No início do filme, o
espectador fica confuso: a julgar pelos créditos
e seu grafismo modernoso podemos pensar que entramos
por acaso numa sessão de Seven. Logo depois,
quando vemos uma primeira sequência inteira com
Jim Caviezel correndo em câmera lenta, lembramos
da Paixão de Cristo (cujo sucesso é
a razão clara, aliás, por trás
do lançamento deste filme aqui no circuito comercial).
Não é por acaso: na medida em que evolui,
Velozes e Mortais vai nos lembrar mesmo de inúmeros
filmes (dos quais o menos pertinente é aquele
que o título brasileiro tenta emular - Velozes
e Furiosos), e não parece ser a menor das
razões para isso o fato de seu diretor ter ficado
conhecido por aqui com o clássico dos anos 80
do "terror de estrada" A Morte Pede Carona. Como
desde então Harmon esteve quase completamente
exilado na TV, o convite para ele voltar a dirigir um
filme para cinema com uma temática tão
próxima de seu filme mais conhecido parece não
ser coincidência.
Velozes e Mortais tem como suas duas principais
qualidades um abraço indisfarçável
ao "filme B" (que vai desde o uso dos ambientes e paisagem
a uma narrativa quase totalmente centrada em quatro
personagens - como se não houvesse um mundo em
torno deles) e uma relação de atração
mórbida com os carros, sua velocidade e, acima
de tudo, os efeitos dantescos de acidentes automobilísticos
- no que reside sua maior reminiscência cinematográfica,
com o absolutamente perturbador Crash, de Cronenberg.
Harmon parece se divertir bastante com a primeira característica,
e explora muito visualmente a segunda. De fato, consegue
alguns feitos cinematográficos bastante interessantes
- como centrar sua história num protagonista
absolutamente obcecado e antipático, que só
vai falar sua primeira palavra no filme depois de meia
hora de duração do mesmo. Sua transformação
dos carros em autênticos seres vivos no filme
(até um duelo final motorizado, cuja dinâmica
de filmagem descendo diretamente da tradição
do western) também é muito interessante
- pode-se mesmo argumentar que o autêntico "herói"
do filme é o carro de Caviezel, enquanto o vilão
é definitivamente o Cadillac do assassino.
No entanto, com todos estes pontos de possível,
nem Harmon nem o elenco, ninguém parece especialmente
interessado em levar adiante as questões que
o filme promete levantar - seja temática seja
visualmente. Para além da questão do "filme
B", do filme barato de gênero, há sim uma
latente "enrolação" dos envolvidos, uma
falta de vontade de fazer pouco mais do que recolher
os contracheques e se divertir um pouco enquanto isso.
Eles se divertem um pouco, e nós também.
Mas, fica a inegável sensação de
desperdício de algumas possibilidades para um
belíssimo "filme safado".
Eduardo Valente
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