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Bate, Esteban!
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Média de 5 beijos por capítulo (num total de mais de 1300 beijos), só Marcos Pasquim beijou por volta de 900 vezes, sendo mais de 30 mulheres diferentes e passou cerca de 80% do tempo total em cena sem camisa. Kubanacan foi, desde o fim da Casa dos Artistas, o momento mais impressionante na televisão brasileira. A recém terminada novela de Carlos Lombardi apresentou uma estrutura nada convencional e uma linguagem radical.
Anti-protagonista
Ao contrário do que mandaria qualquer possível manual de teledramaturgia, Kubanacan não possuía um núcleo central e vários micro-núcleos em volta. A novela funcionava em volta de um personagem (ou melhor, um personagem fazia a novela funcionar, era o motor daquilo tudo) de uma forma que nunca se vê na teledramaturgia; a trama era toda centrada em Esteban de um jeito que estamos acostumados a ver apenas em filmes e, no máximo, em mini-séries. E o mais interessante é que esse personagem central era um anti-protagonista de novela; pra começar ele era quase um super-herói, e um protagonista tradicional sempre é um homem comum, possível objeto de identificação do espectador; além disso, ele bateu em meio mundo, tinha um passado totalmente questionável, fez revolução, teve caso com milhares de mulheres, engravidou várias delas e o melhor de tudo: era esquizofrênico; tinha um desvio de personalidade que fez com que em certo momento da novela o "mocinho" e o "bandido" fossem a mesma pessoa.
Um personagem a procura de uma história ou A novela que Esteban escreveu
Numa televisão no melhor molde 30 por segundo, ou seja, uma linguagem publicitária, onde o objetivo é jogar para o telespectador o maior número de informação possível, fazendo-no absorver e aceitar; Kubanacan foi uma novela inteira calcada na memória, com uso contínuo de flash-backs que delineavam novos rumos pra trama e, exemplo maior, Esteban/Leon eram personagens à procura de suas histórias, da história de seus pais, de seus filhos, à procura de histórias...
A partir dessa vontade é que nasce toda a novela, e no último capítulo, num rompante maneirista, Lombardi chama a atenção pra própria articulação de Kubanacan na subversão da linguagem tradicional em teledramaturgia. Todos aqueles personagens (Rubi, Lola, Enrico) teriam vidas normais, narrativas; vemos Lola e Enrico casados, cheios de filhos; Rubi com seu filho sem contar a ele quem é seu pai; tudo seguindo a mais natural ordem das coisas, uma narrativa comum que vemos o tempo todo. Porém, a chegada de Esteban/Leon, vindo do futuro, desestabilizou tudo: pôs um fim ao casamento de Enrico e Lola, "destruindo" aquela ordem familiar, fez vir à tona a paixão de Rubi por Enrico, tremeu todo o país, derrubou presidentes. Toda a novela que vimos só existiu graças ao personagem de Marcos Pasquim, que, do futuro, viu a banalidade e chatice que era aquela trama quadrada e veio para bagunçar e acabar com, muito mais que o Sr. Alejandro e a Fênix, essa banalidade imposta em teledramaturgia.
Uma anti-novela
Pra começar, Kubanacan era anarrativa. Já aí descumpria o princípio básico do folhetim. A novela parecia que não tinha script, a impressão era que Esteban (o personagem, e não o ator) saia fazendo coisas e a câmera e todos os outros personagens possuíam ações a partir daí. Tinha momentos em que a novela passava capítulos sem "acontecer" nada, nenhuma revelação, nenhuma surpresa; era só ficar filmando/vendo Esteban fazendo coisas, era um prazer no olhar, no observar corpos em ações/disfarces diversos.
Há, também, um confrontamento contínuo com a moral. Além de termos sempre homens sem camisa, pessoas exalando desejo e tesão, beijos, traições, temos Leon terminando a novela com sua tia e tendo transado com sua mãe.
E Kubanacan fez questão o tempo todo de mostrar que aquilo tudo era encenação e jamais realidade (impossível não pensar o total antagonismo a Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos). No último capítulo, por exemplo, Leon/Esteban diz à Lola que não sabe quanto tempo vai poder ficar com ela; Lola responde: "tudo bem, ninguém sabe". É analogia clara aos finais onde tudo fica para sempre do jeito que a novela terminou; ali, Lombardi lembra que não tem para sempre, que ninguém sabe o que vai acontecer, simplesmente porque não vai acontecer.
Fim
Jamais, pelo menos nos últimos anos, qualquer novela teve um final que se aproximasse do impacto da última cena de Kubanacan. É fim de novela, já estamos esperando todo aquele acerto de contas, o bom para os bons, o mal para os maus e toda aquela ladainha. Aí vem aquela cena: Marcos Pasquim (num personagem que ninguém sabe quem é, afinal todas as suas facetas já tinham sido terminadas) entra no camarim da protagonista (Danielle Winits), a chama de vagabunda e, com close no rosto dele, vem um soco; tela preta e um gemido de prazer. Um soco que pode muito bem ser endereçado ao telespectador, um soco que escancara toda a "agressão" que a novela foi para o modelo/padrão/imposição de teledramaturgia no Brasil; e um gemido que me lembrou o prazer que foi "agredir" e brincar com todos esse signos, formas e linguagem.
Francisco Guarnieri |
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