Sabemos
de antemão o que encontraremos em Duplex.
A simples observação do cartaz do filme
nos dá uma idéia do tipo de humor negro,
ainda mais quando atentamos para o fato do filme contar
com a direção de Danny DeVito pródigo
em ironias e homenagens a filmes e cultura pop, um Joe
Dante menos amalucado. Essa previsibilidade, no entanto,
longe de prejudicar o filme, coloca-o em uma confortável
posição de exercício de gênero,
tornando seus méritos mais evidentes, desde que
se conheça as regras do humor negro a serem respeitadas
(ou não), e seus eventuais problemas (esquematismo
do roteiro e obviedade da encenação) mais
fáceis de se relativizar. No prólogo inicial,
um desenho animado narrando a procura de um apartamento
por um casal, nos fornece tudo que vamos encontrar,
desde piadas escatológicas e de mau gosto até
situações de violência digna de
desenhos do Pica-Pau (que, aliás, é citado
numa passagem muito inteligente no uso do som off).
Quem acompanha a carreira de DeVito vai perceber elementos
constantes em quase todos os filmes anteriores, notadamente
em A Guerra dos Roses e Jogue a Mamãe
do Trem. Pode-se dizer, com certa liberdade, que
Duplex é um cruzamento dos dois últimos,
acrescido de uma soltura maior nas seqüências
cômicas. E de um descompromisso formal que é
ao mesmo tempo um trunfo e uma limitação.
Não há o menor constrangimento em se trabalhar
numa chave perigosa, e muito perto da grosseria, o que
dá ao filme uma sensação de que
ele irá degringolar a qualquer momento. O que
nunca acontece, graças à direção
segura de DeVito.
Estruturalmente, pode-se dizer que a trama do filme
segue a cartilha de A Guerra dos Roses, seu filme
mais badalado. Instala-se uma situação
de sonho, com um casal feliz, que vai evoluindo para
o caos incontornável. Ao alugar um duplex no
Brooklin, eles sabiam que teriam que dividí-lo
com uma senhora de quase 100 anos que se recusava a
abandonar a parte de cima do apartamento. Aos poucos,
claro, essa senhora revela-se uma pedra no sapato, com
exigências absurdas e uma vontade incomum de fazer
barulho, sobretudo de madrugada. Já se espera,
vindo de DeVito, que a situação de subordinação
do casal aos caprichos da idosa levariam às tentativas
de assassinato. Pois é o que acontece, e vêm
daí os melhores momentos do filme, com armadilhas
dignas do coiote que quer papar o papa-léguas,
ou do Dick Vigarista (a arara da senhora chama-se Dick
por coincidência?). A trilha de David Newman,
colaborador de DeVito desde o primeiro filme para cinema,
acentua brilhantemente o clima de cartoon.
Outro momento hilariante é o do duelo das palmas,
com Ben Stiller, aproximando as mãos do teto
e desligando a TV e a senhora em cima ligando-a de novo,
sempre com o bater de palmas o duelo vai crescendo
como numa animação do Pernalonga. A seqüência
em que Ben Stiller divide o quadro com a arara também
é de tirar o chapéu. Pode-se destacar
a proeza de surpreender a platéia, e é
exatamente isso que ela quer, como no momento do assassino
contratado ("eu sabia que eles trariam um profissional"
diz a senhora ao mesmo tempo em que dispara um arpão
contra o matador). Por momentos como esses, e por não
recuar diante de qualquer possibilidade, mesmo que sob
o risco de desagradar o espectador, é que Duplex
merece ser descoberto, ainda que possa ser equivocadamente
considerado sub-produto dos irmãos Farrelly.
Sérgio Alpendre
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