Premonição 2,
de David R. Ellis

Final destination 2, EUA, 2003


Há no primeiro filme desta série uma tentativa (muito bem descrita num texto de Fernando Veríssimo) de retirar o filme de horror adolescente tradicional do seu molde tão fortemente estabelecido nos anos 80 (pelas séries Halloween, Sexta Feira 13 e A Hora do Pesadelo), segundo o qual jovens, filhos das melhores famílias americanas, são ameaçados pelos freaks desta sociedade, e precisam achar uma maneira de matar estes que os ameaçam (e a cada nova sequência descobríamos quão impossível isto seria). A bem da verdade, Premonição seguiria um pouco nos passos do Pânico, de Wes Craven, mas aonde este brincava com os estatutos do gênero como construção de linguagem e jogo de cinema, o filme antecessor deste que vemos aqui introduziu um outro elemento perturbador: a falta de um "inimigo a ser vencido", por assim dizer. Em Premonição, o assassino (por mais óbvio que isso pareça) é a Morte em si. Não numa encarnação física, mas numa série de regras predeterminadas das quais os jovens tentam escapar. Embora introduzisse esta questão eminentemente metafísica ("temos controle do nosso próprio destino e de nossa própria morte?"), logo o filme se entregava a um andamento menos conceitual e muito mais semelhante ao trabalho dos filmes citados no início, ainda que sem a presença física do assassino (embora um certo "ventinho" nas janelas preconizasse a chegada da Morte).

De fato, pode-se mesmo afirmar que em termos de estrutura narrativa, este filme não é tanto uma continuação e sim uma refilmagem alterada do primeiro filme. Mesmo o início é igual: um personagem (aqui, uma jovem; no anterior, um jovem) prevê um acidente (aqui, rodoviário; no primeiro, de avião), que acaba por acontecer, e uma série de pessoas se salva por causa da previsão. Daí, logo se percebe que os sobreviventes são "procurados" pela Morte, e tenta-se entender como fazer para evitá-la.

A diferença entre o primeiro filme e este pode ser mais simplesmente explicada por um simples dado biográfico: enquanto o diretor do primeiro era um veterano roteirista de Arquivo X e outras séries de TV no estilo, o deste filme entra no cinema como dublê. Ou seja: saem os climas esquisitos, escuros, e ainda eventualmente perturbadores, e entram as cenas elaboradas de assassinatos em sequência. O que o acidente aéreo do primeiro tinha de perturbador pela estranheza e clima claustrofóbico, o engavetamento tenta fascinar pela logística de produção envolvida, resultando numa sequência de pura hipnose cinética (lembrando muito a mega-perseguição de Matrix Reloaded no tipo de relação a estabelecer com o espectador).

O problema para Ellis é que, uma vez que sua sequência mais emocionante fica logo no início, o resto do caminho se torna incrivelmente burocrático. E o jogo proposto ao espectador fica claro: imaginar as formas de morte mais criativas, inesperadas e fantásticas que se possa fazer. Reside aí talvez o único interesse do filme: uma vez estabelecida esta lógica, ele passa a funcionar quase como um cartoon, onde as cenas de morte lembram muito aqueles efeitos-dominó nos quais uma série de objetos vai criando uma sequência improvável de movimentos (terminando sempre, aqui, com alguma morte de teor muitas vezes cômico). Embora já houvesse sequências assim no primeiro filme (em especial a morte da professora), este passa a ser o tom dominante aqui.

Talvez o que mais se possa lamentar no filme é a absurda transformação da morte num fenômeno cheio de regras (para dar aos personagens objetivos claros, e não apenas existenciais), onde a "vitória" sobre ela passe a parecer uma brincadeira de gincana soturna. Com essa ideologia que aproxima o filme muito mais da lógica do filme de ação clássico (uma "missão" a se cumprir), ficam deixado de lado seus componentes mais assustadores e de clima. Mas, isso talvez não fosse tão problemático se o filme não tentasse seguidamente engatar conversações pseudo-profundas sobre o destino e nossa possibilidade de controlá-lo. Com uma imaginação totalmente infanto-juvenil, fascinada pelas maquinações e articulações dos jogos audiovisuais de morte e violência, o filme sente culpa de sua própria força-motriz (ao contrário, de novo, de Pânico), e busca "contextualizá-la" com um suposto conteúdo de discussão "séria". Acaba diluindo uma parte sem dar consistência a outra, e se torna tão somente "mais um".

Eduardo Valente