Um Show de Verão
Moacyr Góes, Brasil, 2004
Numa primeira espiada, o que parece óbvio é que Um Show de Verão repete a fórmula de pop(ular) que tem feito de Diller Trindade o principal nome do cinema brasileiro quando o assunto é quantidade (de filmes produzidos e de retorno de público): lá estão os rostos globais fazendo papéis decalcados de seus "tipos" televisivos, lá estão os números musicais pinçados dos sucessos do momento, lá está uma narrativa de fácil absorção para um público pouco interessado por arroubos de novidade.

O que chama a atenção em Um Show de Verão é a forma arriscada com que o filme faz algumas apostas que vão na contramão do desinteresse estético e dos argumentos desleixados que vinham caracterizando a maioria de seus co-irmãos. Goste-se ou não de suas opções, questione-se ou não seu artesanato, Um Show de Verão se destaca em comparação a filmes como os da grife Xuxa ou Didi pela forma leve, entregue e auto-consciente com que sua narrativa se deixa costurar aos fragmentos de videoclipes, cenas musicais e diálogos gracejosos. Há uma certa alegria na forma como o filme assume seu formato de conto de fadas para adolescentes (fórmula que se decalca claramente do programa Malhação e da antiga novelinha da Angélica, Caça-Talentos, da TV Globo) e faz de seus personagens espécies de imitações dos clichês da felicidade e dos dilemas afetivos característicos de uma juventude de classe média, flutuante entre os ícones da riqueza/sucesso e de um neo-romantismo desencantado.

Não é de hoje que Angélica demonstra estar a léguas de distância das egotrips típicas de Xuxa Meneguel e por isso mesmo Um Show de Verão consegue guardar o nível mínimo de risco que um filme precisa para não nascer morto. A aposta num certo erotismo juvenil (e a forma com que isso é tratado não como questão moral mas como reflexo dos afetos dos personagens) chama a atenção: Thiago Fragoso apresenta um personagem ambíguo e polêmico que se esgueira do lugar fácil de vilão (ou simples mau-caráter), dando ao dilema da protagonista alguns matizes mais ricos à típica e monótona "descoberta de que seu namorado é um babaca e que na verdade ela ama seu melhor amigo feioso" - repetida ao infinito nas comédias adolescentes da década de 80.

O que é curioso é que, ao contrário do que se podia esperar de um filme sobre uma "mulher- simples-que-se-torna-uma-estrela", Um Show de Verão não vende essa alternativa como a grande solução viável para a felicidade, nem localiza nesse suposto sucesso a razão única para a virada na vida de sua personagem. De forma ambígua, apesar de seus sonhos acontecerem da forma almejada e completa, eles são alcançados muito mais por razão de uma conjuntura narrativa e uma rede dramatúrgica do que por uma solução baseada nos méritos simples ou na "iluminação" de seus personagens. A protagonista do filme não é uma típica "escolhida", seu sucesso não é reflexo direto de um talento inato "e que só precisava de uma oportunidade" - a "síndrome" de Xuxa (ver Lua de Cristal, Xuxa Popstar, Xuxa e os Duendes...), nesse sentido, se faz ausente.

No mais, Angélica segura a peteca nessa imitação (não chamo de "interpretação" por uma questão qualitativa e não hierárquica, deixo claro) da jovem de classe-média-baixa que um dia já foi; Luciano Huck repete com precisão o mesmo tipo "feioso-mas-gente-boa" que criou para si na TV, e algumas boas comediantes seguram o ritmo das cenas e dos diálogos mais difíceis. O filme acaba se saindo com poucas escoriações em sua proposta quase canhestra de folhetim adolescente para as grandes telas, num misto curioso de cinema naturalista com teatrinho de fantoches (como se procurasse a estética de um diário adolescente) que tem lá a sua graça - rasa, monótona e tosca, mas tem.

Felipe Bragança