É muito fácil encontrar
problemas em Como se Fosse a Primeira Vez: desde
o começo, com um cenário de comercial
de chinelos (o filme foi rodado no Hawaii), até
o desenrolar um tanto simplista e esquemático
dos personagens - passando por uma trilha que apesar
de poucos acertos (Paul McCartney, Beach Boys) é
repleta de regravações de hits do passado
que variam do medíocre ao medonho. Fica complicado
se envolver ouvindo tanto lixo fonográfico. O
filme promete, ainda, enveredar pelo mais hediondo caminho
da manipulação de um personagem. No entanto,
ao final da projeção, é difícil
não se estar sorrindo; simplesmente porque o
filme, afinal das contas, é sobre a busca da
felicidade e, conseqüentemente, da vida.
Harry (Adam Sandler) é um veterinário
que sempre se envolve com turistas, para não
criar vínculos. Apaixona-se à primeira
vista por Lucy (Drew Barrymore), uma garota que, após
um acidente, sofre da impossibilidade de se lembrar
de acontecimentos recentes. Como em Feitiço
do Tempo, ela está presa a um dia, o dia
do acidente quase fatal. Só que, ao contrário
do filme de Harold Ramis, não pertence a ela
o poder de se livrar dessa prisão. Pai e irmão
constróem uma vida de mentira para que ela não
perceba o que lhe aconteceu - e é aí que
o filme ameaça se transformar numa imensa sacanagem
com sua personagem. Mas o filme de Segal vai para outro
lado, e o que parecia sadismo torna-se uma simpática
jornada pela conquista amorosa de Drew Barrymore, captada
por uma lente que faz justiça a seu sorriso.
E que sorriso. Em sua primeira aparição,
tomando café na lanchonete de todos os dias,
quando ela sorri pela primeira vez para Harry, a luz
se faz e temos a notória impressão de
que o filme é dela - uma estrela filmada pela
primeira vez (porque fica difícil lembrar de
um filme que tenha captado aquele primeiro sorriso).
Logo depois descobrimos, junto com Harry, o problema
que ele tem que enfrentar se quiser amá-la. Ele
quer, justo ele, tão avesso a compromissos, e
para isso tenta desmontar o esquema de mentiras montado
pelo pai. Tudo se inverte, e Segal faz com que o espectador
sofra com Harry, destinado a reconquistar sua amada
a cada dia. Após a primeira noite de sexo, após
inúmeros primeiros beijos, temos o momento chave
do filme, aquele que nos diz com todas as letras como
devemos encará-lo: quando a câmera começa
a descer pela janela, indo de encontro ao casal dormindo
numa manhã ensolarada, percebemos como o filme
dá conta da tristeza de Harry. O simples movimento
de câmera nos leva a essa constatação,
saindo da luz que vem da manhã, partindo para
a quase penumbra do lençol. No despertar, o horror
de ter na sua cama um estranho. Ou, sob o ponto de vista
adotado por Segal (e por qualquer outro homem), o horror
de se tornar um estranho. Este é um movimento
que vale muitos filmes, e que mostra a capacidade de
Segal, realizador anteriormente mediano mas que sempre
teve seus momentos (seja no besteirol da série
Corra que a Polícia Vem Aí, seja
na angustiante comédia Tratamento de Choque):
um artesão que escondia suas habilidades.
O filme é muito triste (apesar de não
parecer) mas nem por isso se perde em choramingos com
a dureza da vida - vai atrás da sua felicidade,
e para isso deve-se notar o uso perfeito da música
dos Beach Boys, "Wouldn’t it Be Nice". A grande
sacada foi perceber o quanto as canções
do grupo são tristes, apesar de terem sido criadas
debaixo do sol da Califórnia, com vista para
o mar, e de suas melodias assobiáveis. A canção
cabe perfeitamente como tema do casal: uma busca por
algo que não se tem, mas que parece possível.
Dessa busca, apesar dos inúmeros e inevitáveis
acidentes de percurso, nasce um filme pulsante e agradável
de se ver.
Sérgio Alpendre
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