Velozes e Mortais
Robert Harmon, Highwaymen, Canadá, 2003

No início do filme, o espectador fica confuso: a julgar pelos créditos e seu grafismo modernoso podemos pensar que entramos por acaso numa sessão de Seven. Logo depois, quando vemos uma primeira sequência inteira com Jim Caviezel correndo em câmera lenta, lembramos da Paixão de Cristo (cujo sucesso é a razão clara, aliás, por trás do lançamento deste filme aqui no circuito comercial). Não é por acaso: na medida em que evolui, Velozes e Mortais vai nos lembrar mesmo de inúmeros filmes (dos quais o menos pertinente é aquele que o título brasileiro tenta emular - Velozes e Furiosos), e não parece ser a menor das razões para isso o fato de seu diretor ter ficado conhecido por aqui com o clássico dos anos 80 do "terror de estrada" A Morte Pede Carona. Como desde então Harmon esteve quase completamente exilado na TV, o convite para ele voltar a dirigir um filme para cinema com uma temática tão próxima de seu filme mais conhecido parece não ser coincidência.

Velozes e Mortais tem como suas duas principais qualidades um abraço indisfarçável ao "filme B" (que vai desde o uso dos ambientes e paisagem a uma narrativa quase totalmente centrada em quatro personagens - como se não houvesse um mundo em torno deles) e uma relação de atração mórbida com os carros, sua velocidade e, acima de tudo, os efeitos dantescos de acidentes automobilísticos - no que reside sua maior reminiscência cinematográfica, com o absolutamente perturbador Crash, de Cronenberg. Harmon parece se divertir bastante com a primeira característica, e explora muito visualmente a segunda. De fato, consegue alguns feitos cinematográficos bastante interessantes - como centrar sua história num protagonista absolutamente obcecado e antipático, que só vai falar sua primeira palavra no filme depois de meia hora de duração do mesmo. Sua transformação dos carros em autênticos seres vivos no filme (até um duelo final motorizado, cuja dinâmica de filmagem descendo diretamente da tradição do western) também é muito interessante - pode-se mesmo argumentar que o autêntico "herói" do filme é o carro de Caviezel, enquanto o vilão é definitivamente o Cadillac do assassino.

No entanto, com todos estes pontos de possível, nem Harmon nem o elenco, ninguém parece especialmente interessado em levar adiante as questões que o filme promete levantar - seja temática seja visualmente. Para além da questão do "filme B", do filme barato de gênero, há sim uma latente "enrolação" dos envolvidos, uma falta de vontade de fazer pouco mais do que recolher os contracheques e se divertir um pouco enquanto isso. Eles se divertem um pouco, e nós também. Mas, fica a inegável sensação de desperdício de algumas possibilidades para um belíssimo "filme safado".


Eduardo Valente