Valentin
Alejandro Agresti, Valentin, Argentina, 2004

Na primeira seqüência de Valentin vemos a geografia do local principal onde se desenrolará a ação, a casa do personagem protagonista, enquanto ouvimos em off a sua voz infantil que nos carrega para o seu mundo. Ao compartilharmos o olhar e a experiência do pequeno narrador, em poucos minutos já sabemos todas as informações necessárias e todos os ingredientes que a narrativa utilizará. A matéria-prima do gênero a que a obra se filia, e que Agresti sabe manejar com notável habilidade, é a força dramática que emana dos conflitos dos relacionamentos humanos. Temos um eixo principal - a relação do garoto com a avó- que possui a função de contraponto com os demais relacionamentos efetivados pelo personagem. E é por meio desse eixo que Valentin captará pelos seus ouvidos de criança os rumores da separação de seus pais e do sumiço de sua mãe. As informações das histórias protagonizadas pelos adultos são anexadas na mente de Valentín como peças de um quebra-cabeça que nunca se encaixa. Nós espectadores, como ele, não sabemos identificar ao certo o que realmente aconteceu com os seus pais.

O menino, então, tenta juntar essas peças ao seu modo, procurando exercer um papel ativo no mundo dos adultos. Sabendo que a avó estava doente e que nada no mundo a obrigaria a fazer uma visita ao hospital, o personagem encontra uma maneira eficiente e astuta de solucionar o problema. A sua percepção e sensibilidade para identificar o que está acontecendo em sua vida, e na vida das pessoas que estão a sua volta, e procurar uma maneira de tentar melhorá-las é um sinal de precoce maturidade raramente encontrada em crianças de sua idade. A maneira como Valentín reage perante a adversidade - o seu problema visual, a ausência da mãe, o humor de seu pai, a doença da avó -, não abandonando nunca o sonho e seu desejo de transcendência (reiterado pela metáfora óbvia de sua aspiração em ser um astronauta), mesclado com o enorme carisma do ator-mirim Rodrigo Noya, automaticamente faz nascer um inevitável sentimento de cumplicidade. Ferramenta indispensável ao melodrama, o aparecimento da cumplicidade espectador-obra está intimamente conectado ao resultado alcançado na direção de atores, quesito indiscutivelmente preenchido pela dupla formada por Noya e Carmem Maura, no papel da avó.

Na produção contemporânea está cada vez mais raro encontrar um realizador que saiba dialogar com esse gênero muitas vezes maldito, essencialmente universal (mas que no cinema da América-Latina ganhou cores especiais) e que o adapte aos códigos culturais de nossos dias sem perder o tom. Em uma cena ambientada no colégio um colega perguntou a Valentín qual seria o tema ideal para uma redação, ele então reponde como se essa indagação fosse a mais óbvia das perguntas e diz: "ora bolas escreva sobre a sua mãe, sobre o seu pai, sobre a sua irmãzinha". Valentin reafirma que o melodrama sempre será valido como gênero, e existirá enquanto houver o Homem e sua interação afetiva com os demais.

Estevão Garcia