Com
três rappers e um DJ no núcleo principal
do filme, mostrados em curtos fragmentos verbais e visuais
nos seus ambientes familiares e profissionais, Fala
Tu expõe o esvaziamento do sonho artístico.
É um filme sobre utopias pessoais que, confrontadas
com os efeitos de uma conjuntura social exasperante,
são sabotadas ou inibidas. Na própria
escolha dos entrevistados, está claro o recorte
proposto: em vez de optar pelos astros do rap, ou de
mostrar esse universo cultural como um contraponto positivo
à sedução financeira oferecida
pelo crime em comunidades carentes, a câmera vai
à segunda divisão. E lá a visão
positiva é mais difícil. São homens
e mulheres que, quando não estão atrás
de uns trocados em bicos e subempregos (jogo do bicho,
telefonista, vendedor), expressam angústias nas
letras. Eles falam das dificuldades, de problemas em
casa, de suas biografias, da expectativa de vingarem.
Os “personagens”, mais que singulares, são
sintomáticos. Representam com seus dramas individuais
um estado mais amplo de coisas. São exemplos
de como esboços de talentos podem ir murchando
ao sofrerem golpes da vida ou por não conseguir
saltar os obstáculos. Filme para baixo e de luto,
menos porque assim queira, mais porque assim é.
Distopia tão acentuada que, quando se mostra
alguém pensando grande ou longe, a resistência
pelo otimismo soa ingênua. Assim o documentário
nos induz a sentir.
Na elaboração desse material, predomina
a desorganização. São muitas as
situações despejadas na tela sem sentido
aparente, são vários os momentos nos quais
os personagens são sabotados pelos cortes, são
perceptíveis as desigualdades dramáticas
entre os personagens, são desiguais também
os resultados da aproximação entre os
diretores e seus “objetos”. A montagem picotada
resulta em um reunião de retalhos mal alinhavados:
mostra-se os melhores momentos de cada fala, não
o processo do discurso de cada um. A fragmentação
talvez se deva à necessidade de ir de um foco
narrativo a outro. Fica-se em um zigue-zague que, passado
alguns minutos, deixa a estrutura manca, pois uns são
esquecidos e, de sopetão, um quarto foco entra
em cena, mas só para ser abandonado de vez adiante.
A irregularidade é salientada por um dos entrevistados,
Macarrão, anotador do jogo do bicho em um morro
no Estácio, que se articula com mais vigor e
revolta, portanto, com uma voltagem dramática
que ofusca os demais. E ofuscaria ainda mais se a montagem
não pusesse freio em sua retórica. Também
é dele os melhores momentos obtidos pela postura
observadora da câmera em relação
ao mundo dos entrevistados. As cenas com a esposa, mediada
que seja pela câmera, revelam autenticidade. Macarrão
sugere o bom filme que se deixou de fazer.
Esse bom filme também pode ser vislumbrado nos
trechos em que as entrevistas são substituídas
pelo olhar menos interventor. Por mais que a câmera,
com sua presença, rompa a cotidianidade, tornando
quase impossível a captação de
uma intimidade, pois está ali sendo simulada
para o olhar público, há trechos menos
posados. Eles são fruto tanto do distanciamento
físico da própria câmera, como no
local de trabalho de Macarrão, ou quando as emoções
dos entrevistados superam a encenação,
algo perceptível quando um deles visita o pai
doente no hospital. Sobre o empobrecimento do documentário
brasileiro contemporâneo por conta das entrevistas,
ou pelo menos de seu uso excessivo, o crítico
e professor Jean Claude Bernardet tem se debruçado
em textos e palestras. Como disse em recente debate
com Ismail Xavier, parcialmente transcrito na edição
52 de Contracampo, não se dá a palavra
ao outro nesses casos, pois a palavra do outro é
estimulada e editada pelo autor. Nesse sentido, Fala
Tu, pelo próprio título, é
caso a ser melhor analisado. Pois as falas dos “personagens”
parecem confirmar o que se espera delas para o filme
ter algum sentido. No entanto, apesar do sentido estar
claro, o filme saiu torto.
Cléber Eduardo
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