longe da escuridão
Larry Clark, Teenage Caveman, EUA, 2002

Remake de um filme homônimo de Roger Corman de 1958, Teenage Caveman faz parte de um conjunto de cinco filmes produzidos em 2001 para serem exibidos na TV a cabo através da Creature Feature Productions, uma união de Lou Arkoff (filho do lendário produtor de filmes de terror "b" Samuel Arkoff), da atriz Colleen Camp e do criador de efeitos especiais Stan Winston para homenagear a produtora AIP, que nos anos 50 produziu uma infinidade de filmes de ficção científica e terror direcionada a públicos jovens. A única coisa que faz supor que Larry Clark seria o realizador mais indicado para dirigir este filme é a palavra "teenage" no título, e certamente os produtores o contrataram para extrair interpretações convincentes dos diversos adolescentes que são protagonistas do filme. O resultado é menos uma convergência de interesses do que um choque de vontades, e Longe da Escuridão (título genérico que o filme ganhou em português) só funciona para incondicionais amantes de Clark ou para admiradores "sorvete-na-testa" de cinema de terror. Mesmo assim, não impede que haja alguma coisa muito interessante acontecendo na tela. Vejamos.

Num mundo pós-apocalíptico, em que a tecnologia parece ter voltado a suas formas rudimentares e a humanidade vive em pequenas comunidades tribais, um grupo de jovens vive confllitos de geração com os adultos que comandam a tribo. Cansados das ordens ditatoriais do chefe da taba, eles decidem ir contra os mandamentos e partem juntos em busca de caça. Um súbito clarão e estamos numa casa hi-tech, controlada também por dois personagens adolescentes, mas que de fato são humanos com centenas de anos de idade. Inicia-se então uma série de cenas de orgia, que na verdade são experimentos dos senhorios para transmitir por contato sexual um vírus que ora confere às pessoas vida eterna, ora as faz explodir. Apenas um casal da tribo, apaixonado e virgem, decide não fazer parte do jogo sexual. Seguem-se então diversas cenas de ação e perseguição, assassinatos estúpidos e jogos de poder.

Fica desde o início muito claro aquilo que interessa a Larry Clark e aquilo que não o interessa de forma alguma. As cenas de ação e terror do filme são conduzidas abaixo do nível piloto-automático, quase sabotando mesmo o princípio do roteiro. Nenhuma tensão criada, nenhum crescendo emocional, nenhuma fascinação pelo cinema fantástico: tanto efeitos especiais quanto a cenografia aparecem diante de nós desinvestidas de qualquer poder de sedução que são a pedra de toque do gênero de ficção científica. A dicotomia entre a pureza sexual do jovem casal e a promiscuidade do resto da tribo é igualmente um não-problema (o que acaba incomodando, uma vez que o roteiro do filme parece fazer dela o centro narrativo). Em compensação, sempre que os jovens estão entregues às trocas de fluidos e de saberes – e aí faz-se importante notar que uma das poucas fontes de literatura herdadas pela tribo foi uma edição da revista Penthouse –, o filme passa a ganhar verdadeiro interesse.

No entanto, só há uma cena em que Larry Clark parece filmar inteiramente o que gosta: a já mencionada cena da orgia inicial. Atores naturais no que falam e como se comportam com seus corpos dão a esse momento uma força comparável aos melhores momentos de Ken Park, por exemplo, mas é uma força que inexiste no resto do filme. Cabe fazer defesa generalizada de a) esse filme; e b) de Larry Clark? a) não; b) sim, no sentido de que é um dos únicos cineastas – junto só com Gus Van Sant – que sistematicamente tenta criar um estatuto próprio para o adolescente na tela, em filmar a maneira como eles (ou ao menos parte deles) verdadeiramente falam e se comportam. Numa tradição que costuma fazer da adolescência apenas uma passagem ao mundo adulto – quando paradoxalmente o que se vê hoje no mundo é uma juvenilização da idade adulta – e que coloca atores de quase trinta anos para interpretar pessoas de menos de vinte anos (de Barrados no Baile a Dawson's Creek para as duas características), esquivando-se dos problemas mais decisivos que essa idade coloca em função de uma passagem à responsabilidade (e, logo, à ordem), o cinema de Larry Clark vale como a função utópica de pela adolescência instaurar um outro mundo de valores em que viver não equivale a se constranger. Com todos os problemas que isso implica. Pasolini não está tão longe.

Ruy Gardnier