Na
sequência de abertura, Por um Triz já
deixa claro que está bastante consciente da herança
do gênero com o qual irá mexer (o "film
noir"), e que pretende prestar o que considera ser ao
mesmo tempo uma homenagem, uma atualização,
e uma espécie de sátira (não-paródica,
diga-se). Neste sentido, é especialmente interessante
o jogo étnico-racial que o diretor Franklin (ele
mesmo um cineasta negro, e que já havia trabalhado
com uma homenagem-retomada do gênero, com o mesmo
Denzel Washington como protagonista, em O Diabo Veste
Azul) utiliza nesta sua encenação
passada na Flórida: os protagonistas são
negros e latinos, e os dois homens brancos surgem como
os principais vilões (e um deles ainda era Super-Homem
na TV!). Além desta sacada, também é
interessante a utilização quase supra-real
(como deixam antever os estilizados créditos
iniciais) da luz e das locações da Flórida
tórrida e suada.
Contando com estes elementos, e com uma disposição
bastante acentuada para a brincadeira de gato-e-rato
entre espectador e personagens (que se aproxima mais,
em alguns momentos, do Sem Saída de Roger
Donaldson, interpretado por Kevin Costner), o filme
de Franklin diverte por um bom tempo. Mas, é
inegável que quão mais perto chega do
seu desfecho, mais desinteressante se torna. As piadas
(tanto as assumidas que têm seu melhor
momento no comentário racial feito pela "identificação
visual" de Washington por uma vizinha branca ,
quanto as não) já não têm
a mesma graça, os "gimmick" narrativos já
estão por demais entregues, o ritmo já
não funciona tanto assim. Com isso, o espectador
pode começar a perceber que o filme, extremamente
talentoso no seu estilo, não se baseia num só
personagem realmente carismático; e principalmente
que as relações entre estes não
possuem mais qualquer interesse de fato, tendo eles
se tornado meros marionetes de exposição
de talento do roteirista e do diretor.
É uma pena, porque tanto o enorme talento de
Washington como a beleza inacreditável de Eva
Mendes (que faz uma deliciosamente inverossímil
investigadora) permitiriam muito mais aproveitamentos
do que o filme termina fazendo de seus personagens e
sua relação, que nunca decola e deveria
ser o centro do filme. E, ao final, de um filme que
começa nos vendendo um protagonista que trai
a esposa, larga o expediente como policial para beber
cerveja e transar com a amante, e rouba dinheiro apreendido
numa prisão, resta apenas um filme que afirma
o casamento como valor maior (ainda que, no caso de
ser com Mendes, isso seja compreensível), o adultério
como pecado a ser expiado, e acima de tudo, os bons
sentimentos acima de qualquer lucro pessoal. Filme este
que até diverte em muitos momentos, mas cuja
permanência após o acender das luzes é
quase igual a zero.
Eduardo Valente
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