Premonição,
de James Wong
Final Destination, EUA,
2000
O cinema norte-americano sempre teve esta
capacidade muito especial de responder a uma demanda (bastante legítima)
por representações de problemas sociais específicos
com uma rapidez invejável (às vezes com um intenso poder
de reflexão, também), nunca deixando de lado em sua peculiar
combinação o espaço do entretenimento. Os gêneros
formam o lugar por excelência da exploração destes
problemas e traumas imediatos na chave do espetáculo de massa,
constituindo o palco tradicional onde, condicionados a regras dramáticas
perfeitamente claras e reconhecíveis, os dramas públicos
encontram uma representação adequada para satisfazer as
necessidades de seu público. Assim, nos anos 90, houve a retomada
de diversos subgêneros como a comédia e o melodrama de fundo
político (em alguns dos trabalhos de Oliver Stone, Michael Mann,
Spike Lee e Warren Beatty, por exemplo) ou o filme-catástrofe e
o melodrama histórico (Titanic é o filme que melhor
representa esta síntese, em sua tentativa de alegorizar toda uma
configuração social, em que Forrest Gump funciona
como contraponto nefasto). Além do surgimento de outros, como a
comédia de costumes ambientada nos subúrbios e cidades pequenas,
microcosmos cujo inventário de experiências e personagens
filmes como American Beauty e Pleasantville se esmeram em
coletar, e onde a manifestação do imaginário televisivo,
seja na forma ou no conteúdo, cede lugar a uma investigação
sociológica cuja demanda nasce em grande parte de um mal-estar
generalizado em relação ao estado das coisas; ou Meia-Noite
no Jardim do Bem e do Mal, de Eastwood, e Fargo, dos irmãos
Coen — filmes que sinalizam em seus mergulhos através de regiões
inusitadas do país uma busca de valores preservados, ainda que
por meio da denúncia dos mecanismos da corrupção
destes mesmos valores. Todas estas são ocorrências que dizem
um bocado sobre os caminhos que a sociedade americana tem buscado para
resolver seus problemas e impasses particulares (além do que representou
muito do que de melhor Hollywood teve para nos oferecer nesta década).
Há neste Premonição,
assim como em vários exemplares dos filmes de horror (para) adolescentes,
este desejo de representar com seus códigos específicos
uma problemática social e inseri-la em um debate amplo; desejo
de encaixar-se na tradição, enfim. É a história
de um rapaz que, a bordo de um avião cujo destino é a França
e cujos passageiros são majoritariamente seus colegas da escola
secundária (eles participam de uma excursão), tem uma estranha
visão de um desastre aéreo, poucos minutos antes da decolagem.
Assustado, ele tenta sair da nave, criando um tumulto que termina na expulsão
de mais seis colegas e uma professora. O avião de fato explode
no ar, mas a morte, insatisfeita por ter sido passada para trás,
parte em busca dos sobreviventes. Cabe a nosso herói interpretar
os sinais de sua vinda e tentar burlá-la novamente.
Neste breve resumo da trama já é
possível reconhecer a forte presença de toda uma série
de elementos desta subcultura adolescente forjada e mantida pela lógica
de mercado, que tanto engordou os bolsos das corporações
do entertainment norte-americano nestas duas últimas décadas:
o culto da juventude e beleza eternas (todos os adolescentes do filme,
além da professora, embora rostos novos, reproduzem este ideal
de beleza wasp pasteurizada em mais de uma centena de películas
e séries de TV e conjuntos musicais) como mito fundador; a tentativa
de controlar seu próprio universo e destino (no caso, tomando o
controle de uma instituição que verdadeiramente ultrapassa
este universo, a morte) como elemento para a auto-afirmação
no mundo; a presença da rebeldia como uma etapa de transição,
cuja superação e substituição (interpretando
os sinais) por uma ideologia "adulta", coerente e regrada ("superior"),
preservando sempre valores positivos daquela fase (celebrados à
exaustão), marca suas ficções como ritos de passagem
idealizados.
Há aqui também notadamente
a presença de um elemento que, se não é novo, ao
menos recebe uma nova roupagem e uma configuração que corresponde
aos medos e horrores recentes: a morte, elemento ameaçador da ideologia
de juventude eterna e do controle do universo, não como um fato
natural, mas como uma força que segue a lógica calculada
e científica de um típico vilão de gênero;
é o correspondente, digamos, do cientista louco ou do psicopata
com seus planos de conquista e ameaça às convicções
positivas do herói. A eleição da morte como vilã
por excelência desta subcultura demonstra (1) que para um jovem
branco abastado nos EUA, hoje, não há qualquer tipo de ameaça
concreta à sua liberdade e lógica de vida (nem mesmo a ameaça
da velhice, fator que praticamente inexiste em seu imaginário),
e (2) que, com sua surpresa, a morte violenta é o único
possível elemento interruptor do processo de perpetuação
de seu estilo de vida. Daí, somadas as marcas deixadas por acontecimentos
recentes como os freqüentes assassinatos nas escolas secundárias
e a escalada dos fanatismos de extrema direita entre os jovens, o nascimento
de uma paranóia e de um sentimento geral de fatalismo, da necessidade
de encarar a morte em sua inevitabilidade e como elemento-surpresa. Há,
pelo menos neste Premonição, uma determinada tentativa
(tão descabida quanto sua própria abordagem da morte e da
idéia de seu controle total) de extirpar este fascínio pelo
fatal, recorrendo à velha imagem de conspiração dos
elementos tão cara às recentes ficções americanas,
de preservar a inocência de seus infantes declarando a superioridade
de alguns eleitos, em seus gestos e em seu discernimento.
Premonição aproxima-se
assim de filmes como Matrix (um escolhido lutando contra a conspiração
universal), American History X e Apt Pupil (que se utilizam
de outra figura privilegiada deste fascínio adolescente pelo mal,
que segue a mesma lógica fria e científica — o nazismo)
em seu desejo de inserir a ficção de gênero num debate
de problemáticas sociais, mas não tão bem-sucedido
por se prender muito a seus próprios códigos genéricos.
A sensação que se tem é que estamos diante de uma
obra que, entre reconhecer o sintoma inserindo-o em um debate ou trata-lo
como mero objeto de exploração comercial, fica preso na
encruzilhada e não agrada, nem de um jeito, nem de outro.
Fernando Veríssimo
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