Kids
Larry Clark, Kids, EUA, 1995

Certa vez, por volta de 1978, 1979, um amigo de Larry Clark pegou Tulsa, seu primeiro livro de fotografias, publicado em 1971, e o levou para mostrar a Andy Warhol, que olhou e falou: "Ah, real demais". Além de perfeitamente compreensível dentro de sua proposta artística, o fato de Warhol ter rejeitado o trabalho de Clark (ao menos como passível de ser publicado em sua revista) por este ser demasiadamente "real" ainda martela numa das grandes questões levantadas por Kids - ou seja, a do filme lidar com formas de representação naturalista e ser resultado de toda uma pesquisa comportamental e iconográfica desenvolvida por Clark.

1978, 79... justamente a época em que muitos dos personagens de Kids estariam nascendo. Entre o trabalho construído pelo Clark fotógrafo nos anos 70 e sua primeira expressão cinematográfica em 1995, duas décadas se passaram. Entre um extremo e outro, o adensamento de uma problemática juvenil que engloba desde a paranóia da AIDS até a assimilação da droga como peça integrante de uma dinâmica muito mais fluida e permeável que em qualquer outra época precedente. Tudo em Kids gira em torno do sexo e das drogas, os dois vetores de uma aceleração que, dentro do cruel determinismo do filme, sempre colide contra os anteparos da doença fatal (a probabilidade de sexo desprevenido – e não necessariamente promíscuo – levar à AIDS chega a ter um tom alarmista) e do vácuo existencial (as drogas sustentando uma euforia que depois descamba na depressiva cena final). Se a geração easy rider abraçou o lema "sexo, drogas e rock n’ roll" como gesto libertário, a comparação com a geração retratada em Kids não pode revelar senão uma brusca oscilação de timbre e propósito: a psicodelia e o perfil liberador (ou expurgador que seja) daqueles atos cedeu espaço a colorações melancólicas e à indiferença radical. Os personagens de Kids consomem drogas e participam de orgias para preencher um tempo flácido, fazem isso na falta de outra coisa para fazer. Problemático? Bastante, mas o que o filme tem de mérito a ser destacado está em outro lugar, fora de seu fatalismo generalizante e de sua estratégia de choque mais rasteira.

Como a rimar com o lazer predileto de seus personagens skatistas, Kids é uma manobra radical, é uma mudança forte em relação à visão mais comum do adolescente no cinema. A começar pelos atores não serem profissionais e possuírem a mesma idade de seus personagens, o filme descontrói a visão romântica do adolescente mostrado por Hollywood ou pelos seriados de TV, e que geralmente é interpretado por atores de vinte e poucos anos e sempre vive dilemas típicos de fase de transformação. Na verdade, o trabalho com rostos desconhecidos é crucial para a proposta do filme de Clark: mostrar uma adolescência que não está sendo vista, que é negligenciada pelos adultos, uma geração-fantasma – como explicitado no personagem apelidado de Casper, aqui mais conhecido como "Gasparzinho, o fantasminha camarada". O grupo retratado não é apresentado como desviante, mas como norma perversa. Violentos, drogados, desprevenidos e suicidas, os jovens de Kids não vivem nenhuma espécie de drama, não são representados em ação, mas antes em estado de estranha apatia e banalidade.

O filme mostra basicamente 24 horas na vida de um grupo de adolescentes, dos quais três se destacam: Telly, o jovem sedutor que desconhece ser portador do HIV, Jennie (Chlöe Sevigny), cuja primeira e única transa na vida foi justamente com Telly (ou seja, ela adquiriu AIDS enquanto perdia a virgindade) e Casper, que terminará o filme transando com Jennie adormecida, cataléptica - quase uma cena de necrofilia. O que o final de Kids proporciona é uma imagem do apocalipse: fim de festa, restos por todo lado, corpos adormecidos (mortos em latência) espalhados pelo chão, uma luz matinal azulada e fria, a cena de sexo entre Casper e Jennie, ambos marchando em direção à morte (tal como ocorrerá a todos os presentes naquela festa). E há também o corte, nesse momento de pós-orgia, para os adultos que se exercitam de forma inegavelmente cômica num parque qualquer da cidade. De maneira bastante clara, Larry Clark afirma existir um abismo intransponível entre as gerações de pais e filhos.

Em Kids, Clark realiza um recorte de geração em que prevalece o enclausuramento. Ao supostamente buscar uma interferência constante do meio ambiente dentro do filme, ou, mais até do que isso, ao querer simplesmente atualizar o mundo dos jovens no seu filme, um mundo que já existia independentemente dele, Clark acabou trancando a adolescência nova-iorquina numa câmara de aniquilamento onde a ordem de tiro vem simultaneamente de dentro e de fora. Os adolescentes de Kids são como ratinhos de laboratório aos quais se dão todos os tipos de substância química e de estímulo sensorial, mesmo que isso represente a exaustão de suas defesas e de sua capacidade motora, resultando no imobilismo absoluto (o eterno "agora" dos jovens, que se movimentam sem parar, é visto como inércia a longo prazo) e, em última análise, na morte precoce. Um teste de limites em que o adolescente é o corpo de potência máxima e durabilidade mínima. Enquanto a maioria dos adultos está indiferente a essa situação (realidade parcial que o filme, mesmo claramente situado no tempo e no espaço, talvez não queira como total, mas como a mais urgente das realidades do jovem contemporâneo), Larry Clark se põe muito próximo dela, deixa-se envolver por suas tessituras com fascínio e preocupação – mas, mesmo fugindo da imagem de pai/professor indignado, nesse filme ele acaba sendo o "cientista maluco" que controla um laboratório de ratinhos suicidas.


Luiz Carlos Oliveira Jr.