Em
uma seqüência logo no início de Sylvia,
aquela que antecede a primeira noite de amor entre os
protagonistas Sylvia Plath (Gwyneth Paltrow) e Ted Hughes
(Daniel Craig), os dois, em uma reunião, declamam
poesias de uma forma excessivamente acelerada, sem respeitar
a métrica ou o rítmo das palavras, o que
certamente não permite a percepção
das nuances ou intenções do autor ao conceber
seu texto. Numa comparação grosseira,
o mesmo pode ser observado na maioria dos filmes que
se propõem biográficos, resumindo toda
uma vida em cerca de duas horas, apresentando uma enxurrada
de fatos ou episódios, mas quase sempre sem conseguir
transmitir uma maior intimidade com a personalidade
do biografado que o situe além de um retrato
superficial.
É justamente desse mal que padece o filme de
Christine Jeffs. Toda a (curta) vida e obra de Sylvia
Plath parece se resumir na relação com
o marido, um poeta de maior consagração
em seu tempo. É ele que, mesmo a princípio
incentivando, determina a repressão da faceta
de Sylvia como literata, em prol desta se assumir como
esposa dedicada, principalmente nos momentos onde Plath
deveria estar escrevendo mas fica na cozinha assando
inúmeros bolos e tortas, momentos estes que,
por sinal, parecem tangenciar uma espécie de
humor involuntário. Também todas as situações
que levam Sylvia a decidir alterar os rumos de sua vida
são direcionadas por adultérios (supostos
ou consumados) da parte de Ted, até a situação
derradeira, que leva à separação
e ao deslanchar da carreira dela como poeta. Sylvia
é sempre vista como uma figura inquieta, torturada
e depressiva mas pouco se apreende das razões
para seu temperamento. Ou pior, pois em se tratando
de uma artista onde o binômio vida x criação
parece indissociável, nada é transmitido
a respeito do trabalho da poeta, exceto os títulos
de seus livros. Não cobramos com isso uma postura
didática ou documental, mas apenas imagens ou
informações que justifiquem a importância
de S. Plath como artista, o que certamente parece ter
influenciado o fato de se realizar um filme sobre ela.
Sylvia se encaixa numa linha ou sub-gênero
recorrente em filmes recentes que poderíamos
chamar de "histórias de mulheres sensíveis",
cujos exemplos mais conhecidos seriam As Horas e
Frida, com os quais, pelo visto, a fita de Jeffs
guarda alguns pontos de contato. Com o primeiro, compartilha
a personagem de uma escritora (Virginia Woolf) emocionalmente
instável e suicida; com o segundo, uma certa
semelhança na forma como os roteiros apresentam
as relações matrimoniais Kahlo-Rivera
e Plath-Hughes. Só que mesmo em comparação
com os insatisfatórios trabalhos de Stephen Daldry
e Julie Taymor, Sylvia apresenta um resultado
que o situa patamares abaixo de seus congêneres,
pois estes demonstravam tentativas, ainda que infrutíferas
ou superficiais, de alguma forma de criação,
seja através de uma narrativa pretensamente complexa
ou de um apuro visual, respectivamente. Em Sylvia
tudo é encenado linear e burocraticamente,
situando-o bem próximo de um telefilme vagabundo,
só que em Cinemascope. Mas isto acaba por pesar
ainda mais contra o trabalho de Christine Jeffs, pois,
para quê fazer uso de um formato de tela larga
se a diretora não manifesta o menor talento para
enquadrar ou preencher os espaços de cena?
Gilberto Silva Jr.
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