Sylvia – Paixão Além das Palavras
Christine Jeffs, Sylvia, Inglaterra, 2003

Em uma seqüência logo no início de Sylvia, aquela que antecede a primeira noite de amor entre os protagonistas Sylvia Plath (Gwyneth Paltrow) e Ted Hughes (Daniel Craig), os dois, em uma reunião, declamam poesias de uma forma excessivamente acelerada, sem respeitar a métrica ou o rítmo das palavras, o que certamente não permite a percepção das nuances ou intenções do autor ao conceber seu texto. Numa comparação grosseira, o mesmo pode ser observado na maioria dos filmes que se propõem biográficos, resumindo toda uma vida em cerca de duas horas, apresentando uma enxurrada de fatos ou episódios, mas quase sempre sem conseguir transmitir uma maior intimidade com a personalidade do biografado que o situe além de um retrato superficial.

É justamente desse mal que padece o filme de Christine Jeffs. Toda a (curta) vida e obra de Sylvia Plath parece se resumir na relação com o marido, um poeta de maior consagração em seu tempo. É ele que, mesmo a princípio incentivando, determina a repressão da faceta de Sylvia como literata, em prol desta se assumir como esposa dedicada, principalmente nos momentos onde Plath deveria estar escrevendo mas fica na cozinha assando inúmeros bolos e tortas, momentos estes que, por sinal, parecem tangenciar uma espécie de humor involuntário. Também todas as situações que levam Sylvia a decidir alterar os rumos de sua vida são direcionadas por adultérios (supostos ou consumados) da parte de Ted, até a situação derradeira, que leva à separação e ao deslanchar da carreira dela como poeta. Sylvia é sempre vista como uma figura inquieta, torturada e depressiva mas pouco se apreende das razões para seu temperamento. Ou pior, pois em se tratando de uma artista onde o binômio vida x criação parece indissociável, nada é transmitido a respeito do trabalho da poeta, exceto os títulos de seus livros. Não cobramos com isso uma postura didática ou documental, mas apenas imagens ou informações que justifiquem a importância de S. Plath como artista, o que certamente parece ter influenciado o fato de se realizar um filme sobre ela.

Sylvia se encaixa numa linha ou sub-gênero recorrente em filmes recentes que poderíamos chamar de "histórias de mulheres sensíveis", cujos exemplos mais conhecidos seriam As Horas e Frida, com os quais, pelo visto, a fita de Jeffs guarda alguns pontos de contato. Com o primeiro, compartilha a personagem de uma escritora (Virginia Woolf) emocionalmente instável e suicida; com o segundo, uma certa semelhança na forma como os roteiros apresentam as relações matrimoniais Kahlo-Rivera e Plath-Hughes. Só que mesmo em comparação com os insatisfatórios trabalhos de Stephen Daldry e Julie Taymor, Sylvia apresenta um resultado que o situa patamares abaixo de seus congêneres, pois estes demonstravam tentativas, ainda que infrutíferas ou superficiais, de alguma forma de criação, seja através de uma narrativa pretensamente complexa ou de um apuro visual, respectivamente. Em Sylvia tudo é encenado linear e burocraticamente, situando-o bem próximo de um telefilme vagabundo, só que em Cinemascope. Mas isto acaba por pesar ainda mais contra o trabalho de Christine Jeffs, pois, para quê fazer uso de um formato de tela larga se a diretora não manifesta o menor talento para enquadrar ou preencher os espaços de cena?

Gilberto Silva Jr.