Entrevista com Nelson Pereira dos Santos



Nelson Pereira dos Santos

Terceira Parte: Anos noventa, modelos de produηγo, projetos futuros.

RG – A gente queria te ouvir falar dos filme recentes, porque é uma produção que faz parte de uma memória seqüestrada, dos anos 90... E a gente queria saber do teu percurso nesse período.

DC – Porque do Memórias... e Jubiabá para A Terceira Margem do Rio tem uma transformação imensa no país...

RG – De modo de produção, inclusive...

NPS – Exatamente...

DC – E isso se reflete muito tanto na parte estética quanto nos seus pontos de vista e propostas...

NPS – É, eu acho que surge muito a visão da decadência. A Terceira Margem... está muito impregnado dessa coisa, de um país misterioso e inexplicável, que tem códigos rígidos e não-escritos. É todo o pensamento do Guimarães Rosa no Primeiras estórias, que foi interpretado pelo Paulo Ronái, e é exatamente isso, a sociedade brasileira não tem instituições. Daí vem toda essa visão da decadência... O cara sai, muda, emigra, vai para a favela, tem os grupos poderosos, a polícia, aquela coisa toda... E sempre com a perspectiva do milagre, e o milagre também, a milagreira desiste... Aí é a minha contribuição, tem que fazer um milagre tão grande... O cara diz "Eu estou com Aids", e aí ela pede para morrer, vai embora...Isso não tem condição, não tem jeito (Nelson ri)... mas o filme também pecou pela produção, não tinha dinheiro, foi uma mão-de-obra fudida, foi muito furada a produção. Mas eu vejo A Terceira Margem... como um outro rascunho, melhor do que Mandacaru..., mas ainda também um filme-rascunho...

RG – Um rascunho para algo que você ainda pensa em fazer?

NPS – Não, não.

RG – Mais como um rascunho de um filme que deveria ter saído diferente?

NPS – É, deveria ter mais condições de produção, equipamentos, para dar força ao que eu estava querendo expressar. A idéia do final era uma chuva que ia cair, ela pedia para chover e então caía uma chuva enorme que derrubava a favela. Isso tá no roteiro, esse roteiro está bonito! (Nelson ri)...Mas como é que vai fazer chover lá no Sobradinho que não tem nem água para beber? Na primeira tentativa, os bombeiros foram lá com uma agüinha (Nelson mostra como se fosse uma chuva fraca)... Não... Aí não dá... Muito, muito... foi difícil, entende?... Mas, de qualquer forma, está lá, está lá o filme.

RG – Bem, é um filme que eu gosto particularmente. Apesar de reconhecer uma lacuna entre o projeto e a realização, acho que você consegue transformar um escritor como Guimarães Rosa, completamente heterogêneo ao seu jeito de filmar, em Nelson, traduzir em Nelson, consegue fazer de um universo completamente diferente do seu um cinema ainda impregnado de real e da vivência das pessoas, com todos os elementos de cultura popular, como o misticismo, a crença numa verdadeira terceira margem do rio, um canoeiro que viaja e desaparece, uma menina que realiza todos esses milagres... O que te moveu a adaptar isso?

DC – Você filmou no período Collor, inclusive, não? No momento de maior perrengue...

NPS – Foi! Não tinha nada, nada. O dinheiro do filme veio da França.

DC – E do Roriz (Joaquim Roriz, governador de Brasília na época), não?

NPS – Depois, já no final, entrou o dinheiro do Roriz, mas foi mixaria, sessenta mil e qualquer coisa... Mas a batalha política para montar aquele pólo... (Nelson ri) Tinha que fazer o making of do filme. Não o making of dos cenários ou da hora de rodar, o making of de bater nas portas para fazer um pólo de cinema, realizar politicamente nas pessoas, falar com não sei quem, pra fazer um pólo de cinema para poder fazer um filme. Agora, então, tem cada making of do caralho, o cara batendo na porta da Petrobras, aí tem uma comissão que vai decidir, e o cara vai para Brasília, para falar com o Andrea Matarazzo, o cara tem um apelido, o apelido dele é Conde...(Nelson ri) tem que falar com o José Álvaro Moisés...(faz cara de quem está sendo esgoelado e ri) não dá não, realmente é demais...não é não? Dá pra fazer um making of fantástico...

DC – É, eu posso contar algumas histórias da produção do Conceição... que rolaram ao longo desses cinco anos...

NPS – E o Casa Grande? Tem o dinheiro de não sei quem, tem que conseguir os direitos que são do fulano...

DC – Marcelo França? Ele ainda está cuidando do filme?

NPS – Não. Ele tinha o projeto do Casa Grande, mas não tinha como produzir... Você imagina a operação burocrática que eu fiz para passar o projeto da empresa dele para a minha, a Regina Filmes... Por quê? Porque eu tinha o dinheiro do projeto do Castro Alves..., que eu passei para o projeto do Casa Grande...Aí acabou o prazo dos direitos que o Marcelo França tinha junto à família do Gilberto, e a gente teve que comprar de novo os direitos. Eu assumi a dívida que tinha na Globosat, que continuou parceira do filme... Olha, o making of seria fantástico...

DC – Anos noventa, chegamos ao Cinema de Lágrimas, que você fez de novo com grana dos franceses...

NPS – Não, dos ingleses...

DC – Ah, é, British film...novamente grana européia bancando os filmes brasileiros...

NPS – Esse filme tem umas coisas muito engraçadas... Quer dizer, a idéia é que me pediram para fazer um filme sobre o cinema da América Latina. Pô... Porque na visão dos ingleses não existem Brasil, Argentina, México, que são os principais produtores, os principais países que têm uma história de cinema no continente. Claro que tem a Bolívia, que tem o Peru, a Venezuela, mas os três grandes do cinema na América latina são esses. E eles queriam um filme sobre a América Latina.

DC – O que me pareceu na época do lançamento do filme, e está nos textos dessa edição da Contracampo, é que seu interesse em fazer um filme é em descobrir um mundo com o qual você não tinha contato, e por isso você não faria um filme sobre cinema brasileiro, porque seria um filme sobre um mundo do qual você já fazia parte. (Nelson faz um gesto de concordância)

NPS – Gostei da explicação...(Nelson ri) É um pouco isso sim... Eu dei uma explicação na época, "Por que não falar do Cinema Novo?", porque o Cinema Novo é um fenômeno brasileiro, não é da América Latina...Eu pensei, "Qual é o cinema que ficou restrito à América Latina?". Foi o melodrama, que era popular... o Cinema Novo se espalhou na América Latina pelos cineclubes... Eu botei, tudo isso está lá no filme. Toda vez que começa um capítulo, ele entra, tem uma salinha pequena, aí tem um cinema falando do meu amigo Leduc, o Paul Leduc, e depois tem outro falando do outro argentino, o Solanas, e tal... Mas eles vão ver o melodrama mesmo, uma questão do ator e do personagem, que está procurando uma explicação para a vida dele. Que é um outro melodrama no presente. É um homossexual que se apaixona por um garoto estudante da UFF.

DC – É o melodrama possível, envolvendo homossexualismo e a Aids...

NPS – Pois é, mais melodrama que esse, impossível...

DC – Um melodrama anos noventa...

NPS – No começo era uma pessoa como eu, na época um pouco mais de sessenta, que se vidrava numa estudante. Mas esse era o óbvio ululante, não tinha melodrama nenhum. Não é? Qual era o melodrama? Aí depois ela ficava com Aids... Nem trepada pode existir, então é a solidão do homem. A outra relação importante não é a do homossexualismo, é a relação com a própria juventude. Quer dizer, o jovem tem só o discurso sociológico, político, ele nem vê os filmes, ele fica falando, "blá-blá-blá, e tal...", e o velhinho quer ver os filmes, lembrar procurar a mãe dele, ele está querendo se ligar no filme, e o outro fica só com a teoria da nossa querida Silvia Oroz, que é uma teoria bem... primária, não é? Você conhece o livro? É primário aquele livro, bem um pouco anos setenta, procurava explicar as coisas com um mecanismo positivista-marxista. Então por quê que tem, por exemplo, no melodrama aparece muito...

RG – A mulher como a mãe da casa ou a prostituta...

NPS – É, a mulher como prostituta, os doentes e as doenças, e tal... Por quê? Porque o pobre vive doente, e tal, o melodrama é a tragédia do pobre... A tragédia seria do rico e o melodrama do pobre... Agora, o que ele tá procurando, o velho ali, é a explicação do por que a mãe dele se matou, quer dizer, ele está dentro dele, dentro das coisas dele... Agora, tem um problema sério no filme, que é a ligação entre os dois idiomas. Porque se não estiver entendendo o que eles estão vendo na tela não faz sentido, tem que ligar com o que está acontecendo. Eu acho que não consegui fazer isso, ficou uma separação entre o texto dos filmes... Quer dizer, eu pensei que pudesse estabelecer uma relação direta, por exemplo, quando ela está... No incesto, né? Tinha toda uma relação do incesto ali, rolando, e tem os filmes, dois ou três filmes com incesto, uma história lá que ele toca piano, e ela vem, e tal, e ele fica com a filha ao invés da namorada... Mas o texto em espanhol não cola com o texto em português, ficou engraçado isso... Ele é mais apreciado no exterior, passou em Madrid abrindo uma retrospectiva dos filmes mais recentes, e as pessoas entenderam, se ligaram no filme, conversaram muito... Porque aí tem o espanhol que eles estão ouvindo, e acompanham o espanhol escrito. O cara vai da cultura dele para outra...Aqui não...

DC – Aqui não traduziram as falas?

NPS – Tá traduzido, mas, não sei, não rolou...

DC – Não é imediato...

NPS – Aí, depois que eu conto, as pessoas: "Ah é, é? Ahn!...", e tal, e aí vai entender por quê... Porque é o seguinte, todas as cenas dos filmes parece que são cenas escolhidas aleatoriamente, que não têm nada a ver com o que está acontecendo na sala. E é onde tem todos os mitos, o mito da doença, o mito do incesto, o mito da mulher má, mulher boa, a prostituta, todos os mitos que o melodrama sempre utilizou estão ali, combinados. E no comportamento dos dois isso tudo é refletido, na relação dos dois. Mas, enfim... E, no final, também, tem uma homenagem ao Glauber...

DC – Reconciliando o Cinema Novo com o melodrama...

NPS – Isso... Aí ele vai, antes disso, ele recebe a revelação de que o filme que a a mãe dele viu era a sua própria história, e que ela se matou para evitar que ele se matasse. Quer dizer , é o melodrama em cima de melodrama, então... (Nelson ri). É engraçado... Mas é... complicado...

RG – E acaba sendo também uma homenagem ao Cosme (Alves Neto, durante anos diretor da cinemateca do MAM), não é?

NPS – Pô, Cosminho ali, né?... Merecia a homenagem...

DC – Uma coisa que eu queria saber era sobre os programas que você fez para a televisão, especialmente sobre aquele que você fez com Jobim, como foi que isso rolou, foi idéia sua?

NPS – Não, eu tinha feito o programa inaugural da Manchete, e depois para a Manchete eu fiz a inauguração do Sambódromo, fiz um programa com o Haroldo Costa, Na passarela do samba, fizemos muitas entrevistas, fizemos também a história de cada escola de samba, era um programa muito interessante, pesquisa, documentário e tal... O Cícero de Carvalho era o homem que sabia de tudo de música popular, foi da Tv Globo, tinha uma carreira na televisão... O Cícero era um homem disso, e ele me falou "Nelson, vamos fazer um programa com o Tom Jobim!...". Aí propusemos à direção da Manchete, ela aceitou imediatamente, e aí fomos fazer quatro horas de Tom Jobim. A história é o Tom Jobim contando, do ponto de vista dele, a história da música popular brasileira. E esse programa foi apagado, desapareceu... (Nelson ri)

DC – Será que não está nos arquivos da Manchete?

NPS – Nada, não tem nada, foi tudo apagado, apagaram tudo. Eu trabalhei com duas câmeras, dois caras muito bons, e o programa era muito simples, era o Tom na casa dele, no piano, o Dori no violão e o Danilo Caymmi na flauta, e recebendo os amigos e convidados. Então entra, assim, Radamés Gnattali, ele estava vivo, Radamés vai lá e conta a origem, do Nepomuceno, aquele começo, e eles tocam... E era assim, vinham os convidados do Tom, e ia progressivamente contando a evolução da música popular brasileira. Foi um programa de total espontaneidade, duas câmeras rodando, com uma hora em cada fita...

DC – Não precisava parar nunca...

NPS – Nada! Nem os intervalos, os papos que rolavam, conversas, brincadeiras...Entra o filho do Tom no programa, era aquilo ali... Ficamos lá durante um bom tempo, uma semana no mínimo, gravando...

DC – Isso tudo foi apagado? Você não tem cópia?

NPS – Nada, eu esqueci de pedir a cópia, nunca pensei que a televisão fosse assim tão... auto-destruidora, imediatista. Apagou mesmo, tudo...

RG – Pensando essa década, esse último período, o que você considera que foi diretamente influenciado, no teu cinema e no geral, pelo modo de produção, isso é, leis de incentivo? Você acha que, se tivesse havido outra fórmula de captação, seu cinema teria sido diferente, ou você acha que o cinema da década de noventa pouco variou, de acordo com o modelo de produção?

DC – Parece que está mais difícil de fazer filmes, não?

NPS – É... Porque tem o seguinte também, tem muito mais gente interessada em fazer filmes do que antes, a procura dos recursos é muito maior. É uma procura muito caótica, dependendo de relações familiares, relações políticas, relações comerciais, é o que conta, não é? Por outro lado, o poder de decisão ficou entregue à área de Marketing – isso não é minha crítica, é de todo mundo, a grande maioria faz essa crítica – das empresas, eles que vão decidir, e eles ficam com poucos elementos para decidir. A não ser o básico, que é se vai dar um retorno mais rápido. Tanto é que eles preferem investir em eventos do que em filmes, filme demora muito, um ano para aparecer. E também tem filme que não dá retorno nenhum, isso é a lei do cinema... Mas aí também tem todo o problema da lei, o Ministério da Cultura dá o mesmo tratamento ao evento promocional e a uma criação. Quer dizer, o que interessa à cultura é a produção, é a criação. Esse tem que ser o investimento básico, sempre. A reprodução vai ser a consequência.

DC – Como você vê hoje essa discussão do cinema industrial, cinema de autor, cinema popular? Qual o espaço que você vê para cada um, como você acha que seria o ideal?

NPS – De novo? Esse papo é velho. (Nelson ri)

RG – Mas ainda não está resolvido...

DC – É bem velho, mas eu vejo que, já no ano 2000, as pessoas ainda não superaram. A idéia de cinema industrial já está um pouco ultrapassada, mas eu vejo que mesmo o Barreto, que ainda não é bem industrial, ainda defende uma teoria bem próxima daquilo... E o cinema autoral e artesanal também tem seus partidários...

NPS – A gente tem que pensar sempre o seguinte, em desconfiar sempre do discurso. Porque tem um discurso, mas tem um interesse por trás desse discurso. Por que esse discurso é apresentado, o que move ele, o que cria esse discurso? Porque o que eu acho é o seguinte, o Luiz Carlos, vou falar dele porque é o mais representativo, o que ele acha é que essa pulverização dos recursos tem que acabar, porque aí não tem o cinema brasileiro que seja feito constantemente, e que tenha uma produção ‘x’, e que possa entrar no mercado. Então a pulverização enfraquece a presença do cinema brasileiro. Aí é o discurso do cinema industrial, que os recursos têm que ir para uma produção industrial. E o que significa uma produção industrial? Produção industrial é aquela que pode ser feita como uma novela da televisão. Onde não existe autoria, existe uma fórmula, tem que produzir tanto até daqui a tanto tempo. Também esse projeto da Agência é esse. O cinema de pesquisa e o cinema autoral ficam com o Ministério da Cultura... (Nelson ri). E o cinema industrial... Agora, eu brinco muito com o Luiz Carlos, "Ô Luiz Carlos, o cinema industrial também não dá renda...". Os exemplos estão aí, pô... Se fossem filmes, pô, né?...

RG – Os filmes brasileiros mais imbuídos do ideal de cinema industrial, de ganhar dinheiro, esses filmes em sua maioria não conseguiram encontrar seu público esperado...

DC – É pelo próprio número de espectadores no país. Hoje, um filme, para arrecadar o dobro do seu custo, tem que ser barato, se for caro não tem número de pessoas suficiente...

NPS – É uma questão muito complexa, eu acho...Falar em cinema industrial onde não se tem indústria... É uma piada, não é? O que acontece também é o seguinte, o cinema no Brasil, a produção em cinema no Brasil, ela foi condicionada pelo apadrinhamento do Estado, e está muito difícil sair disso.

DC – A idéia da Agência seria isso, não?

NPS – É, o autoral lá no Ministério da Cultura e o outro com o dinheiro grosso, do Estado também...

DC – Mas seria empréstimo...

NPS – Mas quem é que paga empréstimo no Brasil, pô?

DC – O Magalhães Pinto dizia que o pessoal de cinema sempre pagava...

NPS – Mas isso era empréstimo pessoal. E também, naquela época, com aqueles filmes. Imagina... Vidas Secas pegou no Banco Nacional doze milhões, daquela moeda que eu nem lembro qual era, e a primeira coisa foi ganhar vinte milhões, de prêmios. Então pagou o banco no ato. Era eu e o Barreto, um avalizando o outro... Agora, era crédito pessoal, pessoa física, noventa dias, naquele tempo, aí juntava os juros, mais os juros... Aí ia fazendo uma bola de neve. Deu para pagar... Agora, o seguinte: por que? Porque foi um filme excepcional. Com lançamento aqui, foi pra Cannes, junto com Deus e o Diabo..., e a imprensa toda aqui... Foi um momento que o cinema brasileiro começou a se firmar, aparecer... Até meu pai aceitou! (Nelson ri) Era já meu quinto filme, e sempre que eu vinha pra São Paulo ele perguntava "ô Nelson, quando é que você vai começar a trabalhar, hein?", e eu pensava "Porra...". Só no Vidas Secas, porque saiu na primeira página do Estado de São Paulo, ele só lia o Estado... "Ah!..." (ri)... Mas, então, fazer um projeto de cinema baseado em três, quatro, dez filmes diferentes, excepcionais, não é certo... Tem que pensar em outra coisa. E o que eu temo é que o discurso de todas as reivindicações de projetos de cinema sempre fala nesses mesmos filmes, então... (Nelson ri) Esses filmes já estão com cinqüenta anos de idade... "Porque o cinema brasileiro é conhecido no mundo inteiro, com Vidas Secas e Deus e o Diabo...". Isso não é medida, pô, para fazer um projeto... E muito menos usar essa palavra ‘indústria’...

DC – Você acha então que falar em indústria, no Brasil, é descabido?

NPS – Historicamente, ela perdeu a vez. Ela poderá existir por outros caminhos, mas nunca pela mão do Estado. Isso já foi tentado, e acabou. Pelas mãos da iniciativa privada foi tentado no início dos anos cinqüenta, e morreu...

DC – Hoje quem está indo por aí é a Globo.

NPS – Pois é... O filme do Daniel Filho, como é que está na bilheteiria?

RG – Foi bem...

DC – Mas aí é totalmente diverso de um caminho autoral, não?

NPS – Mas também pode existir um autor dentro do sistema, lidando com a visão industrial. Toda a história do cinema americano é assim, os autores americanos apareceram dentro daquele esquema de estúdios, e não sei o quê... Grandes autores...

RG – Guel Arraes está aparecendo...

NPS – Guel Arraes é uma grande figura, muito bom...

DC – Há uma corrente muito grande que defende a idéia de incentivo à produção autoral, a idéia seria a produção de muitos filmes baratos, ao invés de poucos filmes caros...

NPS – Eu vinha de um tempo em que a iniciativa era privada, e o Estado só se metia nos filmes pra censurar. Quando o cinema novo eclodiu, foi sem dinheiro público. Depois, inventaram o INC, que se propunha a incentivar os filmes. Porque o esquema da censura não era suficiente para parar a produção...

DC – Você acha que se deveria fazer um cinema barato?

NPS – Eu acho que quanto mais longe do estado, melhor. Não é impossível. Temos milhões de pessoas que assistiram e assistem ao cinema brasileiro.

DC – Mas e a relação com o cinema americano? Como fica isso?

NPS – É, existe sim uma classe média, com o pé em Miami. Mas pelos números tem muito mais: um público que foi proibido de ir ao cinema. O público foi proibido pelo preço do ingresso, pela roupa, pelo calçado. É esse público que o cinema brasileiro deve correr atrás, porque é ele que gosta de nós.

DC – Mas hoje, chegar a esse público, só com a televisão e o videocassete...

NPS – É, mas é por aí mesmo... também...

RG – E quais são seus projetos para o futuro?

NPS – Eu filmei o Zë Keti, uma roda de samba com ele. Eu vou fazer essa roda de samba e futuramente um documentário sobre ele. Agora eu estou trabalhando num documentário de 3 horas sobre o Sérgio Buarque.

RG – E o seu projeto sobre Castro Alves?

NPS – Hoje, só se os americanos quiseram produzir... Tem ainda um outro projeto, também não muito novo, que é Brasília, 18%, que é uma referência a Rio 40 Graus... É um filme sobre corrupção no Distrito Federal. O 18% é a umidade relativa do ar em Brasília...

RG – E você está com alguns desses projetos na Lei?

NPS – Não. Eu, pelo menos, estou fora. Essa lei, na prática, já acabou.

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(Entrevista realizada por Ruy Gardnier e Daniel Caetano)