O Clube do Imperador pretende
se deter sobre a decadência da civilização
ocidental, a partir de vinte e cinco anos de conflito
(de 1976 a 2001) entre William Hundert (Kevin Kline),
professor de História Clássica, e o aluno
rebelde Sedgewick Bell (Emile Hirsch). Proposta que
naufraga em virtude do enfoque conservador de Michael
Hoffman, que põe a culpa na falta de caráter
das novas gerações e que isola o microcosmo
da escola norte-americana Saint Benedict a ponto de
eliminar qualquer referência à realidade
exterior.
Hoffman se destacou no cinema em 1995, com O Outro
Lado da Nobreza, cuja exuberância visual –
sobretudo quanto à inusitada mistura de diversos
períodos estéticos na confecção
dos cenários e dos figurinos – está a
serviço do convencional drama envolvendo o médico
Robert Merivel (Robert Downey Jr.) que, de agregado
à corte de Charles II, encontra a liberdade no
amor que devota à filha. Em O Outro Lado da
Nobreza, já se faz notar a pouca preocupação
de Hoffman pelo contexto histórico e político
vivenciado por seus personagens, uma vez que o fascinante
momento da Restauração (retorno ao Absolutismo
na Inglaterra, de 1661 a 1688, com Charles II, da dinastia
Stuart, após a República Puritana de Oliver
Crommwell) serve apenas para encarnar as tentações
que ameaçam a vida regrada, e de moral rigorosa,
a qual Merivel deveria seguir.
Trata-se da questão do caráter, que opõe
a retidão interior às pressões
luxuriosas externas, como se indivíduo e sociedade
estivesses separados, como se não houvesse luta
e negociação permanente entre ambos, nos
indefiníveis limites onde atuam a afirmação
do Eu e a existência do Outro. Em O Clube do
Imperador, a opção de Hoffman pelo
maniqueísmo se torna ainda mais clara, na medida
em que o lema ensinado por Hundert diz aos alunos que
no caráter está inscrito o destino: relação
simplista de causa-e-efeito, que enxerga na ontologia
do Ser uma força mística, misteriosa e
absurda que independe do mundo circundante e que coloca
tema tão intenso (o declínio civilizatório)
como mera conseqüência dos deturpados princípios
da nova geração, simbolizada em Sedgewick
Bell.
Assim, se em O Outro Lado da Nobreza existe certa
tentativa (mesmo que tendenciosa) de conectar os conflitos
pessoais à realidade exterior, em O Clube
do Imperador ela desaparece, pois o fim da civilização
ocidental, segundo Hoffman, passa somente pela não
obediência aos valores arcaicos de harmonia e
equilíbrio herdados da Antigüidade Greco-Latina.
Porém, idealizados ao extremo por Hundert, estes
valores negam abordagens históricas contemporâneas
as quais se preocupam com a análise das forças
sócio-econômicas e culturais que, em determinadas
sociedades, foram capazes de construir e tornar verdadeiras
e dominantes estruturas particulares de pensamento,
ao contrário do método retrógrado,
exaltado no filme, que desconsidera o relativismo e
parte para a universalização, tomando
como absolutas as idéias que defende, sem qualquer
senso crítico.
Enclausurados em um passado nostálgico que apaga
o tempo presente da ação, os personagens
de O Clube do Imperador estão igualmente
fechados em um espaço idílico e afastado
do real: Saint Benedict. Desse modo, são duvidosas
(para dizer o mínimo) as intenções
de Hoffman de filmar a decadência do Ocidente,
visto que ele se encontra restrito a alunos e professores
de condições econômicas privilegiadas
– parcela ínfima, portanto, de nossa civilização
–, além de jamais se referir aos acontecimentos
que marcaram a sociedade americana no período
compreendido no filme, como a Guerra do Vietnã,
os movimentos de contra-cultura, o retorno conservador
de Reagan e sua política de reaquecimento da
Guerra Fria, o fim do comunismo, a globalização
econômica e o império das grandes corporações,
pois não se integram ao recorte escolhido pelo
cineasta, que exclui tudo que seja externo ao mundinho
de Saint Benedict.
Sobre o término da civilização
(de um tipo de civilização, já
que outro está nascendo nos escombros), recomenda-se
ver O Leopardo, em que Luchino Visconti mostra
a decadência da nobreza siciliana pelos olhos
do príncipe Salinas (Burt Lancaster), mas em
detrimento da emergência burguesa em meio à
unificação italiana, da qual também
participam os Camisas Vermelhas de Garibaldi. A respeito
da realidade americana que Hoffman se recusa a apresentar,
dois marcos dos anos setenta, A Conversação
e Um Lance no Escuro, nos quais Francis Ford
Coppola e Arthur Penn, respectivamente, retratam o clima
de paranóia e de desconfiança generalizada
advinda com a derrota no Vietnã e com o escândalo
Watergate, que abalaram o até então inquestionável
poderio dos EUA, cerceando os direitos individuais conquistados
nas décadas anteriores.
O Leopardo, A Conversação e
Um Lance no Escuro são infinitamente superiores
a O Clube do Imperador, outro exercício
de Michael Hoffman para demonstrar seu apreço
em viver dentro de uma bolha de plástico.
Paulo Ricardo de Almeida
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