O
Herói da Família se inicia com a juventude
de Nicholas Nickleby (o inexpressivo Charlie Hunnam)
narrada por Vincent Crummles, dono da companhia teatral
em que o protagonista se abriga ao fugir do maléfico
Wackford Squeers. Premissa que poderia resultar em interessante
leitura sobre o poder da arte e da representação,
caso o diretor e roteirista Douglas McGrath (de Emma)
não se escondesse por trás do nome de
Charles Dickens para realizar mais uma adaptação
literária pretensamente fiel ao autor, mas que,
na verdade, serve apenas para tornar conhecidos o diretor
de arte e o figurinista.
Abandonando o começo promissor, McGrath rapidamente
retorna à convencional narrativa em terceira
pessoa, a fim de acompanhar, com suposta imparcialidade,
a história tal como contada por Dickens. Para
corroborar sua opção pela reverência
ao clássico, o cineasta se cerca de todos os
clichês que, em teoria, garantem o sucesso artístico
deste tipo de produção, a saber, fidelidade
ao texto original (pronunciado britanicamente), reconstituição
histórica apurada e elenco de apoio com a nata
do teatro inglês (e, de fato, Tom Courtenay rouba
todas as cenas como Newman Noggs).
Porém, reverência, em adaptações
literárias para o cinema, não passa de
eufemismo para covardia, uma vez que representa a incapacidade
do diretor em estabelecer diálogo criativo e
inovador com a obra na qual se baseia. Em O Herói
da Família, McGrath simplesmente executa
um compêndio das situações mais
importantes presentes no romance, para mostrar quão
fiéis são os diálogos, os cenários,
as roupas e as atitudes dos personagens durante o filme.
Correto na aparência, mas pobre no conteúdo,
O Herói da Família toca, com a
superficialidade e com a rapidez das leituras dinâmicas,
nos temas levantados e criticados por Dickens: a questão
trabalhista e o abismo entre as classes gerados pela
Revolução Industrial, a ganância
pelo dinheiro e pelo poder (e a capacidade do bem, encarnado
no protagonista, de florescer na lama da sociedade),
a natureza rousseauniana oposta à corrupção
da cidade, os menores abandonados, os maus tratos nas
escolas, enfim, o contexto sócio-político-econômico
da Inglaterra do século XIX, em que Nicholas
Nickleby se encontra mergulhado e contra o qual luta
em busca da felicidade.
Ser feliz, para Nickleby, significa assegurar o sustento
da mãe e da irmã, estar junto à
amada e fazer justiça a seu melhor amigo e companheiro
de aventuras, Smike (Jamie Bell). No entanto, McGrath
é incapaz de articular as três esferas
da vida do herói, pois o centramento excessivo
na relação de amizade entre Nicholas e
Smike reduz tanto as tramas paralelas que envolvem Kate,
a irmã, e Madeline, a futura esposa, que acaba
por anular a participação do antagonista,
na pele do sub-aproveitado Christopher Plummer: como
Ralph Nickleby é o responsável por explorar
Kate e Madeline, e como as histórias das duas
quase não aparecem na tela, o impacto da ligação
que envolve Smike e o tio de Nicholas submerge em face
da insignificância do vilão.
Portanto, melhor continuar com The Life and Adventures
of Nicholas Nickleby, de 1947 (exibido pelo Telecine
Classic dois anos atrás), na qual a onipresença
de Ralph Nickleby, em interpretação notável
de Cedric Hardwicke, é proporcionada por Alberto
Cavalcanti, na medida em que sua versão para
o clássico de Dickens dá a mesma importância
para a relação do herói com a família,
com Madeline e com Smike.
Paulo Ricardo de Almeida
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