Entrevista com Nelson Pereira dos Santos



Nelson Pereira dos Santos

Segunda Parte: El Justicero, filmes de Paraty, Cinema Popular, Memσrias do Cαrcere.

DC – Teu longa seguinte foi El Justicero, que era um completo contraponto ao Vidas Secas, uma gozação com a turminha do Rio de Janeiro.

NPS – É a partir de um romance do João Bethencourt, é uma grande gozação.

DC – O que eu notei no artigo que eu escrevi para a Contracampo é que ele foi feito na mesma época em que os cineastas estavam fazendo filmes voltados para si, O Desafio do Saraceni, Terra Em Transe, os filmes do Domingos de Oliveira...

NPS – El Justicero é o seguinte: eu fui para Brasília em 1965, convidado pelo Pompeu de Souza e pelo Paulo Emílio para fazer o curso da escola de cinema de Brasília. Aí fui para Brasília, aconteceu aquilo tudo, os militares demitiram os professores líderes da Universidade, demitiram o Pompeu de Souza e eu saí com ele, essa história é conhecida.

DC – O Wladimir Carvalho fez um filme sobre isso, Barra 68...

NPS – Eu vi. Mas isso foi outro expurgo, comigo foi ’65, saíram duzentos, saímos todos. Então vim para o Rio, para procurar trabalho... E essa empresa de distribuição de filmes, chamada Condor Filmes, eles queriam fazer um filme. Então eu fui lá, e eles disseram "Olha, faz uma história aí, faz uma chanchada", e eu pensei "Putz, chanchada, isso não é comigo"... Aí eu saí e encontrei Leon Hirszman, e contei pro Leon, "Pô, eu tenho produtor e não tenho história, o cara quer fazer uma chanchada...", e ele "Vem cá!", me levou para uma livraria e me deu o livro do Bethencourt, e disse "Olha isso aqui, é uma comédia, eles vão gostar". Eu levei o livro no dia seguinte para o produtor, o cara leu, e dois dias depois me procurou e disse assim "Tá bom, vamos fazer", e eu fiz o filme só com o livro, nem roteiro eu fiz, fiz direto... E a equipe é composta toda pelos alunos de Brasília. A grande maioria dos alunos do primeiro curso de cinema era de cariocas...

DC – Assim como em Azyllo Muito Louco você trabalhou com alunos da UFF, não?

NPS – É, em Azyllo Muito Louco tem pessoal da UFF também. Mas todo mundo vinha de Brasília, os únicos profissionais eram o diretor de fotografia, o Hélio Silva, o Raymundo Higino, que fazia a produção, eu, naturalmente, e mais alguém talvez... No resto, eram todos alunos, assistentes, a direção de arte do Luís Carlos Ripper, um aluno brilhante, foi fantástico...

DC – Hoje em dia eu acho que o filme é muito bem-recebido, pelo menos das vezes que vi...

NPS – É, mas foi um fracasso aquele filme... Você sabe, a história desse filme é muito louca. A censura mandou cortar o todo o diálogo, o diálogo era muito besteirol, assim: "Porra, pai, você quer o quê? Cafetão não!" (uma fala do protagonista no filme). De repente na linguagem do diálogo tinha lá essas bobagens, e o pai é um general, que queria comer as mulheres que o filho arranjava (Nelson ri), muito engraçado... E ainda tem aquela brincadeira com aquela esquerda de Ipanema, o próprio personagem é uma figura especial. Mas aí a censura cortou, eu me lembro que eu mesmo fui...

DC – Depois de deixar passar, cortaram numa segunda vistoria, não?

NPS – Não, foi logo da primeira vez. Tinha que apagar o som, não precisava cortar. Era só, na hora de falar "Porra", ficar sem som... (Nelson faz mímica, como se falasse sem som). Quando o filme saiu, era assim, El Justicero, em portunhol, nem português nem castelhano, com Arduíno Colasanti e Adriana Prieto, ninguém sabia quem eram, sobrenomes estrangeiros, podia ser um filme espanhol, cubano, qualquer coisa dessas... Foi um fracasso total, ninguém entendeu o filme. Mas aí o filme foi proibido em ’68, e desapareceu do mapa, e tal... Depois eu fiquei sabendo, o pessoal da Condor Filmes me contou, que o filme estava passando em Belém, logo depois do AI-5, e um coronel foi lá e disse "Tal, e tal!", pegou o filme na cabine do cinema, fez um ofício, e o filme foi apreendido, todas as cópias. Aí abriram um inquérito na censura para saber quem é que tinha permitido aquele filme, e todas as cópias foram apreendidas, e eu fiquei sabendo depois que o negativo também tinha sido apreendido, sumiu o negativo.

DC – E hoje?

NPS – Sobrou uma cópia em 16mm, que estava em Pesaro, David Neves que tinha levado, e o David salvou o filme, porque essa cópia voltou, e a Cinemateca fez um contratipo. Ele não existe mais, existe para saber como era o filme, você vai ver, e tal... Mas é uma cópia precária. E o negativo dançou... Agora, tem uma moça que apareceu aqui há uns dois, três meses, que está fazendo doutorado em Toulouse sobre a censura em cinema no Brasil no tempo da ditadura, então ela levantou tudo, tudo, todos os meus filmes que eu tive proibidos, a idade de proibição... Eu sou o recordista do "18 anos para cima". Televisão, então, só depois de meia-noite... e os caras...(Nelson ri) Quando existia censura, porque acabou a censura... Mas ela encontrou uma carta do chefe da censura, é uma carta genial, ele respondendo ao chefe da polícia sobre o Justicero, dizia "Recebemos, e tal... Atendendo à sua solicitação, encaminhada à Segunda Sessão do Primeiro Exército, temos a informar o seguinte. O filme El Justicero foi censurado, e cortamos...O filme estava cheio de expressões anti-revolucionárias (Nelson ri)... Mas como ele tem certificado de censura, nós não podemos apreendê-lo...", e cita a lei, que nõ pode, e tal, e cita outra lei que diz a mesma coisa, e aí diz "Mas já solicitamos a modificação dessas leis!" e tal, conta toda a história, e termina assim: "Em todo caso, já tomamos as providências, mandamos apreender todas as cópias, o negativo original...", tarará-pão-duro e tal... Pô, quando ela me deu a cópia dessa carta, eu liguei para o advogado, "vem cá, tem uma coisa aqui!".. Processar a União, pô... Taquí, o cara confessa que agiu contra a lei... A pedido do exército.

DC – Garante uns três filmes nessa brincadeira!...

NPS – Aí o cara me falou "Ô Nelson, deixa de ser ingênuo, se eles abriram esses arquivos é porque os crimes que eles cometeram já estão prescritos, você não tem chance nenhuma...". "Pô, mas em todo caso...". É a história do El Justicero. O mais proibido de todos, né? Ele foi extinto, se não fosse a cópia do David em 16mm eu ia só contar o filme para vocês, nem roteiro tem, só o livro do Bethencourt...

DC – Eu me lembro que eu li a entrevista da Bundas com você, que o Ziraldo começava dizendo que você só fez filme bom, tirando El Justicero...

NPS – É, eu lembro. E ele contou também, não está na edição da Bundas, me disse "Eu estava fazendo um roteiro com o Bethencourt, e você apareceu e comprou os direitos", isso não aparece na entrevista não?

DC – Não lembro, acho que não.

NPS – De repente eles cortaram... Mas era a grande piada, com a esquerda festiva...

DC – É um tremendo contraponto àquele momento em que os diretores estão olhando para si com tanta seriedade, ElJusticero olha para a turma e zoa, El Jus é o cara que só quer saber de comer mulher...

NPS – Lê Jean-Paul Sartre, Marx e Engels...

DC – E contrata um biógrafo para escrever sobre ele...

NPS – Que se chama Lenine...

DC – El Jus... é um filme de transição para um momento mais "Brasil tropical", aquela fase de Paraty, do desbunde...

NPS – Depois de El Justicero vem Fome de Amor. Aí começou aquela temporada toda lá...

DC – Você contou que Fome de Amor também não tinha roteiro.

NPS – Nada, nada, esse foi inventado, totalmente...

DC – E foi totalmente crítico à esquerda, os maoístas...

NPS – O outro foi a partir de um livro, esse nem livro tinha, eu nem li...

DC – E como é que foi essa transição até Paraty?

NPS – Foi uma coisa que aconteceu espontaneamente, não foi procurada nem nada. O que aconteceu foi que, quando eu acabei de fazer El Justicero, o Paulo Porto me convidou para fazer o Fome de Amor, que é uma história do Guilherme Figueiredo, um conto do Guilherme Figueiredo, que eu, para dizer a verdade, mal li, mas a Laurita, minha mulher, leu e me disse assim "Se você fizer esse filme, eu me separo de você!", e eu, só de birra, "Eu vou fazer esse filme!"... Mas eu passei a bola para o Luís Carlos Ripper, o produtor foi o Paulo Porto com o Herbert Richers, aliás o Herbert foi o melhor produtor que eu tive, dava sempre carta branca. Ele tinha extrema confiança, era o produtor ideal. Aí eu passei a bola para o Ripper e ganhei uma bolsa do Departamento de Estado, fui para os Estados Unidos, passei dois meses viajando, "O Ripper vai fazer o roteiro", e tal, "Depois eu vejo, faço a supervisão do filme", me enrolei um pouco e fui para os Estados Unidos. Lá pelas tantas, eu recebo nos EUA cartas do Ripper, roteiro e tal... "O Paulo Porto odiou o roteiro que eu escrevi... o Herbert e tal...", tinha uma confusão ali no meio de campo. E eu não queria fazer o filme, digamos mais ou menos assim, estava meio esnobando. E, quando eu voltei, o Herbert me chamou e disse "Você vai fazer o filme, que eu te dou carta branca". "Mas, ô Herbert, essa história é uma babaquice, eu não sei como fazer, não quero fazer...", "Inventa qualquer coisa. Carta branca!". "Carta branca?". É um desafio, né? "Porra...". "Agora, tem que levar os atores que eu já contratei". Arduíno, Leila, ô, maravilha! Que presente...Irene Stefânia... "Agora, tem o Paulo Porto, que é o produtor... dá para compensar, né?".

DC – E só de maldade com o produtor, não tem uma fala para ele o filme inteiro, né?

NPS – Cego, surdo e mudo... Mas ele até come a mulher...

DC – Tem uma crítica muito forte ao marxismo, ao maoísmo...

NPS – É, essa "perdição ideológica"...

DC – A Irene está perdida nessa enquanto os outros vivem a vida...

NPS – Ela está nos EUA com um guru indiano, do guru indiano ela passa para o Mao Tsé-tung, ela faz essa transição sem nenhuma relação com sua existência, com sua realidade, ela fica muito perdida, dominada... É todo um jogo de personagens ambivalentes e personagens camaleônicos, o próprio Arduíno, o próprio Paulo, cego-surdo-mudo, ele é um cientista, e ao mesmo tempo era um revolucionário, poderoso, é isso e é aquilo... E tem também lá no meio a possibilidade de uma extorsão, que a menina é rica, a Irene é rica e o outro quer tomar o dinheiro dela... Enfim...Mas esse filme, quando foi exibido, tive vários amigos, aquela política da esquerda... chegou uma moça, muito simpática, para mim, quando acabou o filme, disse: "Nelson, você continua a favor da revolução?". "Mas é claro...". "Ah! Que filme lindo..." (Nelson ri). É a coisa do óbvio, da linguagem convencional, com toda aquela loucura...

DC – Em Azzylo Muito Louco você já estava muito ligado à UFF, trabalhando com alunos, não?

NPS – É. Mas o Fome de Amor já tem muita gente começando...

DC – Depois dessa fase Paraty, você volta a lidar com o imaginário popular, com o Amuleto de Ogum e o Tenda dos Milagres e mesmo no Estrada da Vida. O quê que te norteou a sair de Paraty, que na época devia ser um lugar maravilhoso?

NPS – O "aparelho" já tinha caído, na linguagem da época... (Nelson ri) Aquela coisa, Rio- Santos chegando, muita gente, não tinha mais essa tranquilidade, era realmente um exílio. Mas a história do Amuleto..., eu conto no livro...

DC – Aquela história do Jards Macalé ser o cinema brasileiro? Você sabe o que Jards sempre diz agora "Eu sou o cinema brasileiro"? "O Nelson Pereira disse que eu sou o cinema brasileiro!"...(Nelson ri)

NPS – Ele tá vivo, né? Pô, tá fazendo o maior sucesso...

DC – Tá, como nunca, tá gravando...

NPS – É, tá bom pra cacete, muito bom... Outro dia me ligou de Natal, "Pô, tô aqui, fiz um show maravilhoso...", e me conta a história do show em Natal. Deu uma entrevista, meio que misturado com o assunto do Antonio Carlos Magalhães...

DC – Quando ele resolveu falar mal do Caetano Veloso?

NPS – Eu falei "Ô Macalé, agora que você tá fazendo sucesso, não briga com ninguém. Você tem que somar, pô...". Ele é gente fina...

DC – No Amuleto... era um roteiro original seu, não?

NPS – Era. Na verdade, a base da história é Chico Santos, que foi motorista do Tenório Cavalcanti e escreveu um roteiro chamado O Amuleto da Morte, que é a história lá dos tiroteiros e tal... E como ele contava as coisas de um modo muito quente, engraçado, muito vivo, eu falei "Pô, vamos fazer esse filme!...". Mas aí vem o outro lado da história. A Laurita, minha mulher, estava estudando religiões de conversão, no Rio, na Escola de Antropologia em Niterói. E eu peguei emprestado o estudo dela. Mas eu não usei para pequisa o método acadêmico, eu chamei meu ator, Erley, que era pai-de-santo, e ele me deu todas as dicas, eu comecei a trabalhar com umbanda, e juntei as coisas, o mundo do jogo do bicho, do crime, da transgressão, o mundo do nordestino no Rio e a umbanda, a religião popular, juntei todas essas coisas... Porque o Tenório tinha usado uma fraude para dizer que ele tinha corpo fechado. Aquela história de botar um revólver com balas de festim, e a última é boa, aí ele toma do cara e derruba alguma coisa, uma jaca, e todo mundo fica dizendo que ele tem corpo fechado. E eu usei o corpo fechado mesmo. Porque quem está contando a história não sou eu, é o cantador cego. Então vale tudo, pode inventar o que quiser. Só que no final o cego também tem o corpo fechado (ri)... Mas foi um filme muito gostoso de fazer, aquele filme foi realmente um grande barato...

DC – O filme foi muito bem recebido, não?

NPS – O Amuleto...? Foi, foi muito bom... rodou o mundo inteiro, passou nos Estados Unidos...

RG – Continuando na idéia do Amuleto..., como foi o salto de público dos filmes de Paraty para ele? Qual era o número de cópias que cada um tinha?

NPS – Ah, os filmes de Paraty tinham uma cópia, duas, no máximo cinco cópias... aquele, o Azyllo Muito Louco, por exemplo... Não, teve o francês (Como Era Gostoso Meu Francês), que teve um lançamento fantástico. Mas foi um filme proibido, cortadíssimo, ficou proibido um ano ou dois. E depois, quando foi exibido com os cortes, ele fez um público incrível, foi muito bom...Depois do Francês, fiz o Quem é Beta. Aí volta um pedaço em Paraty, filmei também um pedaço aqui em Jacarepaguá e na Barra. Mas o Francês também foi uma experiência interessante de trabalho, eu gosto daquele filme. Mas você tinha perguntado?

RG – Da mudança. Porque esses filmes me parecem filmes um pouco de tese, e o Amuleto... me parece um retorno às raízes populares...

DC – Porque antes há uma ligação com o ideal antropofágico, Oswald de Andrade...

NPS – É que antes eu estava fazendo filmes com uma pequena turma, simbólicos, metafóricos, parará-pão-duro, curtindo Paraty e aquelas coisas todas ali, aí teve o Francês, que foi o mesmo produtor do Justicero, essa Condor Filmes, que estava no final lá da lei, não sei o quê... E esse projeto eu tinha há muito tempo. O projeto do Como era gostoso meu francês era antigo.

DC – A partir do Staden?

NPS – Mais ou menos, era uma mistura, tem tudo... Mas era um projeto de co-produção com a França, que pintou quando Vidas Secas foi apresentado em Paris, depois de Cannes foi a Paris, e o produtor, o Anatole Dauman, que é o produtor da Nouvelle Vague, me procurou e perguntou "Você tem um filme?", e eu disse "Tenho!", e contei a história do francês prisioneiro, e tal, "Ah, eu quero fazer esse filme!". E começamos a trabalhar na co-produção. Só que naquele tempo não tinha acordo de co-produção entre o Brasil e a França, e a coisa mixou, mas eu fiz uma pesquisa, o Luís Carlos Ripper fez uma pesquisa, um negócio maravilhoso, tacapes, o tamanho dos tacapes, botou tudo isso, foi um trabalho grande de pesquisa, mas a produção não aconteceu. Então guardei o projeto, é aquela coisa, fica dormindo. E aí chega a Condor Filmes : "Tem aí tanto, vê se faz um filme!". O dinheiro era bom, eu pensei "Vou partir para o Francês"... Mas era um projeto anterior a todos esses... Fiz o Francês, aí o filme foi para Cannes, foi para Berlim, o filme vendeu logo. Aí veio o Gérard Leclery para fazer um filme, e veio o Quem é beta?. Que volta ao Azyllo muito louco, é uma ficção científica... Na época d’O Amuleto de Ogum, já tinha caminho fechado, ia ser fazer cinema para ir para Cannes. Eu já estava noutra. Porque já tinha a Embrafilme para distribuir, eu propus um cinema popular. Tinha essa discussão, de fazer um cinema comercial, e eu dizia que fazer um cinema comercial é consequência, era preciso fazer um cinema popular... Aí eu fiz um cinema popular que ficou sendo exibido num cinema só, em Copacabana, Posto 6. (Nelson ri).

RG – O Manifesto... você fez quando?

NPS – Eu não fiz aquele manifesto, quem fez aquele manifesto foi o Marco Aurélio (Marcondes). Ele pegou e juntou minhas entrevistas num folheto, e chamou de Manifesto por um cinema popular, e distribuiu. Mas eu não fiz mainfesto, imagina... Foi chute publicitário, para vender o filme. A única coisa foi que o Severiano botou o filme num só cinema, ali em Copacabana. Lançou em quinze, fechou...

DC – Não botou na periferia?

NPS – Não, não lançou.

DC – Mas comercialmente foi bem ou mal?

NPS – Foi bem, ele ficou dez semanas num cinema em Copacabana. Aí a crítica e comentários... Mas o troço é sério, é uma guerra difícil que não pára, eles não abrem mão. Outro dia vieram me falar "Ah, seu filme estava passando fui com uns amigos, e na entrada você sabe o que a bilheteira me disse? ‘Olha, isso é filme brasileiro, hein?’". Isso agora, em 2001. Isso acontecia com Rio Quarenta Graus em 1956, pô! E acontece sempre com outros filmes, é uma campanha pesada... Sem quartel... Então, aí do Francês eu fui para o Amuleto com a idéia de fazer um cinema popular, com a nova Embrafilme, do Roberto Farias, aquela coisa toda que eu conto no prefácio do livro com os roteiros, da nova esperança do cinema brasileiro, que morre mas volta, morre mas volta. Ele volta pra curtir...

DC – Tem corpo fechado... Aí veio Tenda..., Jorge Amado, já se explica por si só nesse momento, o cinema popular buscar o autor mais popular do Brasil... E aí tem o Na Estrada da Vida, com o Milionário e o José Rico. Como foi isso, eles te procuraram?

NPS – Eu estava fazendo o projeto do Castro Alves em São Paulo, com o Rudá de Andrade, e a Dora Villas-Boas, que foi aluna do Rudá, produtora de cinema, me perguntou, meio que brincando, "Você topa fazer um filme de caipira?", e eu respondi "Por que não?". E aí ela me levou no Parque São Jorge, e eu vi os dois cantando para quarenta mil pessoas, um fenômeno cultural da pesada... Além do mais, eu sou paulista, eu me lembro do meu pai querendo ouvir música caipira, e eu e meus irmão mudando o rádio, para escutar música americana... É uma coisa que existia muito presente na memória daquele tempo. E é um fenômeno, virou nacional... Quando eu fiz Na Estrada da Vida, era São Paulo, interior de São Paulo, Minas, Paraná...

RG – É o mesmo itinerário dos filmes do Mazzaropi...

NPS – Isso!... Exatamente, era um grande filão, o Mazzaropi...

DC – Você falou uma vez que foi seu maior sucesso comercial...

NPS – Foi. Fez, na época, brincando, um milhão e meio de espectadores. Fora a fraude, né?

DC – Cinema do interior não tinha controle, né?

NPS – É, não tem controle... Foi um filme que rolou bem. Foi feito com a iniciativa privada, não teve dinheiro da Embrafilme, deu lucro para os seus investidores. A Embrafilme entrou como distribuidora, mas o filme foi todo produzido e financiado por grupos privados...

DC – Depois você se envolveu com televisão, não?

NPS – É, eu tinha feito um programa para a TV Educativa, por aí...

DC – Fez também Missa do Galo...

NPS – Isso, por aí, um pouco antes

DC – E como surgiu Memórias do Cárcere? Você chamou o Barreto para fazer o filme, ou ele que te propôs?

NPS – Não, eu ia fazer o Memórias com esse grupo que fez o Estrada da Vida. Mas aí o filme do Roberto Farias foi proibidíssimo, lembra?

DC – Pra Frente Brasil?

NPS – Pra Frente Brasil... Então, Memórias do Cárcere nem pensar (ri)... Mas aí houve a iniciativa do Roberto Parreiras, que foi diretor da Embrafilme, ele disse "Vamos fazer Memórias do Cárcere", me garantiu... E o Barreto entrou na sociedade para dividir o risco. Mas quem produziu foi a Embrafilme, dinheiro total da Embrafilme.

RG – Mas você tinha interesse em fazer o Memórias... desde quando?

NPS – Pôxa, desde que eu li o livro, pra dizer a verdade... Quando ele saiu, em ’53, por aí...

DC – Você queria fazer também São Bernardo, que depois o Hirszman filmou, não? Chegou a escrever o roteiro?

NPS – Fiz, o Graciliano era vivo, houve uma comunicação...

DC – Vocês trocaram cartas?

NPS – Uma carta só. Eu mandei uma carta, e ele me respondeu. Eu não conheci ele, mas estava trabalhando com o Ruy Santos, que era amigo dele, carioca... E foi o Ruy Santos que me disse "Vamos fazer o Graciliano Ramos! Quer fazer?".

DC – E por que não fez São Bernardo?

NPS – Não tinha dinheiro, era só ilusão, trabalhava, escrevia, pensava... Mas, enfim, essa história dessa passagem, Amuleto..., depois Tenda..., Na Estrada..., Memórias..., foi uma grande experiência...

DC – É verdade que parte do Amuleto de Ogum você que fotografou, antes do Hélio Silva aparecer?

NPS – É, eu botei o Hélio lá para consertar as coisas... Mas grande parte fui eu que fiz, direto...

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(Entrevista realizada por Ruy Gardnier e Daniel Caetano)