Sinopse
A atriz Elizabeth Vogler deixa de falar durante
uma representação teatral de Electra. Seu mutismo em
relação aos que a rodeiam é total, sendo então internada
numa clínica. Não está doente, simplesmente optou pelo
silêncio. Alma, uma jovem enfermeira, fica encarregada
de tratar dela. Quando, a conselho médico, as duas se
isolam em uma ilha, passam a desenvolver uma intimidade
e cumplicidade crescentes. Com isso se estabelece uma
constante troca de identidades.
Ficha Técnica
Direção e Roteiro: Ingmar Bergman Produção: Svensk Filmindustri
Fotografia: Sven Nykvist Montagem: Ulla Ryghe Música:
Lars Johan Verle Elenco: Bibi Andersson, Liv Ullmann,
Margaretha Krook, Gunnar Björnstrand
Texto de Apresentação
Partindo do título oportunista, e também deslocado do
tema central do filme, utilizado quando da estréia brasileira
de Persona (Quando Duas Mulheres Pecam),
podemos já extrair um dos temas recorrentes à obra de
Ingmar Bergman, o conceito do pecado e principalmente
da culpa a ele associada. É mais que sabido que a sua
formação durante a infância, filho de rígido pastor
luterano, viria a influenciar todo o seu trabalho em
cinema, numa obra marcada por evidente evolução, partindo
dos primeiros dramas, na década de 1940, que deixam
um tanto a desejar, até atingir uma maturidade artística
já na primeira metade dos anos 50, principalmente em
Mônica e o Desejo (1952) e Noites de Circo
(1953), possivelmente seu melhor filme.
Ao longo dos anos subsequentes, Bergman alçou um renome
mundial, e seus filmes, apesar de temas recorrentes
- o já citado sofrimento determinado pela culpa, a análise
de relacionamenteos conjugais e amorosos, e a angústia
do homem perante "o silêncio de Deus" - ainda apresentavam
variadas abordagens, incluindo espaço para comëdias
românticas, como Uma Lição de Amor (1954) e Sorrisos
de uma Noite de Amor (1955), algum otimismo diante
da vida, por exemplo em Morangos Silvestres (1957),
e filmes de época, em O Sétimo Selo (1957) ou
O Rosto (1958).
Foi durante os anos 60 que se conretizou a imagem daquilo
que, com o passar do tempo, iria se tornar no imaginário
do público como uma "marca registrada" do cinema de
Bergman: uma temática bastante densa e agora sempre
pessimista, com poucos personagens, vivendo situações
de crise intensa em ambientes quase sempre claustrofóbicos,
mesmo que este cenário seja a paisagem de uma ilha.
Apesar desta linha já vir sendo demarcada em sua obra
alguns anos, como em Através de um Espelho (1961),
é justamente a partir de Persona que se faz patente
uma submissão do autor a este estilo recorrente, que
viria gradativamente a se tornar diluído e repetitivo
a cada novo trabalho apresentado até o final da década
de 60, todos rodados, assim como Persona, em
sua propriedade na ilha de Farö.
Tratando especificamente de Persona, e já sabendo
que em Bergman vida e obra são conceitos indissociáveis,
fica claro notar que o filme foi confessamente concebido
durante um período de profunda crise de seu autor, quando
este se encontrava hospitalizado devido a uma pneumonia
e questionando sua então atividade como diretor do Teatro
Nacional de Estocolmo. Como afirma ele próprio: "Era
necessário, por conseguinte, escrever qualquer coisa
que apaziguasse a sensação de futilidade que sentia,
a sensação de estar marcando passo." Da mesma forma,
Persona deixa claros os momentos no qual o artista se
vê impassível ao observar que, mesmo contra o seu desejo,
sua arte acaba por ser vã como modificadora de uma realidade,
impassividade essa que acaba por determinar o retiro
e o silêncio constante de Elizabeth Vogler (Liv Ullmann).
O outro tema central de Persona fica evidente
na seqüência entre a médica e Elizabeth que antecede
a partida para a ilha. Nos termos da personagem, "o
irrealizável sonho de existir, não o de parecer, mas
o de ser". Em outras palavras, o filme propõe uma reflexão
sobre a constante necessidade de adequação aos diferentes
papéis que uma pessoa deverá exercer ao longo da vida.
Enquanto Elizabeth simplesmente desiste de tentar adequar-se
a esses papéis, sua companhia determina em Alma (Bibi
Andersson) uma descoberta de trilhas semelhantes, frustrando
suas falsas expectativas iniciais de construir um casamento
e família tradicionais. É assim que ambas, Alma e Elizabeth,
passam a manifestar diferentes facetas de uma só personagem,
culminando na notória seqüência onde fundem-se os rostos
das atrizes. Chamando mais uma vez atenção para a personalidade
do diretor, convém destacar que tanto Elizabeth quanto
Alma são afligidas por traumas relacionados à maternidade
- a primeira simplesmente renega o filho, enquanto a
segunda não aceita bem um aborto ao qual fora obrigada
- o que reflete uma evidente característica de Bergman,
que nunca conseguiu assumir de forma completa o papel
de pai dos filhos que acumulou ao longo de sucessivos
casamentos.
É também Persona o filme que inaugura a parceria
entre Bergman e Liv Ullmann, atriz que desde então permanece
marcada a sua obra, apesar da outra protagonista do
filme, Bibi Andersson, já vir aparecendo em suas fitas
por mais de uma década antes desta. Sem dúvida é seu
meticuloso trabalho com os atores (quase sempre os mesmos,
como Gunnar Björnstrand, Harriet Andersson, Max Von
Sydow, Erland Josephson ou Eva Dahlbeck), que deve bastante
a sua longa carreira de encenador teatral, um dos principais
responsáveis pelo êxito e empatia dos filmes de Bergman.
Este, entretanto, mesmo com um um pé no palco, poucas
vezes deixa de conceber seu cinema como uma arte de
imagens. E é justamente a força de suas imagens o principal
trunfo de Persona, mesmo que se considere suas
abordagen sob pontos de vista social ou psicológico
superficiais ou hoje um tanto batidas.
Gilberto Silva Jr.
Citações
As citações foram extraídas do livro "Imagens", de Ingmar
Bergman, trad. de Alexandre Pastor, Ed. Martins Fontes,
1996.
"Que o cinema seja o meio por que me expresso, é absolutamente
natural. Fiz-me compreender numa língua que passava
ao lado da palavra de que carecia, da música que não
sabia tocar, da pintura que me deixava indiferente.
Subitamente tive a possibilidade de me corresponder
com o mundo numa linguagem que literalmente fala da
alma para a alma, em termos que, quase de maneira voluptuosa,
escapam ao controle do intelecto." (pag. 49)
"O fotógrafo Sven Nykvist e eu, originariamente, tínhamos
pensado numa iluminação convencional para ambas as atrizes,
Liv Ullmann e Bibi Andersson, mas não deu bom resultado.
Concordamos então em pôr uma metade do rosto numa escuridão
total, não havendo sequer uma luz de compensação. Depois,
na parte final do monólogo, foi um passo natural combinar
as duas metades iluminadas dos rostos, fazendo com que
se integrassem numa só face. A maior parte das pessoas
tem uma metade do rosto mais fotogênica que a outra.
As fotografias meio iluminadas dos rostos de Liv e de
Bibi que ligamos uma à outra mostram as suas metades
feias. Quando recebi do laboratório o filme com esta
duplicação, pedi a Liv e a Bibi que viessem ao estúdio
de montagem. Surpresa, Bibi exclamou: 'Como você está
esquisita, Liv!'. E Liv por sua vez disse: 'Mas essa
cara é a sua, Bibi. É você que tem um ar esquisito!'
Quer dizer, ambas negaram espontaneamente as metades
menos bonitas de seus rostos." (pag. 61)
"Quando lemos o texto de Persona, talvez dê a
impressão de ser uma improvisação. Mas não. Esse texto
foi rigorosamente concebido. Apesar disso, nunca repeti
tantas cenas em minha vida como nesse filme. E quando
digo que repeti cenas, não quero dizer filmagens de
uma e mesma cena, no mesmo dia, mas sim de novas filmagens
por não ter ficado satisfeito com as seqüências reveladas
de cada dia." (pag. 64)
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