O homossexual afeminado e caricato
sempre foi uma figura bastante recorrente em comédias
de alcance popular, como as pornochanchadas brasileiras
dos anos 70. Não se discute que sempre foram
vistos e retratados por uma ótica preconceituosa,
mas não se deve deixar de considerar que é
uma característica essencial do cômico
que muitas vezes este seja construído sobre estereótipos
e pré-conceitos. É tudo uma questão
de, como disse Henri Bergson em seu ensaio sobre o riso,
"anestesiar as emoções" e achar
graça. Mas foi da França que veio a mais
notória – e também a mais engraçada
– das "comédias de bicha", A Gaiola
das Loucas de Edouard Molinaro (1979), que, apesar
de uma visão simpática a seus protagonistas,
ignorava qualquer possível sombra de correção
política, com uma escrachada e bem amarrada trama
de equívocos oriundos do choque entre personagens
que não partilhavam os mesmos códigos.
Eis que, 24 anos depois, surge na França este
Xuxu, uma nova comédia sobre um protagonista
homossexual. E os primeiros minutos, com o personagem
título se apresentando como refugiado chileno
ou e entrando na igreja durante uma missa sem saber
como se conduzir, deixam a impressão que o filme
irá seguir uma trilha de mal-entendidos herdada
de A Gaiola das Loucas. Impressão esta
que logo se esvai, pois, a partir do momento em que
se instala na igreja, Xuxu (Gad Elmaleh) parece não
enfrentar qualquer obstáculo a assumir de forma
digna suas opções pessoais e sexuais.
Quase todos o compreendem e o encaram com naturalidade
e sem repressões, o que parece uma incoerência
numa França provinciana (o filme se passa num
subúrbio de Paris), ignorando o fenômeno
de uma ascendente onda de um discurso preconceituoso
de direita, com o qual sem dúvida Xuxu – além
de travesti, imigrante argelino – deveria em algum momento
se confrontar.
Não obstante a quase inépcia do diretor
Merzak Allouache para com o artesanato cinematográfico
– construção de planos e seqüências,
montagem, etc. – isto poderia ser compensado por um
bom roteiro, que envolvesse a personagem em situações
de alguma comicidade. Só que o roteiro de Xuxu,
escrito por Allouache e Elmaleh, é marcado por
uma total ausência de conflitos. O protagonista
consegue, com absurda facilidade, arrumar trabalho,
se enturmar no mundo gay de Paris, encontrar o sobrinho
que não via há anos ou viver um grande
amor, sendo aceito sem problemas pela família
do rapaz. Seu único oponente, um policial, é
apresentado como um doente mental e o embate entre os
dois se resolve num piscar de olhos. Para piorar, os
únicos momentos nos quais Xuxu pretende
enveredar por um humor mais descarado, com o padre que
tem visões eróticas com a vírgem
Maria, se mostram no mínimo grotescos.
Por tudo isso, custa-me acreditar que alguém
possa se divertir com este paradoxo que é uma
"comédia de bicha" politicamente correta
e absolutamente sem graça. Só que esta
tese cai por terra quando temos a informação
que Xuxu foi uma das maiores bilheterias domésticas
do cinema francês no ano passado. Explica-se:
Gad Elmaleh é figurinha fácil em clubes
de comédia e na televisão francesa e a
personagem Xuxu seu principal cavalo de batalha. Ou
seja: o público comparece em massa aos cinemas
para ver aquilo que já conhece da TV, razões
as mesmas que levaram ao êxito popular de, por
exemplo, Os Normais – o Filme aqui no Brasil.
Isso explica, porém não justifica.
Gilberto Silva Jr.
|