ERA UMA VEZ NO MÉXICO
Robert Rodriguez, Once Upon a Time in Mexico, EUA, 2003

Robert Rodriguez resolveu chamar seu filme de Era Uma Vez no México em homenagem a Sergio Leone. Isto todos sabemos, mas o mais importante parece ter passado em branco. O que no filme de Rodriguez o aproxima de Leone para justificar a homenagem? Tanto Leone quanto Rodriguez estão interessados em misturar os mesmos dois elementos: o cinema como arte popular no que ele tem de mais barato e vulgar; e o mito também no que ele tem de mais popular, a História - que se transforma em história oral que é passada de geração em geração (nisso alias, o filme é tudo aquilo que Tim Burton gostaria que seu Peixe Grande tivesse sido). Desta união, Rodriguez retira um vigoroso exercício de vitalidade cinematográfica.

A abertura já não deixa duvidas: o El Mariachi (visto pela ultima vez em A Balada do Pistoleiro) se tornou mito puro. Só que Era uma Vez no México não é só a sua historia, mas a de toda uma galeria de personagens, cada um deles a se auto-narrar. Rodriguez apresenta-nos um filme deliberadamente caótico, em que uma série de histórias parecem em busca de uma narrativa que nunca chega a se formar por completo. Mesmo o clímax na revolução (atualização dos antigos faroestes spaghettis maoístas que sempre tratavam da revolução mexicana) não consegue nos clarificar nada, as histórias se entrelaçam mas só resultam em mais caos. Não é a toa que o agente da CIA interpretado por Johnny Depp seja a única personagem que salta de narrativa em narrativa (ao mesmo tempo grande manipulador e grande espectador do espetáculo que se desenrola).

O próprio Rodriguez parece agir num meio termo entre estimular o caos de um lado e controla com pulso forte do outro. Seu filme é, à primeira vista, uma grande bagunça sem pé nem cabeça - que se revela depois de uma olhar mais cuidadoso surpreendentemente bem pensado. Rodriguez (que, vale lembrar, é também roteirista, produtor, montador e fotógrafo do filme) parece por vezes trabalhar no sentido de lançar mão de alguns atores em certas situações para depois se afastar e só assistir as coisas rolarem em direção ao inesperado (os documentários que acompanham o DVD confirmam que muito do filme foi improvisado).

Era Uma Vez no México é um filme propositalmente vagabundo (não é a toa que os créditos lêem A Robert Rodriguez Flick), que passa ao largo do que nós temos como cinema de bom gosto (e vale dizer que a sensibilidade de cartoon ultra-violento do filme pede algum esforço de adaptação por parte do espectador). Rodriguez joga com diversos significantes de cinema comercial que ele como espectador adorava, mas não busca legitimizar nenhum deles. Pelo contrario cada uma das suas diversas (e geralmente muito bem sucedidas) idéias só parecem confirmar no filme o estatuto superficial, feio e meio bobo das imagens de Rodriguez (o filme parece perguntar e qual o problema disso?). De certa forma, Rodriguez (como McG antes dele) termina por reaproximar o cinema dos seus primórdios. Há algo na liberdade e leveza com que Rodriguez leva Era Uma Vez no México que lembra um pouco do melhor do cinema mudo. Assim como a sensação de que a maior razão do filme existir é porque o diretor queria se reunir com amigos e se divertir um pouco remete aos filmes de Howard Hawks. Não é difícil fazer o mesmo.

Filipe Furtado