MÁSCARA NEGRA 2
Tsui Hark, Black Mas2: City Of Ghosts / Hak Hap 2, EUA, 2002

Antes do filme, uma rápida contextualização: originalmente concebido para ser dirigido por um de seus diretores de contrato, como fora o primeiro Máscara Negra, um dos primeiros filmes com Jet Li a ganhar espaço internacional, em que Tsui mais ou menos coordena o filme. Após o fiasco financeiro de The Legend of Zu, filme para o qual a Miramax havia liberado uma fortuna para Hark filmar – e não recuperando nada –, ele resolve assumir o projeto de Máscara Negra 2, tentando provar que poderia fazer um filme mais comerciável. Normal então o sentimento de se ir esperando pouco do filme, mas o fato é que Tsui tem como seu melhor trunfo saber filmar de uma maneira única, e mesmo em um projeto nada pessoal como este, sua marca vai muito além da simples autoralidade, dá forma e conteúdo ao filme que a princípio (argumento, roteiro) não se poderia aguardar.

Efeitos baratos e roteiro picareta se espalham por todos os lados: os criadores do Máscara Negra (Andy On, que substitui Jet Li) querem capturá-lo, ao mesmo tempo que uma organização que controla uma espécie de centro de luta livre começa a fazer experimentos com mutações de DNA de animais nos lutadores (!), até que um deles – o ‘iguano’ – perde controle, causando um estardalhaço com mortes e a imprensa, sendo detido pelo Máscara Negra. A partir daí, uma chuva de efeitos baratos mas sempre presentes serão pano de fundo para que Tsui explore o envolvimento do herói com os lutadores e sua luta sempre ambígua entre enfrentarem Moloch, o criador das mutações, ou seguirem seus planos, que levariam a criação de uma bomba de DNA que causaria uma mutação em massa para a raça humana – ainda a espaço para Tsui desenvolver um divertido romance entre Máscara Negra e uma médica que irá ajuda-lo, a amizade que nasce entre o herói e o filho de um dos lutadores que fora hospitalizado, e dar vazão para uma estranha ligação com os X-Men (seja quadrinhos, desenho ou filme), principalmente pelo filme ir no caminho oposto de certa forma no tratamento do tema, que surge de maneira muito diferente aqui. Parece um grande caldeirão, mas é importante para o filme essa estrutura enorme e cheia de personagens – em alguns momentos se fica em dúvida se o Máscara Negra seria mesmo o protagonista – onde se há espaço para que o filme não caia numa vaga repetição, onde Hark pode explorar os mais variados tipos de confrontos e relacionamentos.

Impressiona também que Hark consiga ir além de um uso inteligente do scope para as cenas de ação, sua capacidade de não trair suas próprias crenças mesmo nas cenas mais simples como as de alivio cômico ou que pareçam estar ali apenas para que a trama possa continuar (como as várias cenas onde os lutadores desconfiam de seu chefe, ou do criador de MN dando as mesmas ordens pela segunda vez, cena em que Tsui ainda usa o maior número de efeitos especiais do filme, dando margem até à uma alusão direta aos cartuns). Não se trata de um dos grandes feitos de Tsui, fica claro em diversos momentos que por maiores que sejam os esforços do cineasta, nada é muito pessoal, quase que um trabalho de diretor de contrato (só que um contratado de si mesmo), mas fica claro neste filme as diferenças de quando Tsui simplesmente coordena estes filmes que produz (em caso mais recente vale olhar Caçadores de Vampiros de Tsui Hark, chegado nas locadoras há alguns poucos meses), para quando ele de fato está no comando – sua maneira de olhar (conseqüentemente de filmar) se faz presente, mudando até mesmo as relações de seus personagens que a priori soavam óbvios, como a Camaleoa de Traci Lords, os inserindo direto na proposta do filme.

O clímax do filme, fragmentado em mais de um ponto onde ação ocorre mostra que Tsui mesmo sendo um cineasta que se preza de estar pouco necessitado de uma narrativa mais presente, é totalmente capaz de exibir controle sobre o aspecto narrativo, montando o filme – e vale dizer que ele faz questão de ter total controle sobre a montagem de todos os seus filmes – de forma a qual a narrativa não soe quebrada, e que os fortes momentos não acabem danificados. Ele imprime força e carisma ao seu protagonista, que aqui é tão ou mais interessante que no filme anterior, indo aos poucos se embaraçando nas subtramas, se deixando envolver naquilo em que se interessa, tal qual Tsui vai aos poucos se interessando cada vez mais pelo filme. Máscara Negra 2 então se situa numa posição bastante curiosa, distante de ser um dos melhores de Tsui Hark, mas um de seus mais interessantes, e reafirmadores da maestria do cineasta.


Guilherme Martins