Em nome de Deus
Peter Mullan, Magdalene Sisters, Inglaterra/Irlanda, 2002
Se há algo que Peter Mullan persegue em seu filme Em Nome de Deus é impacto. E a julgar pelo tema - a internação de jovens mulheres irlandesas em um convento onde, através de trabalho árduo, fariam a purificação por haverem dado "maus passos" na vida - e pelos primeiros cinco minutos da narrativa, não faltariam perspectivas interessantes quanto ao filme. A sequência que se segue ao estupro de Margaret por seu primo em uma festa de casamento, quando o diretor apresenta, sem uso de diálogos e com uma montagem bastante eficiente, a reação dos parentes da moça ao fato, realmente causa um impacto bastante positivo.

Só que, após a apresentação das outras protagonistas, a mãe-solteira Rose e Bernadette, cujo único pecado é o fascínio que seu belo rosto causa sobre os homens, e seu subsequente recolhimento ao claustro, logo o impacto se dilui. Toda a provação à qual as moças são submetidas parece ser previsível e o abandono da criatividade inicial em prol de uma direção dura e acadêmica, no padrão BBC, passa a imperar. Qualquer possível poder de denúncia embutido em Em Nome de Deus vai gradadivamente se perdendo, devido à inabilidade de seu diretor e de um roteiro que não passa de um acúmulo de lugares comuns. Mesmo contando com a força e atualidade de seu argumento, pois apesar da ação se desenvolver na década de 1960, sabemos que as denúncias com relação a abusos físicos e sexuais por parte de membros da igreja católica volta e meia continuam a ser noticiadas.

Com o decorrer do filme, o tom de seriedade e didatismo vai se tornando cada vez mais caricato. Não há espaço para sutilezas. As freiras, principalmente a madre superiora do convento, parecem monstros saídos de um filme da Hammer. E a personagem de Crispina, outra moça internada pelo pecado de ser mãe solteira, mas que apresenta intensa instabilidade mental e emocional e vem a ser abusada sexualmente pelo padre, carece de qualquer tipo de coerência ou densidade. Mal que, em maior ou menor intensidade, também aflige as demais personagens, mas que, em função da importância que aquela adquire na trama a partir de sua segunda metade, torna-se um dos mais evidentes responsáveis pelas fraquezas de Em Nome de Deus.

Para piorar as coisas, a partir da sequência da missa, na qual Margaret impõe ao padre uma vingança pelo que fizera a Crispina, o que já era caricato torna-se grotesco e Em Nome de Deus vira nada mais que uma hilária comédia de humor involuntário. Quase todos os momentos que se seguem, principalmente a fuga de Rose e Bernadette do convento, ao invés de provocar a emoção ou impacto ambicionados por Peter Mullan, acabam por gerar somente risos. Tudo coroado pela cena final, com a imagem de Crispina internada em uma cela de hospício, certamente um dos momentos mais constrangedores da história do cinema.

Impossível entender como Em Nome de Deus impressionou o júri do Festival de Veneza de 2002, no qual conquistou o prêmio principal. Mesmo não contando com uma seleção excepcional, a competição tinha entre os candidatos o magnífico Longe do Paraíso. Das duas uma, ou os membros do júri presidido pela atriz Gong Li ficaram inspirados e contagiados pelo desequilibrio mental de Crispina, ou então tudo não passou de uma grande gozação.

Gilberto Silva Jr.