Há uma tendência,
em certos programas, de se buscar a imagem mais bizarra
possível. Confesso que não consigo ter
muita idéia do que se pretende com esses "shows
de horrores". A única certeza é a busca
pela audiência; e parece que vem dando resultado.
Já há algumas semanas, Otávio Mesquita,
no A Noite É Uma Criança, vem narrando
o esforço de seu cão em ter filhotes;
e recentemente a coisa chegou num ponto inimaginável.
Tudo começou tranqüilamente, com ele falando
que a cadela estava grávida, que seu cão
iria ser papai, mostrando ultra-som etc; até
aí apenas uma estranheza do porquê daquilo...só
que a mente de Mesquita conseguiu ter a idéia
de começar a mostrar-nos flash-backs de toda
a cópula e inseminação artificial.
Começou com o cão de Mesquita montando
na cadela, logo vieram closes nas genitais durante o
ato, Mesquita ajudando seu cão a fazer tudo certinho,
close no pênis ereto, do cachorro, ejaculando,
close na pipeta sendo introduzida no ânus da cadela.
E junto com tudo isso, Mesquita vibrando com cada ação,
gritando coisas como "descabelou o palhaço" e,
chegando ao cúmulo de pedir pra introduzir a
pipeta na cadela e fazer isso dando tapas nela e chamando-na
de "cachorra!".
Parece que Mesquita continua querendo gritar aos quatro
cantos do mundo que é moderno, liberal, brincalhão,
descolado etc. E ele acha que vai provar que é
tudo isso fazendo coisas como close do pênis de
seu cachorro. É a mesma coisa que ele faz com
outro foco adorado por ele: travestis. Ele sempre faz
questão de ir atrás, passar a mão,
fazer piadinhas com travestis que ele acha na rua, fazendo
tudo parecer da forma mais bizarra e anormal possível,
mostrando como ele tem desprezo por aquelas pessoas
(ou, no caso da cópula, animais)que ele finge
adorar.
No programa Falando Francamente, com Sônia
Abrão, existe um quadro com uma fada-madrinha.
Antes de tudo vemos clipes de três crianças,
mostrando como elas sofrem por não poderem ter
um desejo realizado; logo vemos as três crianças
no palco contando seus desejos (na grande parte das
vezes brinquedos como boneca, carrinho de controle remoto,
autorama). Aí entra uma mulher vestida com uma
fantasia, um tanto quanto sensual, de fada-madrinha
que vai poder (ou não) realizar os desejos das
crianças. Fica claro o desconforto das crianças
de estarem ali, com essa "fada-madrinha" balançando
uma varinha em suas cabeças (em um programa uma
menina estava desesperada, pedindo a cada minuto que
a "fada" não apontasse a varinha pra ela"; em
outro um menino caía em prantos). E depois de
tudo isso, as três crianças podem ter seu
desejos realizadas, assim como podem sair as três
de mãos vazias.
Parece-me que a questão problemática aí
são as crianças. Porque fazer um quadro
com uma fada-madrinha (seja com fantasia sensual ou
não), a princípio, não tem problema
algum. Vira problema quando pra isso usa-se a ingenuidade
e o desejo daquelas crianças (ou adultos); é
uma manipulação asquerosa e covarde.
* * *
Uma presença marcante desses últimos dias
na tevê foi Monique Evans. Ela protagonizou algo
que eu não lembro de ter visto em tevê:
alguém renegando totalmente sua obra (seu programa).
O Noite Afora, apresentado por Evans, saiu do
ar recentemente e ela rodou vários programas
em várias emissoras falando sobre ele e sobre
planos futuros. O que impressionou foi como, com palavras,
ela tentou destruir todas as qualidades que construiu
em seu programa; toda a leveza quando o assunto era
sexo (e olha que era sempre), a capacidade de conversar
com os convidados sobre assuntos tabu pra eles, o ritmo
esquizofrênico, tudo foi renegado por sua autora.
Evans mostrou uma total repugnância pelo assunto
sexo, colocando um peso enorme nas palavras; dizendo
que garotas iam a seu programa e davam telefone, e que
ela "não queria vender prostituição",
que "sexo não é importante", "eu orei
pra parar de falar palavrão". Chegando a dizer
que acabou com o programa porque "Jesus não faria
aquele programa", além de afirma que o seu Noite
Afora levava pessoas pra igreja; e quando questionada
sobre a atuação gay no programa, ela respondeu
que era muito bom pra eles irem pra igreja e lá
mudar.
No carnaval Mesquita e Evans foram total opostos: ele
vendendo tudo como uma grande "bizarrice" e ela se inserindo
totalmente no ambiente. Agora Mesquita continua o mesmo
e Evans, infelizmente, parece que está seguindo
a cartilha dele. Uma pena que o único programa
que não tinha tabus com sexo e sexualidade tenha
acabado por total repúdio de sua apresentadora
por esses assuntos.
Francisco Guarnieri
Textos
da semanas anteriores:
Pânico
(por Felipe Bragança)
Notas,
notas, notas (por Francisco Guarnieri)
Da
TV e dos corpos humanos, parte 2 (por Felipe Bragança)
Da
TV e dos corpos humanos, parte 1 (por Felipe Bragança)
Violência
da edição, edições da violência
(por Felipe Bragança)
Fauna
in concert: Tribos, Ayrton Senna, Monique Evans, João
Kléber (por Francisco Guarnieri)
Repórter
Cidadão: pouca cidadania, reportagem duvidosa
(por Francisco Guarnieri)
Semana
de carnaval (por Francisco Guarnieri)
A
dona da verdade (por Felipe Bragança)
Mormaço
(por Felipe Bragança)
Retrospectiva
2003 Parte 2 (por Felipe Bragança)
Retrospectiva
2003 (por Felipe Bragança)
A
Grata futilidade de Gilberto Braga (por Felipe Bragança)
Aos
treze (por Roberto Cersósimo)
Algum
começo... (por Felipe Bragança)
Uma
novela de... (por Roberto Cersósimo)
O
canal das mulheres, a cidade dos homens (por Felipe
Bragança)
O
fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo)
Televisão cidadã, cidadãos televisivos
(por Felipe Bragança)
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