terceiro que todos a abraçam etc. etc.) Cada vez mais mística e furiosa, com essa necessidade besta de tirar a roupa, me exibir por nada (vai tirando – grande close-up dela – a roupa) (no fim da seq. tipo acorda e a beija)
Helena – Hong Kong não é como vocês pensam. É o fim, o lixo! (refere-se como se fosse o Brasil de "O Picareta") queria entrar numa aventura lá dentro do continente. me interessa o mundo. (começa a cantar desafinada, berrando como um bicho sufocado com uma espinha na garganta).

2 ext dia bairro oriental
diálogo morre em cima de Close japonês dirigindo carro de óculos escuros. Close dela, saindo do carro exatamente no início da cena. Parada numa esquina. plano fixo.
Pan de carro que passa e pára. Carro 1 segue carro 2. Morumbi. Bairro japonês. Gângster de carro 1 enfia faca ou navalha no seu próprio corpo, dirigindo. No final tira máquina de fotografia de dentro do porta luvas (corte no detalhe)

3 int noite apto
Música forte. Cinema japonês. Dança em cima duma cama. Japonês a vê, tira paletó. Ela dança.
Câmera dentro do guarda roupa ou banheiro, com Gângster 1 em primeiro plano preparando câmera e flash.
Fotografa-os. Chantagem. Planos oblíquos japonesados (Yoshida) do casal trepando. Quando trepa o japonês trouxa fala verdades essenciais, como em Sou pago para Matar
– Eu sou o Japonês Trouxa do Oriente, e você? qual é teu jogo, gueisha?
Ela murmura – Não sou gueisha. Sou mineira.
Japonês – O japonês trouxa só fala verdades essenciais quando tem uma mulher na mão, assim... (fala em língua pseudo-oriental) (tom de chanchada exótica) (poderá ser um cômico de teatro de revistas)
(corte com planos-flash exteroires de Chinatown e Liberdade)
Chantagista fotografa-os
fim do amor
[aquele era um dia normal na vida de senhorita Ângela, bêbada, secretária, falida]

4 ext dia
prédio oriental, fachada: 3 ou 4 planos rápidos

5 int dia escritório
close do japonês trouxa, dono das indústrias, que abre carta; detalhe de carta em japonês, ameaçando pagar senão saem fotos nos jornais e ele perderá as eleições para presidente do Japão.
(subtítulo explica isso)

6 ext dia depósito de lixo
PAN demagógica pelo lixo, japa trouxa anda apavorado. encontra japonês; dinheiro é entregue.
1. detalhe da transação. eles falam mas a cena é muda. coberta por cantora sexagenária em cima do lixo (ou gravação oriental)
quando os dois saem, off, metralhadora: caem os dois no lixo.
detalhe de metralhadora no meio de ciprestes. quando os dois saem, sai Helena que apanha o dinheiro da chantagem, revista corpos, cantarola; roupa, máquina fotográfica, dinheiro, carteira, alguns trocados deles, tudo dentro da mala de onde tirara metralhadora, rouba roupa, deixando os dois nus no lixo, abre carteira e encontra fotos de família e uma passagem (detalhe) [ou entra no aeroporto, segura na roda do avião. Avião levantando vôo]
pan 180º pelo lixo
fim do rolo 1

Rogério Sganzerla