CONTRA-REGRA
coluna semanal de televisão

Notas, notas, notas...

1. O departamento de esportes da Record vem chegando num ápice de histeria e "falsas polêmicas" que atesta a intenção de puramente criar confusões, grandes "furos" de reportagem, gritarias e agressões verbais em detrimento do foco, dito principal, que é o futebol.

Parece que o comentarista de arbitragem, Oscar Roberto de Godoy, e o apresentador, Milton Neves, encararam o tempo que apresentaram o sempre repugnante Cidade Alerta menos como um simples "tapa-buraco" após a saída de Datena, e mais como um estágio, uma aula de como se conseguir audiência para o Terceiro Tempo. É impressionante como as discussões futebolísticas comandadas por Milton Neves guardam grandes semelhanças com as discussões sobre pena de morte no Cidade Alerta ou discussões sobre homossexualismo no Super Pop; em todos esses (e muitos outros) não há nenhum interesse em botar um assunto em pauta, expor as opiniões existentes e criar um debate, há sim um interesse em botar figuras espalhafatosas – beirando o folclórico – para gritarem, soltarem frases "polêmicas", se agredirem, e com isso conquistarem audiência.

Os apresentadores e comentaristas que compõem o Terceiro Tempo (salvo poucas exceções) não estão ali como apresentadores e comentaristas de futebol; estão ali como "animadores de auditório" em que o assunto tratado poderia ser qualquer um. Bastar assistir um dia ao programa para ver Godoy berrando que alguém é "babaca", ver algum comentarista insultando Milton Neves, ver Neves exigindo que árbitros sejam banidos do futebol por terem errado na marcação de um pênalti...Mais um show de horror (como se já não houvesse tantos...).

2. Que a Globo costuma cortar a seu bel prazer os filmes que exibe a gente sabe; na exibição de Jackie Brown, por exemplo, cortaram boa parte do início com Pam Grier chegando ao trabalho. Porém, dessa vez a coisa foi longe demais. Num ato de extremo desprezo com o filme, exibiram Clube dos Cafajestes, de John Landis, com cortes inacreditáveis e inaceitáveis. Parece que ignorando o espectador, simplesmente por ser de madrugada, o filme foi totalmente mutilado, desfigurado com cortes que deixavam cenas sem sentido algum. Só para exemplificar: numa cena em que víamos duas meninas (que não eram personagens, só apareciam naquela cena) sentadas conversando para depois vermos o personagem de John Belushi olhando por baixo da saia delas, a Globo cortou a parte em que aparecia o Belushi, ou seja, ficaram duas meninas, que ninguém sabia quem era, conversando sem sentido algum. Um total absurdo.

3. Da Cor do Pecado continua sua empreitada rumo ao mais asqueroso possível. Ver a Família Sardinha brigando e batendo (ah, que saudade do Esteban!) e logo depois, os derrotados amarrados, sendo maquiados grotescamente, como uma multidão em volta rindo e se divertindo, uma humilhação em "praça pública" legitimada por eles serem perdedores; isso em meio a frases, da personagem de Rosi Campos, como "viva a raça superior". Tudo num clima de comédia.

Continua a todo vapor, também, a briga entra a Mrs. Barbaridade (Giovanna Antonelli) e Dona Preta (Thaís Araújo). Em certo diálogo, a personagem de Lima Duarte grita para o a de Antonelli algo como: "Que barbaridade Bárbara; eu não agüento mais você chamando ela de negra, negrinha, mulatinha, ela tem nome". É, tem: Preta.

Tudo bem, João Emanuel Carneiro, tudo bem.

4. Foram decididos, essa semana, os vencedores do Troféu Imprensa. De maneira geral foi a mesma coisa dos outros anos, porém uma coisa chamou muita atenção: as justificativas dos jurados (quase todos jornalistas) para escolherem seus preferidos em cada categoria. Uma jurada escolheu O Sítio do Pica-Pau Amarelo como melhor programa infantil alegando que ele lembrava sua infância e os programais antigos; outra jurada apontou Giulia Gam, em Mulheres Apaixonadas, como melhor atuação feminina dizendo que ela merecia porque foi chamada de louca na vida real, mas conseguiu dar a volta por cima e voltar às novelas; e um jurado escolheu Rodrigo Santoro, também por Mulheres Apaixonadas, como melhor atuação masculina alegando que 2003 foi o ano dele, que fez filmes em Hollywood, etc. A questão é: quando se escolhe a melhor atuação ou o melhor programa, analisa-se o objeto em questão ou analisa-se o caráter da pessoa, a força de vontade, o saudosismo e outros trabalhos feitos durante o ano? O Troféu Imprensa parece estar muito mais pra um prêmio do tipo "Personalidades do Ano" - já que não faltaram justificativas de 2003 foi "o ano de" tal pessoa, de que esse ou aquele tinha "dominado as manchetes" – do que para um prêmio que eleja os melhores trabalhos do ano, que é como ele é vendido anualmente.

5. Já de umas semanas pra cá o programa Noite Afora, apresentado por Monique Evans, vem sendo uma grande decepção. Apesar de alguns problemas (até já falados aqui), Evans conseguia imprimir um ritmo e uma "esquizofrenia" que o tornava muito agradável, além de promover entrevistas hilárias em que ela perguntava de tudo sobre sexo (opção sexual, se gostava de um "fio-terra", posições preferidas) num tom admirável e tirava todas as respostas, deixando os convidados bem à vontade para responder. Mas, essas qualidades, na sua maioria, não são mais vistas hoje: o programa anda num marasmo sem tamanho, com pouquíssimas e desinteressantes entrevistas, matérias desleixadas e muitos "melhores momentos" de programas passados. Parece que a apresentadora cansou, perdeu o tesão; se Evans perdeu o ânimo por motivos pessoais ou se foi graças à perda de espaço que o Noite Afora teve (no Sábado, que era o dia auge do programa, ele foi substituído pelo Programa Amaury Jr.) não dá pra saber, mas o que parece certo é que ele está com dias contados.

6. Saindo da programação estritamente televisiva e falando de duas propagandas que me chamaram muita atenção, negativamente:

A
primeira foi o novo comercial da vodka Smirnoff. Ele começa com duas mulheres (uma no colo da outra) trocando carícias e elogios – numa clara tentativa de deixar a entender que são namoradas...logo depois toca o celular de uma delas, é o namorado e descobrimos que elas são "apenas" irmãs; nesse momento entra uma narração que diz: "você não precisa ser puro, mas sua vodka sim". O que impressiona é que parecia (a mim, pelo menos) que considerar o homossexualismo (ou o pensamento nele) algo impuro (algo ruim, já que contrapõe a idéia de pureza da vodka, que é algo "bom") já era fato caduco na TV brasileira....

O outro é a do jornal O Estado de S. Paulo: um homem falando que o Estadão é "imparcial", "só mostra os fatos", "sem manipular" a opinião do leitor, deixando-o livre para tirar suas próprias conclusões; aí o homem faz um paralelo ao que estava falando e ele diz os tais "os fatos:" descreve os prêmios que o leitor ganhará assinando o Estadão e conclue que agora podemos tirar nossas próprias conclusões, dando várias opções de como ligar pra assinar ("ligar agora, mais tarde, pedir pra sua senhora, depois de escovar os dentes...), mas nunca vem a opção de NÃO ligar. Será que é essa a tal "liberdade do leitor", poder escolher entre várias opções que chegam sempre na mesma conclusão? Talvez só um pequeno deslize dos publicitários, mas, com certeza, explicita bastante como funciona o grosso da nossa imprensa.

Francisco Guarnieri

Textos da semanas anteriores:
Da TV e dos corpos humanos, parte 2 (por Felipe Bragança)
Da TV e dos corpos humanos, parte 1 (por Felipe Bragança)
Violência da edição, edições da violência (por Felipe Bragança)
Fauna in concert: Tribos, Ayrton Senna, Monique Evans, João Kléber (por Francisco Guarnieri)
Repórter Cidadão: pouca cidadania, reportagem duvidosa (por Francisco Guarnieri)
Semana de carnaval (por Francisco Guarnieri)
A dona da verdade (por Felipe Bragança)
Mormaço (por Felipe Bragança)
Retrospectiva 2003 – Parte 2 (por Felipe Bragança)
Retrospectiva 2003 (por Felipe Bragança)
A Grata futilidade de Gilberto Braga (por Felipe Bragança)
Aos treze (por Roberto Cersósimo)
Algum começo... (por Felipe Bragança)
Uma novela de... (por Roberto Cersósimo)
O canal das mulheres, a cidade dos homens (por Felipe Bragança)
O fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo)
Televisão cidadã, cidadãos televisivos (por Felipe Bragança)