Triste
fim o de Sérgio Rezende. Num determinado momento
da década de 90, o realizador ocupou um espaço
central na produção do país, transformando-se
com Guerra de Canudos e Mauá numa
espécie de "cineasta oficial do regime",
com roteiros históricos grandiosos, superproduções,
elogio à entrada do capital externo (Mauá)
e à sede individualista desligada de crenças
"xiitas" (Claudia Abreu em Canudos).
Mesmo que esses filmes sejam exercícios muito
pouco interessantes como cinema, existia neles o mui
relevante papel de sintoma de uma época, de posição
e ideologia num determinado momento histórico
e político do Brasil. Hoje, trata-se muito menos
de uma mudança de regime político
que, afinal, ainda não aconteceu do que
da entrada de Rezende numa espécie de estado
geral de afasia de uma grande parte do cinema brasileiro.
Por mais que tentemos valorizar Onde Anda Você
como a melancólica procura de um tempo perdido
(premissa narrativa) ou como a imersão num universo
onírico que teria em Fellini seu referente principal
(premissa estética), alguma coisa é insuficiente
na proposta e na argumentação. Pois aquilo
que é intenção jamais consegue
se substancializar como matéria fílmica
na tela. Quando falamos de afasia, é no significado
literal: "perda da compreensão e do uso
dos diferentes símbolos falados ou escritos,
através dos quais o homem se comunica com seus
semelhantes" (Larousse). Não que seja impossível
compreender os códigos de significação
do filme, sempre óbvios e patentes na tela; a
afasia aqui é antes dirigida ao sentido geral
da obra, e à lógica de recepção
(de público, pois) que o filme condiciona (mas
do qual também é vítima, em parte).
Onde Anda Você se inscreve numa longa série
de filmes produzidos nos últimos anos que não
dizem nada a ninguém, que conjugam ineficiência
em comunicar com algo muito pior: desmotivação
completa em investir sentido naquilo que se produz.
Ineficiência
em comunicar: existem diversos "erros"
em Onde Anda Você, desde a quebra desnecessária
do eixo de 180º, quebrando a continuidade lógica
da cena, até a interpretação paupérrima
de certos atores, passando por personagens desnecessários
e sem dúvida por uma completa falta de jeito
com a comédia e com o humor (em se tratando de
um filme sobre um comediante perdido, a falta de graça
das piadas faz do filme uma metáfora involuntária
e de ratificação do próprio argumento).
Façamos abstração aqui do parco
tato e atenção para com a mise-en-scène
cinematográfica, pois além de ser uma
constante na obra de Sérgio Rezende, trata-se
de algo muito difícil de se prestar conta com
dois ou três exemplos escritos, sem acesso direto
à imagem ou sem minuciosas descrições
de cenas, o que aqui não é questão
de fazer (além, claro, da fastidiosa e irritante
querela que quer que cada observação crítica
seja apenas o registro de uma opinião sobjetiva
que tem muito pouco a acrescentar à compreensão
da obra, sendo mais produto do "gosto" do
escrevinhador do que qualquer outra coisa). Desmotivação
em investir sentido: mesmo que a afasia se instale
no cerne temático do filme (trata-se de procurar,
para restituir riso ao mundo, um comediante promissor
que teria desaparecido há muitos anos e que poderia
ser responsável pela ressurreição
de uma memorável dupla cômica que se acabou
com o falecimento de um deles), Onde Anda Você
parece mais padecer da ausência de qualquer sentido
do que se apoiar nela para construir alguma coisa. Nenhuma
força em contar uma história, em investir
uma problemática, em criar visualidade. Há
filmes que podemos odiar por sua insuficiência
e por sua visão de mundo como 1,99
e Mater Dei , mas ao menos concedemos que
há algo neles que quer existir, ao passo que
em Onde Anda Você é mais um sentimento
de irrelevância que surge da completa falta de
propósito que vemos materializada na tela a cada
cena mal construída, a cada plano estilisticamente
desajeitado, a cada piada sem graça, a cada cena
sofrivelmente atuada.
Uma das possibilidades temáticas
do filme é o conflito de gerações
e a possível transmissão de saberes que
pode ser feita reciprocamente de uma pra outra (o comediante
velho vai viajar à procura de seu sonho com um
videomaker imberbe). A hipotética transmissão
que jamais vemos de forma convincente na tela
jamais perspectiva os sonhos de nenhum dos dois:
ficam eles, os dois, imersos em seus próprios
mundos, aproximados pela rota comum mas ainda mônadas
irredutíveis a qualquer mistura. E sem mistura
não há transmissão. Assim o espectador
diante do filme: talvez Onde Anda Você queira
dizer alguma coisa, mas esta coisa ficará para
sempre do outro lado da tela.
Ruy Gardnier
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