Existe um inegável charme,
bastante antiquado, no filme de Cavani. Charme este
que possui um componente visual mesmo, de difícil
explicação em termos técnicos:
o filme parece feito em outros tempos - especificamente
nos anos 70, e isso não deve ser sem relação
com o fato de que foi nessa década que Cavani
teve o auge do seu reconhecimento como diretora, estando
um pouco esquecida desde então. Também
é interessante notar que o próprio Ripley,
personagem-fetiche da literatura e do cinema, é
interpretado aqui por John Malkovich como um homem "fora
do seu tempo". Isso tudo (visualidade, personagem, andamento)
dá ao filme um nada desprezível interesse
e estranheza.
É verdade que Ripley e Malkovich são uma
associação bastante óbvia (Ripley
nada mais é do que a encarnação
exagerada de uma série de personagens previamente
interpretados pelo ator, notadamente o Marquês
de Valmont de Ligações Perigosas
- papel que o projetou), mas isso causa uma estranha
dubiedade. Se é inegável a sensação
de que Malkovich apenas repete trejeitos previamente
utilizados, o quanto isso não se deve ao acaso
da acumulação dessas obras em sua carreira?
Ou, para colocar de outra forma: se este fosse o primeiro
filme que víssemos com Malkovich, não
pareceria sua interpretação extremamente
adequada, precisa mesmo? Então, como negar o
fato de que, repetição e clichê
de si mesmo ou não, Malkovich sempre pareceu
destinado a interpretar Ripley, a julgar por este filme.
De fato, boa parte do charme do filme vem de sua presença
incrivelmente magnética na tela - que adiciona
ainda uma sexualidade latente muito bem vinda. Sua dominação
sobre o filme fica especialmente forte uma vez que Dougray
Scott como seu parceiro de cena parece completamente
inadequado, sem capacidade de responder à complexidade
do Ripley de Malkovich. Sua não-interpretação,
é inegável, parece bastante planejada
para colocá-lo como marionete de Ripley, contraponto
deste - no entanto, a extrema falta de qualquer carisma
afasta demais o espectador de um personagem com quem
é importante, no mínimo, alguma identificação.
O grande ponto de interesse do filme (e do livro, etc)
está obviamente na relação de repulsa
e atração entre Trevanny (Scott) e Ripley
- onde um inveja o poder do outro, enquanto o outro
inveja a "vida simples" do primeiro, ambos inatingíveis
ao seu complementar. Cavani filma muito bem esta relação,
em especial na preparação do clímax
nas cenas dos dois na mansão de Ripley. A complexidade
das motivações e do espaço do dito
e do não dito são exploradas com muita
calma pela diretora, que deixa ainda que a violência
irrompa na tela sempre em interessantíssimo choque
com a extrema elegância do resto do filme. Cavani,
se não faz um filme a não ser esquecido
ou algo assim, realiza um muitíssimo bem sucedido
exercício de gênero, um estudo de personagem
antes de tudo - e pode considerar sempre Malkovich e
seu uso de sua persona como co-autor do filme.
Eduardo Valente
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