Sexta-Feira Muito Louca
Mark Waters, Freaky friday, EUA, 2003
Há algo de bastante estranho neste filme, o que de certa forma condiz com o título original, já que o 'freaky' emula muito mais o sentido do bizarro do que necessariamente o de algo 'muito louco' (até porque, de fato, não é exatamente diversão o que vivem os personagens do filme). Poderia uma produção rotineira da Disney (que gerou retorno surpreendente com o público), pensada como uma mera nova leitura do conto de fadas onde pai e filho trocam de corpos para se reconciliarem, conseguir soar não batida? São os pequenos detalhes, tão bem funcionais aqui, que adicionam um certo frescor mais interessante (e porque não, divertido) nesta nova versão.

O desejo de tornar tão real o caos da relação mãe-filha nos primeiros quinze minutos (antes da troca de corpos) nos deixa quase zonzos pois não há piadas sem uma carga angustiante: as personagens parecem quase insuportáveis, evitando maiores simpatias – um elemento que ajuda ao colocar o público na condição de quem também aprende a gostar dos personagens aos poucos, mas não deixando de ser uma manobra arriscada. Os maus momentos passam, e Waters joga o filme nas mãos das atrizes, em uma decisão acertada. O tom de atualização do conto pode parecer a princípio um tanto quadrado, mas o cineasta sabe driblar estes pontos comuns, e mesmo os momentos mais bobos (como quando a mãe – no corpo da filha – tem de travar um diálogo com o rapaz por quem a filha se interessa) passam longe do tédio.

Talvez o grande acerto de Waters seja jogar o filme nas mãos do elenco, em geral muito bem do início ao fim. Livres para construírem de forma melhor seu espaço, os atores conseguem evitar que seus personagens soem uma mera repetição. É certo que Jamie Lee Curtis chama mais a atenção quando passa a interpretar a filha, com todos as gírias e jeitos de uma adolescente meio rebelde, mas é difícil não notar que os esforços de Lindsay Lohan ao tornar-se a mãe são mais interessantes – enquanto Curtis interpreta algo inusitado mas que não difere muito de um clichê (a mudança aqui seria o corpo da atriz), Lohan transforma por completo a personagem da mãe, realmente a construindo no desenrolar do filme.

Não se pode fugir é claro das velhas lições morais da Disney (com direito a cena melosa em um brinde, com o discurso da filha basicamente revelando o que aprendeu nas horas em que viveu a vida da mãe, e vice-versa). Se a construção narrativa que leva à cena a salva da pieguice barata, não evita com que aquilo tudo soe um tanto batido porque tantas vezes repetido. Todavia, Waters consegue ao menos escapar disso por boa parte do filme, que se passa longe de ser uma maravilha, diverte e se sai um tanto bem dentro de sua própria proposta. Saber reinventar algo já dito diversas vezes é um mérito a ser sempre observado.

Guilherme Martins