POR UM TRIZ
Carl Franklin, Out Of Time, EUA, 2003

Na sequência de abertura, Por um Triz já deixa claro que está bastante consciente da herança do gênero com o qual irá mexer (o "film noir"), e que pretende prestar o que considera ser ao mesmo tempo uma homenagem, uma atualização, e uma espécie de sátira (não-paródica, diga-se). Neste sentido, é especialmente interessante o jogo étnico-racial que o diretor Franklin (ele mesmo um cineasta negro, e que já havia trabalhado com uma homenagem-retomada do gênero, com o mesmo Denzel Washington como protagonista, em O Diabo Veste Azul) utiliza nesta sua encenação passada na Flórida: os protagonistas são negros e latinos, e os dois homens brancos surgem como os principais vilões (e um deles ainda era Super-Homem na TV!). Além desta sacada, também é interessante a utilização quase supra-real (como deixam antever os estilizados créditos iniciais) da luz e das locações da Flórida tórrida e suada.

Contando com estes elementos, e com uma disposição bastante acentuada para a brincadeira de gato-e-rato entre espectador e personagens (que se aproxima mais, em alguns momentos, do Sem Saída de Roger Donaldson, interpretado por Kevin Costner), o filme de Franklin diverte por um bom tempo. Mas, é inegável que quão mais perto chega do seu desfecho, mais desinteressante se torna. As piadas (tanto as assumidas – que têm seu melhor momento no comentário racial feito pela "identificação visual" de Washington por uma vizinha branca –, quanto as não) já não têm a mesma graça, os "gimmick" narrativos já estão por demais entregues, o ritmo já não funciona tanto assim. Com isso, o espectador pode começar a perceber que o filme, extremamente talentoso no seu estilo, não se baseia num só personagem realmente carismático; e principalmente que as relações entre estes não possuem mais qualquer interesse de fato, tendo eles se tornado meros marionetes de exposição de talento do roteirista e do diretor.

É uma pena, porque tanto o enorme talento de Washington como a beleza inacreditável de Eva Mendes (que faz uma deliciosamente inverossímil investigadora) permitiriam muito mais aproveitamentos do que o filme termina fazendo de seus personagens e sua relação, que nunca decola e deveria ser o centro do filme. E, ao final, de um filme que começa nos vendendo um protagonista que trai a esposa, larga o expediente como policial para beber cerveja e transar com a amante, e rouba dinheiro apreendido numa prisão, resta apenas um filme que afirma o casamento como valor maior (ainda que, no caso de ser com Mendes, isso seja compreensível), o adultério como pecado a ser expiado, e acima de tudo, os bons sentimentos acima de qualquer lucro pessoal. Filme este que até diverte em muitos momentos, mas cuja permanência após o acender das luzes é quase igual a zero.


Eduardo Valente