Na primeira seqüência
de Valentin vemos a geografia do local principal
onde se desenrolará a ação, a casa
do personagem protagonista, enquanto ouvimos em off
a sua voz infantil que nos carrega para o seu mundo.
Ao compartilharmos o olhar e a experiência do
pequeno narrador, em poucos minutos já sabemos
todas as informações necessárias
e todos os ingredientes que a narrativa utilizará.
A matéria-prima do gênero a que a obra
se filia, e que Agresti sabe manejar com notável
habilidade, é a força dramática
que emana dos conflitos dos relacionamentos humanos.
Temos um eixo principal - a relação do
garoto com a avó- que possui a função
de contraponto com os demais relacionamentos efetivados
pelo personagem. E é por meio desse eixo que
Valentin captará pelos seus ouvidos de criança
os rumores da separação de seus pais e
do sumiço de sua mãe. As informações
das histórias protagonizadas pelos adultos são
anexadas na mente de Valentín como peças
de um quebra-cabeça que nunca se encaixa. Nós
espectadores, como ele, não sabemos identificar
ao certo o que realmente aconteceu com os seus pais.
O menino, então, tenta juntar essas peças
ao seu modo, procurando exercer um papel ativo no mundo
dos adultos. Sabendo que a avó estava doente
e que nada no mundo a obrigaria a fazer uma visita ao
hospital, o personagem encontra uma maneira eficiente
e astuta de solucionar o problema. A sua percepção
e sensibilidade para identificar o que está acontecendo
em sua vida, e na vida das pessoas que estão
a sua volta, e procurar uma maneira de tentar melhorá-las
é um sinal de precoce maturidade raramente encontrada
em crianças de sua idade. A maneira como Valentín
reage perante a adversidade - o seu problema visual,
a ausência da mãe, o humor de seu pai,
a doença da avó -, não abandonando
nunca o sonho e seu desejo de transcendência (reiterado
pela metáfora óbvia de sua aspiração
em ser um astronauta), mesclado com o enorme carisma
do ator-mirim Rodrigo Noya, automaticamente faz nascer
um inevitável sentimento de cumplicidade. Ferramenta
indispensável ao melodrama, o aparecimento da
cumplicidade espectador-obra está intimamente
conectado ao resultado alcançado na direção
de atores, quesito indiscutivelmente preenchido pela
dupla formada por Noya e Carmem Maura, no papel da avó.
Na produção contemporânea está
cada vez mais raro encontrar um realizador que saiba
dialogar com esse gênero muitas vezes maldito,
essencialmente universal (mas que no cinema da América-Latina
ganhou cores especiais) e que o adapte aos códigos
culturais de nossos dias sem perder o tom. Em uma cena
ambientada no colégio um colega perguntou a Valentín
qual seria o tema ideal para uma redação,
ele então reponde como se essa indagação
fosse a mais óbvia das perguntas e diz: "ora
bolas escreva sobre a sua mãe, sobre o seu pai,
sobre a sua irmãzinha". Valentin
reafirma que o melodrama sempre será valido como
gênero, e existirá enquanto houver o Homem
e sua interação afetiva com os demais.
Estevão Garcia
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