O Retorno do Talentoso Ripley
Liliana Cavani, Ripley's game, EUA/Inglaterra/Itália, 2003

Existe um inegável charme, bastante antiquado, no filme de Cavani. Charme este que possui um componente visual mesmo, de difícil explicação em termos técnicos: o filme parece feito em outros tempos - especificamente nos anos 70, e isso não deve ser sem relação com o fato de que foi nessa década que Cavani teve o auge do seu reconhecimento como diretora, estando um pouco esquecida desde então. Também é interessante notar que o próprio Ripley, personagem-fetiche da literatura e do cinema, é interpretado aqui por John Malkovich como um homem "fora do seu tempo". Isso tudo (visualidade, personagem, andamento) dá ao filme um nada desprezível interesse e estranheza.

É verdade que Ripley e Malkovich são uma associação bastante óbvia (Ripley nada mais é do que a encarnação exagerada de uma série de personagens previamente interpretados pelo ator, notadamente o Marquês de Valmont de Ligações Perigosas - papel que o projetou), mas isso causa uma estranha dubiedade. Se é inegável a sensação de que Malkovich apenas repete trejeitos previamente utilizados, o quanto isso não se deve ao acaso da acumulação dessas obras em sua carreira? Ou, para colocar de outra forma: se este fosse o primeiro filme que víssemos com Malkovich, não pareceria sua interpretação extremamente adequada, precisa mesmo? Então, como negar o fato de que, repetição e clichê de si mesmo ou não, Malkovich sempre pareceu destinado a interpretar Ripley, a julgar por este filme. De fato, boa parte do charme do filme vem de sua presença incrivelmente magnética na tela - que adiciona ainda uma sexualidade latente muito bem vinda. Sua dominação sobre o filme fica especialmente forte uma vez que Dougray Scott como seu parceiro de cena parece completamente inadequado, sem capacidade de responder à complexidade do Ripley de Malkovich. Sua não-interpretação, é inegável, parece bastante planejada para colocá-lo como marionete de Ripley, contraponto deste - no entanto, a extrema falta de qualquer carisma afasta demais o espectador de um personagem com quem é importante, no mínimo, alguma identificação.

O grande ponto de interesse do filme (e do livro, etc) está obviamente na relação de repulsa e atração entre Trevanny (Scott) e Ripley - onde um inveja o poder do outro, enquanto o outro inveja a "vida simples" do primeiro, ambos inatingíveis ao seu complementar. Cavani filma muito bem esta relação, em especial na preparação do clímax nas cenas dos dois na mansão de Ripley. A complexidade das motivações e do espaço do dito e do não dito são exploradas com muita calma pela diretora, que deixa ainda que a violência irrompa na tela sempre em interessantíssimo choque com a extrema elegância do resto do filme. Cavani, se não faz um filme a não ser esquecido ou algo assim, realiza um muitíssimo bem sucedido exercício de gênero, um estudo de personagem antes de tudo - e pode considerar sempre Malkovich e seu uso de sua persona como co-autor do filme.


Eduardo Valente