Pânico na Floresta
Rob Schmidt, Wrong turn, EUA, 2003
De todos os subprodutos do neo-slasher, este talvez seja o que mais se aproxima da simplicidade estrutural dos filmes sobre jovens saindo de férias e encontrando um (ou mais de um, como é o caso aqui) serial killer pela frente, tipo de produção que pululava nos anos 70 e início dos 80 – e cujo estilo viveria uma "segunda onda" a partir do sucesso de Pânico (Wes Craven, 1996), filme que indicaria como fórmula, além de outras coisas, a incorporação no elenco de jovens atores das séries televisivas (e Pânico na Floresta traz Eliza Dushku – que pode ser vista no canal Fox – como a mulher do casal herói). Há pelo menos três filmes que podem ser considerados iniciáticos e com que Pânico na Floresta dialoga diretamente: Amargo Pesadelo (Deliverance, de John Boorman, 1972), em que um passeio de canoa progressivamente conduz os personagens a um fim de semana macabro (filme que chega a ser citado por um personagem de Pânico na Floresta); O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, de Tobe Hooper, 1974), cujo trio de caipiras canibais deformados é praticamente revisitado em Pânico na Floresta; e, finalmente, Twitch of the Death Nerve (também conhecido como A Bay of Blood), de Mario Bava, 1970, ao qual Sexta-feira 13 deve muito, o que vai do enredo até cenas literalmente copiadas no segundo filme da série.

Provavelmente consciente dessa relação com uma leva de filmes tributária do primeiro Pânico (e logicamente dos filmes da década de 70 e 80), a distribuidora brasileira optou pela versão do título para Pânico na Floresta, como se quisesse salientar que este filme dispõe justamente daquele repertório básico de perseguições e sustos. O título original (Wrong Turn), contudo, não seria nem um pouco indesejado, pois exprime também uma característica fundamental daqueles filmes: o simples desvio de rota que leva ao assassino, a armadilha do acaso – como o engarrafamento que obriga o personagem a escolher uma estrada de terra pouco visitada, como o motorista que se distrai com um animal morto na beira da estrada e acaba batendo em outro carro, como um pneu que fura e obriga a parada próxima a uma floresta perigosa, em suma, como tudo que ocorre no início de Pânico na Floresta e desencadeia sua onda de suspense. O enredo é aquele antigo mesmo, dos amigos que saem de férias e vão sendo mortos um a um. O máximo de inovação que o filme de Rob Schmidt introduz é cruzando dois caminhos a princípio distintos: o do rapaz que dirigia sozinho e o do grupo de cinco amigos (dois casais e uma moça solteira, que – como se pode antever tão-logo se configura o encontro – será sobrevivente ao lado do protagonista, justamente o rapaz que chega sozinho e é o mais safo personagem do filme, o mais próximo de um herói tradicional).

À exceção de uma cena em que a câmera busca um olho a observar pela fechadura da porta, para dele mostrar um reflexo, e da apresentação dos créditos iniciais, bastante videoclipada, Pânico na Floresta rechaça os efeitos especiais digitalizados e os maneirismos fotográficos à la David Fincher, recursos mais que comuns nos filmes atuais do gênero (vide Premonição). Essa e outras opções estéticas (evitar excessiva estilização tanto dos cenários quanto da fotografia, maquiar atores para transformá-los em monstros ao invés de criá-los no computador, lidar com o espaço físico na sua integridade, explorar o medo através de situações "palpáveis" etc), no fundo, casam perfeitamente com o conceito do gênero: são filmes que exigem uma fisicalidade essencial (o que o próprio desígnio deixa claro: body count movies, "filmes de contagem de corpos"). Fisicalidade que perpassa toda a duração de Pânico na Floresta, com suas perseguições, seus confrontos corpo-a-corpo, os objetos cuja posse ou não faz toda a diferença, as sujeiras e as feridas na carne dos personagens, a tensão que surge da tentativa de ver e não ser visto (essa dinâmica do olhar ocupa um lugar central no filme, a ponto de se inscrever claramente na narrativa durante a cena na torre de vigia – metáfora clássica de um dispositivo panóptico, que revela um ponto de vista ideal). Os vilões de Pânico na Floresta têm cara, cicatrizes, caretas, e são combatíveis num plano físico – ao contrário de um mal que se identifica muito mais a elementos sobrenaturais e de uma matemática do destino que parece completamente fora do alcance do homem (novamente Premonição). Assim como o roteiro em nada arrisca, a mise-en-scène mobiliza apenas o básico do gênero: valorizar o fora-da-tela, demorar em mostrar de perto a cara dos assassinos, alternar pontos de vista identificados aos protagonistas do filme com outros mais ambíguos (ora aparentemente neutros, ora posicionados entre brechas e arbustos para enquadrar os personagens – plano ponto de vista do perseguidor?).

Uma característica que Pânico na Floresta acentua muito bem é a de trabalhar aquele grupo de personagens somente naquele exato momento em que o filme se desenrola, fornecendo pouquíssimas pistas sobre o que eles são para além daquilo ali. Interioridade, psicologia e subjetivismo são descartados em prol de exterioridade, (re)ação e objetivos (estratégias – militares – de dominação de um espaço e superação do inimigo, como na cena em que um atrai a atenção do trio psicótico enquanto os outros entram no caminhão para fugir). Daí deriva boa parte da agilidade do filme, que não perde tempo se auto-explicando, criando charadas ou construindo forçadamente o passado dos personagens (tirando, é claro, a pavorosa fala em que a personagem de Eliza Dushku explica como terminou com o namorado, o que motivou seus amigos – nesse ponto do filme, já mortos – a tirarem licença e saírem de férias para consolá-la).

Muitos filmes iguais a este já foram vistos há quinze anos atrás no Supercine. Inclusive com a mesma volta, quando os créditos já começavam a subir, ao local onde foram deixados os psicopatas supostamente mortos, para revelar que um deles sobreviveu e as matanças prosseguirão, o mal nunca tem fim. Isso também é de praxe. Mas Pânico na Floresta pregará uma meia-dúzia de sustos no espectador (ainda que no mais das vezes não seja preciso muito para antecipar cada movimento dentro do filme), e possivelmente angariará a simpatia de um ou outro saudosista de plantão. Ao lado de Linha do Tempo, de Richard Donner, embora seja cedo para certas previsões, Pânico na Floresta arrisca ser o filme americano mais anos 80 trazido aos cinemas do Brasil em 2004.

Luiz Carlos Oliveira Jr.