Há
um jogo de esconde-revela narrativo em Benjamim.
Percebemos isso logo nas quatro primeiras seqüências,
caracterizadas pela passagem de um estado narrativo
a outro, do sonho para a realidade, do presente para
o passado, do real para o imaginário/memória.
Tais rupturas e reordenamentos são menos experimentos
de linguagem, destinados a romper fronteiras entre seus
limites de tempo-espaço/verdade-mentira, e mais
uma forma diferente de organização dos
eventos filmados. Existe uma trama a costurar os distintos
focos narrativos, cujas pontas são deixadas soltas
no início apenas para serem amarradas ao final,
sem possibilitar nenhum estranhamento. Ao contrário
de Estorvo, também adaptado de um romance
de Chico Buarque, no caso por Ruy Guerra, tudo é
disposto para situar o espectador na teia de imagens,
localizá-lo na desordem e lhe dar um mapa para
ele se orientar.
Estorvo negava um chão para se pisar.
Benjamim oferece o conforto do entendimento lógico,
estreito até, e evita o desconforto das dúvidas
e dos questionamentos. O jogo de esconde-revela esconde
pouco e revela demais. Não vamos entrar na comparação
com o livro, lido na época de seu lançamento,
já de lembrança rarefeita, mas a impressão
deixada é que, se nas páginas do romance,
um sentido aglutinador de tudo insistia em escapar,
na tela o quebra-cabeça não deixa peça
sem encaixe. Para cultores de roteiros fechadinhos,
de ações justificadas e relações
de causa e efeito, esse é um trabalhar exemplar,
mas com um truque a modelá-lo. Porque tudo parece
ali planejado para fazer o espectador se sentir inteligente
por ser capaz de decifrar uma arquitetura dramática
intrincada. A questão é que, como o próprio
filme decifra tudo para nós, nada há a
ser decifrado. As conclusões são entregues
na bandeja, mas revestidas de falsa sofisticação.
Se a trama é clara, seu conceito não.
Benjamim parece tatear uma reflexão sobre
os riscos das imagens, mas não tem estofo para
levá-la a cabo. O protagonista-título
é um modelo sessentão (Paulo José).
Afetado por lembranças de uma paixão traumática
de juventude (Cleo Pires), também modelo, ele
tenta reativar o passado ao contato com uma jovem (Cleo
Pires, de novo), funcionária de imobiliária
com possibilidades de virar modelo, em quem vê
a reprodução visual da outra. Benjamim
é só uma imagem e tem fixação
por uma imagem por meio da qual é remetida a
outra. Não se trata de pessoas, de personagens,
mas de signos apenas. Corpos, rostos, bocas. A significação
deles é maleável, seja pelos emissores,
seja pelos receptores. Não há correspondência
direta entre aparência e realidade. Tudo pode
ser simulado, reinventado, adulterado, em jogo de evidências
enganosas. Verdades são versões, ora da
memória e da imaginação, ora de
sujeitos manipuladores. Nessa armadilha de imagens,
o olhar movido pelo desejo é arapuca. Enxerga
apenas o que quer enxergar. Cleo Pires encarna o depósito
desses desejos e olhares manipuláveis em sua
miopia. Cobiçada pelo protagonista e pela maioria
dos homens em cena, ela os fará pagar caro por
eles a verem apenas como fonte de prazer controlável.
Tanto o olhar manipula a imagem como a imagem manipula
o olhar.
Nas relações internas do filme, isso pode
ser válido, mas, na relação filme-espectador,
só a imagem é manipuladora. Já
o olhar de quem vê é apenas manipulado,
sem chance de recriar os sentidos dados. Em seu segundo
longa-metragem, Monique Gardenberg, sem revelar sinais
de evolução em relação a
Jenipapo, fez um filme que, por suas questões
e opções estilísticas, aproxima-se
de uma vertente do cinema paulista dos anos 80, mas
sem tê-lo digerido direito. A tematização
da própria representação é
rasa demais para ser encarada como uma discussão
metacinematográfica. Resulta, portanto, um filme
oco. Não podendo ser assimilado como um olhar
para dentro da própria obra, as imagens são
reduzidas a imagens vazias, sem pulsação,
sem vida, sem verdade, incapazes de transformar os artifícios
em um mundo próprio. Elas apenas deixam ver as
vigas do edifício sem jamais compor um prédio
pronto.
É difícil sentir o sangue correr até
mesmo nos momentos de sensualidade, perseguida por uma
câmera esforçada em erotizar cada centímetro
da pele de Cleo Pires, cujo carisma é implodido
pela insistência em moder o lábio para
fazer charminho. Em parte porque a concepção
cromática, asséptica no presente, dourada
no passado, é de uma cafonice e vulgaridade agressivas.
Busca um imaginário chique que, em dados momentos,
soa como paródia de publicidade, tamanha a disposição
em retirar das imagens qualquer resquício de
vida. Por opção ou equívoco, Benjamim
é um filme amorfo, de embalagem tecnicista
esterilizante, que desejar soar vistoso e ousado, mas
termina por ser impotente e convencional (a seu modo).
Suas imagens cheiram a naftalina com Chanel Número
5.
Cléber Eduardo
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