O HERÓI DA FAMÍLIA
Douglas McGrath, Nicholas Nickelby, EUA/Inglaterra/Alemanha/Hoanda, 2002

O Herói da Família se inicia com a juventude de Nicholas Nickleby (o inexpressivo Charlie Hunnam) narrada por Vincent Crummles, dono da companhia teatral em que o protagonista se abriga ao fugir do maléfico Wackford Squeers. Premissa que poderia resultar em interessante leitura sobre o poder da arte e da representação, caso o diretor e roteirista Douglas McGrath (de Emma) não se escondesse por trás do nome de Charles Dickens para realizar mais uma adaptação literária pretensamente fiel ao autor, mas que, na verdade, serve apenas para tornar conhecidos o diretor de arte e o figurinista.

Abandonando o começo promissor, McGrath rapidamente retorna à convencional narrativa em terceira pessoa, a fim de acompanhar, com suposta imparcialidade, a história tal como contada por Dickens. Para corroborar sua opção pela reverência ao clássico, o cineasta se cerca de todos os clichês que, em teoria, garantem o sucesso artístico deste tipo de produção, a saber, fidelidade ao texto original (pronunciado britanicamente), reconstituição histórica apurada e elenco de apoio com a nata do teatro inglês (e, de fato, Tom Courtenay rouba todas as cenas como Newman Noggs).

Porém, reverência, em adaptações literárias para o cinema, não passa de eufemismo para covardia, uma vez que representa a incapacidade do diretor em estabelecer diálogo criativo e inovador com a obra na qual se baseia. Em O Herói da Família, McGrath simplesmente executa um compêndio das situações mais importantes presentes no romance, para mostrar quão fiéis são os diálogos, os cenários, as roupas e as atitudes dos personagens durante o filme.

Correto na aparência, mas pobre no conteúdo, O Herói da Família toca, com a superficialidade e com a rapidez das leituras dinâmicas, nos temas levantados e criticados por Dickens: a questão trabalhista e o abismo entre as classes gerados pela Revolução Industrial, a ganância pelo dinheiro e pelo poder (e a capacidade do bem, encarnado no protagonista, de florescer na lama da sociedade), a natureza rousseauniana oposta à corrupção da cidade, os menores abandonados, os maus tratos nas escolas, enfim, o contexto sócio-político-econômico da Inglaterra do século XIX, em que Nicholas Nickleby se encontra mergulhado e contra o qual luta em busca da felicidade.

Ser feliz, para Nickleby, significa assegurar o sustento da mãe e da irmã, estar junto à amada e fazer justiça a seu melhor amigo e companheiro de aventuras, Smike (Jamie Bell). No entanto, McGrath é incapaz de articular as três esferas da vida do herói, pois o centramento excessivo na relação de amizade entre Nicholas e Smike reduz tanto as tramas paralelas que envolvem Kate, a irmã, e Madeline, a futura esposa, que acaba por anular a participação do antagonista, na pele do sub-aproveitado Christopher Plummer: como Ralph Nickleby é o responsável por explorar Kate e Madeline, e como as histórias das duas quase não aparecem na tela, o impacto da ligação que envolve Smike e o tio de Nicholas submerge em face da insignificância do vilão.

Portanto, melhor continuar com The Life and Adventures of Nicholas Nickleby, de 1947 (exibido pelo Telecine Classic dois anos atrás), na qual a onipresença de Ralph Nickleby, em interpretação notável de Cedric Hardwicke, é proporcionada por Alberto Cavalcanti, na medida em que sua versão para o clássico de Dickens dá a mesma importância para a relação do herói com a família, com Madeline e com Smike.


Paulo Ricardo de Almeida