DUPLEX
Danny De Vito, Duplex, EUA, 2003

Sabemos de antemão o que encontraremos em Duplex. A simples observação do cartaz do filme nos dá uma idéia do tipo de humor negro, ainda mais quando atentamos para o fato do filme contar com a direção de Danny DeVito – pródigo em ironias e homenagens a filmes e cultura pop, um Joe Dante menos amalucado. Essa previsibilidade, no entanto, longe de prejudicar o filme, coloca-o em uma confortável posição de exercício de gênero, tornando seus méritos mais evidentes, desde que se conheça as regras do humor negro a serem respeitadas (ou não), e seus eventuais problemas (esquematismo do roteiro e obviedade da encenação) mais fáceis de se relativizar. No prólogo inicial, um desenho animado narrando a procura de um apartamento por um casal, nos fornece tudo que vamos encontrar, desde piadas escatológicas e de mau gosto até situações de violência digna de desenhos do Pica-Pau (que, aliás, é citado numa passagem muito inteligente no uso do som off).

Quem acompanha a carreira de DeVito vai perceber elementos constantes em quase todos os filmes anteriores, notadamente em A Guerra dos Roses e Jogue a Mamãe do Trem. Pode-se dizer, com certa liberdade, que Duplex é um cruzamento dos dois últimos, acrescido de uma soltura maior nas seqüências cômicas. E de um descompromisso formal que é ao mesmo tempo um trunfo e uma limitação. Não há o menor constrangimento em se trabalhar numa chave perigosa, e muito perto da grosseria, o que dá ao filme uma sensação de que ele irá degringolar a qualquer momento. O que nunca acontece, graças à direção segura de DeVito.

Estruturalmente, pode-se dizer que a trama do filme segue a cartilha de A Guerra dos Roses, seu filme mais badalado. Instala-se uma situação de sonho, com um casal feliz, que vai evoluindo para o caos incontornável. Ao alugar um duplex no Brooklin, eles sabiam que teriam que dividí-lo com uma senhora de quase 100 anos que se recusava a abandonar a parte de cima do apartamento. Aos poucos, claro, essa senhora revela-se uma pedra no sapato, com exigências absurdas e uma vontade incomum de fazer barulho, sobretudo de madrugada. Já se espera, vindo de DeVito, que a situação de subordinação do casal aos caprichos da idosa levariam às tentativas de assassinato. Pois é o que acontece, e vêm daí os melhores momentos do filme, com armadilhas dignas do coiote que quer papar o papa-léguas, ou do Dick Vigarista (a arara da senhora chama-se Dick por coincidência?). A trilha de David Newman, colaborador de DeVito desde o primeiro filme para cinema, acentua brilhantemente o clima de cartoon.

Outro momento hilariante é o do duelo das palmas, com Ben Stiller, aproximando as mãos do teto e desligando a TV e a senhora em cima ligando-a de novo, sempre com o bater de palmas – o duelo vai crescendo como numa animação do Pernalonga. A seqüência em que Ben Stiller divide o quadro com a arara também é de tirar o chapéu. Pode-se destacar a proeza de surpreender a platéia, e é exatamente isso que ela quer, como no momento do assassino contratado ("eu sabia que eles trariam um profissional" diz a senhora ao mesmo tempo em que dispara um arpão contra o matador). Por momentos como esses, e por não recuar diante de qualquer possibilidade, mesmo que sob o risco de desagradar o espectador, é que Duplex merece ser descoberto, ainda que possa ser equivocadamente considerado sub-produto dos irmãos Farrelly.


Sérgio Alpendre