O Clube do Imperador
Michael Hoffman, The Emperor's club, EUA, 2002

O Clube do Imperador pretende se deter sobre a decadência da civilização ocidental, a partir de vinte e cinco anos de conflito (de 1976 a 2001) entre William Hundert (Kevin Kline), professor de História Clássica, e o aluno rebelde Sedgewick Bell (Emile Hirsch). Proposta que naufraga em virtude do enfoque conservador de Michael Hoffman, que põe a culpa na falta de caráter das novas gerações e que isola o microcosmo da escola norte-americana Saint Benedict a ponto de eliminar qualquer referência à realidade exterior.

Hoffman se destacou no cinema em 1995, com O Outro Lado da Nobreza, cuja exuberância visual – sobretudo quanto à inusitada mistura de diversos períodos estéticos na confecção dos cenários e dos figurinos – está a serviço do convencional drama envolvendo o médico Robert Merivel (Robert Downey Jr.) que, de agregado à corte de Charles II, encontra a liberdade no amor que devota à filha. Em O Outro Lado da Nobreza, já se faz notar a pouca preocupação de Hoffman pelo contexto histórico e político vivenciado por seus personagens, uma vez que o fascinante momento da Restauração (retorno ao Absolutismo na Inglaterra, de 1661 a 1688, com Charles II, da dinastia Stuart, após a República Puritana de Oliver Crommwell) serve apenas para encarnar as tentações que ameaçam a vida regrada, e de moral rigorosa, a qual Merivel deveria seguir.

Trata-se da questão do caráter, que opõe a retidão interior às pressões luxuriosas externas, como se indivíduo e sociedade estivesses separados, como se não houvesse luta e negociação permanente entre ambos, nos indefiníveis limites onde atuam a afirmação do Eu e a existência do Outro. Em O Clube do Imperador, a opção de Hoffman pelo maniqueísmo se torna ainda mais clara, na medida em que o lema ensinado por Hundert diz aos alunos que no caráter está inscrito o destino: relação simplista de causa-e-efeito, que enxerga na ontologia do Ser uma força mística, misteriosa e absurda que independe do mundo circundante e que coloca tema tão intenso (o declínio civilizatório) como mera conseqüência dos deturpados princípios da nova geração, simbolizada em Sedgewick Bell.

Assim, se em O Outro Lado da Nobreza existe certa tentativa (mesmo que tendenciosa) de conectar os conflitos pessoais à realidade exterior, em O Clube do Imperador ela desaparece, pois o fim da civilização ocidental, segundo Hoffman, passa somente pela não obediência aos valores arcaicos de harmonia e equilíbrio herdados da Antigüidade Greco-Latina. Porém, idealizados ao extremo por Hundert, estes valores negam abordagens históricas contemporâneas as quais se preocupam com a análise das forças sócio-econômicas e culturais que, em determinadas sociedades, foram capazes de construir e tornar verdadeiras e dominantes estruturas particulares de pensamento, ao contrário do método retrógrado, exaltado no filme, que desconsidera o relativismo e parte para a universalização, tomando como absolutas as idéias que defende, sem qualquer senso crítico.

Enclausurados em um passado nostálgico que apaga o tempo presente da ação, os personagens de O Clube do Imperador estão igualmente fechados em um espaço idílico e afastado do real: Saint Benedict. Desse modo, são duvidosas (para dizer o mínimo) as intenções de Hoffman de filmar a decadência do Ocidente, visto que ele se encontra restrito a alunos e professores de condições econômicas privilegiadas – parcela ínfima, portanto, de nossa civilização –, além de jamais se referir aos acontecimentos que marcaram a sociedade americana no período compreendido no filme, como a Guerra do Vietnã, os movimentos de contra-cultura, o retorno conservador de Reagan e sua política de reaquecimento da Guerra Fria, o fim do comunismo, a globalização econômica e o império das grandes corporações, pois não se integram ao recorte escolhido pelo cineasta, que exclui tudo que seja externo ao mundinho de Saint Benedict.

Sobre o término da civilização (de um tipo de civilização, já que outro está nascendo nos escombros), recomenda-se ver O Leopardo, em que Luchino Visconti mostra a decadência da nobreza siciliana pelos olhos do príncipe Salinas (Burt Lancaster), mas em detrimento da emergência burguesa em meio à unificação italiana, da qual também participam os Camisas Vermelhas de Garibaldi. A respeito da realidade americana que Hoffman se recusa a apresentar, dois marcos dos anos setenta, A Conversação e Um Lance no Escuro, nos quais Francis Ford Coppola e Arthur Penn, respectivamente, retratam o clima de paranóia e de desconfiança generalizada advinda com a derrota no Vietnã e com o escândalo Watergate, que abalaram o até então inquestionável poderio dos EUA, cerceando os direitos individuais conquistados nas décadas anteriores.

O Leopardo, A Conversação e Um Lance no Escuro são infinitamente superiores a O Clube do Imperador, outro exercício de Michael Hoffman para demonstrar seu apreço em viver dentro de uma bolha de plástico.


Paulo Ricardo de Almeida