Uma boa notícia para os cinéfilos:
depois de passar dias e dias decorando nomes de importantes
e novos diretores como Apichatpong Weerasethakul (obrigatório)
e Aktan Abdykalykov (nem tanto), não existe a
menor necessidade de manter no horizonte ou na ponta
da língua o nome de Andrey Zvyagintsev. As credenciais,
no entanto, nos fariam crer o contrário: vencedor
do Leão de Ouro em Veneza 2003, discípulo
de Aleksandr Sokúrov... Não há
nada em O Retorno, contudo, seja em estilo seja
em temática ou qualquer outra preocupação,
que mereça fazer seu realizador distanciar-se
da massa amorfa de anônimos realizadores que assomam
anualmente nos festivais.
Comecemos do começo, a cena traumática:
Ivan, caçula de uma família de dois, não
consegue mergulhar do alto de uma torre de observação,
ao contrário de todos os seus amigos e de seu
irmão. Fica lá em cima até a noite:
não consegue mergulhar, mas se descer pelas escadas
será para sempre considerado um frangote covarde.
Claro fica desde o início que toda a narrativa
existirá com a única função
de fazer nosso infante problemático retornar
ao momento traumático e superar seu problema.
O ponto estranho do filme é que o desencadeador
desse processo será nada mais nada menos do que
o pai dos meninos, que depois de 12 anos volta para
casa e decide levar os filhos numa viagem, para pescar.
A partir daí, o filme desenvolve a já
batida (e sem nenhuma graça especial aqui) fórmula
de estranhos que não se bicam. O pai tenta passar
lições de vida aos filhos, que as repugnam;
os filhos começam a fazer birra contra as atitudes
violentas ou pouco pacientes do pai. Segue uma série
de episódios previsíveis e sem brilho
especial (nada há no andamento do filme ou nas
preocupações estilísticas do filme
que lembre o cuidado com os detalhes, com o ambiente
ou com os prosaicos instantes do cotidiano: narrativa
über alles): a uma malcriação
de Ivan, o pai pede para Ivan sair do carro e ficar
sozinho na estrada; antes, em outra ocasião,
Ivan recusa-se a comer a sopa dizendo que perdeu o apetite.
Mais tarde, Ivan diz estar com fome e o pai diz que,
como ele mesmo não está, o filho teria
que esperar até a janta.
Se o final do filme ao menos não realiza uma
medonha reconciliação final que, em todo
caso, parece prometer ao longo de sua duração,
O Retorno nem por isso pode ser encarado como
uma contribuição aos filmes de relação
pai-filho atribulada, resolvida (ou não) numa
viagem. Ficção reacionária por
excelência – o filho precisa de uma nova aparição
do pai para livrar-se de suas frustrações
profundas –, essa primeira obra de Zvyagintsev não
nos faz esperar pelas próximas de seu realizador.
Ruy Gardnier
|