Robert
Rodriguez resolveu chamar seu filme de Era Uma Vez
no México em homenagem a Sergio Leone. Isto
todos sabemos, mas o mais importante parece ter passado
em branco. O que no filme de Rodriguez o aproxima de
Leone para justificar a homenagem? Tanto Leone quanto
Rodriguez estão interessados em misturar os mesmos
dois elementos: o cinema como arte popular no que ele
tem de mais barato e vulgar; e o mito também
no que ele tem de mais popular, a História -
que se transforma em história oral que é
passada de geração em geração
(nisso alias, o filme é tudo aquilo que Tim Burton
gostaria que seu Peixe Grande tivesse sido).
Desta união, Rodriguez retira um vigoroso exercício
de vitalidade cinematográfica.
A abertura já não deixa duvidas: o El
Mariachi (visto pela ultima vez em A Balada do Pistoleiro)
se tornou mito puro. Só que Era uma Vez no
México não é só a sua
historia, mas a de toda uma galeria de personagens,
cada um deles a se auto-narrar. Rodriguez apresenta-nos
um filme deliberadamente caótico, em que uma
série de histórias parecem em busca de
uma narrativa que nunca chega a se formar por completo.
Mesmo o clímax na revolução (atualização
dos antigos faroestes spaghettis maoístas que
sempre tratavam da revolução mexicana)
não consegue nos clarificar nada, as histórias
se entrelaçam mas só resultam em mais
caos. Não é a toa que o agente da CIA
interpretado por Johnny Depp seja a única personagem
que salta de narrativa em narrativa (ao mesmo tempo
grande manipulador e grande espectador do espetáculo
que se desenrola).
O próprio Rodriguez parece agir num meio termo
entre estimular o caos de um lado e controla com pulso
forte do outro. Seu filme é, à primeira
vista, uma grande bagunça sem pé nem cabeça
- que se revela depois de uma olhar mais cuidadoso surpreendentemente
bem pensado. Rodriguez (que, vale lembrar, é
também roteirista, produtor, montador e fotógrafo
do filme) parece por vezes trabalhar no sentido de lançar
mão de alguns atores em certas situações
para depois se afastar e só assistir as coisas
rolarem em direção ao inesperado (os documentários
que acompanham o DVD confirmam que muito do filme foi
improvisado).
Era Uma Vez no México é um filme
propositalmente vagabundo (não é a toa
que os créditos lêem A Robert Rodriguez
Flick), que passa ao largo do que nós temos
como cinema de bom gosto (e vale dizer que a sensibilidade
de cartoon ultra-violento do filme pede algum esforço
de adaptação por parte do espectador).
Rodriguez joga com diversos significantes de cinema
comercial que ele como espectador adorava, mas não
busca legitimizar nenhum deles. Pelo contrario cada
uma das suas diversas (e geralmente muito bem sucedidas)
idéias só parecem confirmar no filme o
estatuto superficial, feio e meio bobo das imagens de
Rodriguez (o filme parece perguntar e qual o problema
disso?). De certa forma, Rodriguez (como McG antes
dele) termina por reaproximar o cinema dos seus primórdios.
Há algo na liberdade e leveza com que Rodriguez
leva Era Uma Vez no México que lembra
um pouco do melhor do cinema mudo. Assim como a sensação
de que a maior razão do filme existir é
porque o diretor queria se reunir com amigos e se divertir
um pouco remete aos filmes de Howard Hawks. Não
é difícil fazer o mesmo.
Filipe Furtado
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