Revelações
Robert Benton, The human stain, EUA, 2003
A adaptação literária "de prestigio" é, decerto, um dos gêneros cinematográficos menos interessantes, já que, salvo raras exceções, resulta apenas em reduções do material original feitas com uma mão pesadíssima que tenta apontar a importância do projeto. Revelações (adaptado de A Marca Humana de Phillip Roth) passeia pelo terreno da adaptação literária "de prestigio" com várias escorregadas, mas não deixa de se afirmar como um filme dos mais interessantes.

Os problemas estão justamente ligados aos esforços excessivos do diretor em mostrar que está fazendo um filme adulto, elegante, etc. O material aqui, por vezes, pede de Benton uma abordagem mais suja, grosseira mesmo, que seus esforços em fazer um filme de bom gosto impedem. As cenas de sexo, em particular, sofrem bastante com isso, soando sempre assexuadas demais. Há também o problema de estrutura narrativa, que depende demais de ter a ação filtrada pelo olhar de um personagem coadjuvante – o que pode funcionar muito bem no papel, mas não num filme.

Robert Benton sempre foi um cineasta muito bom na observação, em especial de comunidades fechadas, e o filme aqui ganha bastante quando se centra nos personagens e na ambientação em torno deles. Tanto nos flashbacks quanto no presente, Benton consegue estabelecer um olhar atento para as dificuldades e frustrações do personagem central. Um filme pior certamente faria um julgamento bem claro da decisão que o personagem toma a certa altura, aqui Benton apresenta tanto o que ele tinha a ganhar como tudo o que ele perdeu com ela.

Revelações se constrói todo em cima de uma mentira (como a vida de seu protagonista), e Benton faz uma aposta curiosa (e bem-sucedida) na escolha do elenco que parece buscar sempre o miscasting. Assim um elemento de estranho e inadequado parece tomar conta da maior parte das cenas: Gary Sinise é muito jovem, Nicole Kidman exagera muito tentando convencer como uma faxineira e Anthony Hopkins, que já era duro de comprar como judeu americano, se torna ainda mais absurdo depois que o segredo do seu personagem vêm a tona. Se este miscasting entra em conflito com a mise-en-scène naturalista da maior parte do filme (o elenco dos flashbacks, por outro lado, é escolhido da forma mais adequada possível), coloca em primeiro plano a fragilidade do mundo de aparências do personagem central. Cria-se algo de artificial e incômodo em todas as relações destas cenas (muito porque os atores têm plena noção de que a escolha deles para os papeis não é a esperada), o que acaba se tornando o grande trunfo do filme para ir além das limitações que o projeto à primeira vista apresentaria.

Filipe Furtado