Do Jeito Que Ela É
Peter Hedges, Pieces Of April, EUA, 2003
Para muitos produtores de cinema nos Estados Unidos um filme feito com câmera digital, elenco não muito conhecido, pouco dinheiro para produção e nenhum tripé é necessariamente um filme independente. A aplicação de critérios tão rígidos nessa definição deixa de fora outros talvez mais importantes como liberdade, criatividade, ousadia e pouco caso como compromisso, seja ele qual for. Vai ver que é por isso que Do Jeito Que Ela É foi considerado um filme independente e vendido e exibido como tal. Essa produção da IndIgEnt (independent, digital, entertainment) é um caso muito oportuno para mostrar como o que parece ser não é e como o cinema independente americano há muito deixou de ser o que diz ser.

Quando entreter platéias passa a ser a escolha preferida para tirar a imagem de difícil do cinema independente é quase consenso simplificar tudo de modo a cativar o público com uma sucessão de códigos e clichês que ele entende por já estar cansado de ver. Privilegiando a relação imediata com esse público, Do Jeito Que Ela É cria uma fauna de pessoas que tenta ser diversa, onde cada personagem tem um traço humano estranho e marcado de maneira a criar uma emotividade latente. Acaba sendo um festival de excentricidades absurdas que deixa sobressair o que há de mais estúpido e idiota em cada um. Nessa realidade a inabilidade infantil da protagonista em uma cozinha se junta ao interesse egoísta do vizinho e ao comportamento exagerado e ininteligível da mãe operada de câncer para construir um elogio à diferença da forma mais grotesca possível. Então começa o segundo estágio que consiste em tentar tirar graça de situações que não passam de reações imbecis e despreparadas dos personagens. É aqui que entra a parte do roteiro como facilitador de acontecimentos tão lamentáveis como previsíveis. No fundo é só uma história ruim de uma família desagregada indo ao encontro da filha rebelde no dia de ação de graças enquanto esta demonstra total ignorância para os assuntos culinários. É isso que dá só comer porcaria no Mc Donald's.

No passo do filme a independência vai sendo suprimida. Com o desenrolar da coisa fica uma obra que não se constrange em reafirmar todos os valores americanos como qualquer filmeco mantendo a autodenominação de independente. Só que nesse caso existe um problema já que a celebração da diversidade, da união e da aceitação que supera todas as adversidades só é alcançada depois de todos os personagens se mostrarem perfeitos idiotas incapazes de se posicionarem diante do mundo como seres dotados de consciência. Daí suas atitudes sem sentido convergindo para um desfecho que mostra a reunião dos diferentes como algo impossível, só acontecendo pela busca incessante do roteiro de fazer seus personagens agirem de modo nada crível.


De bom mesmo só a duração de 81 minutos que limita a quantidade de baboseiras e não deixa o filme irritar demais. O prêmio especial do júri recebido no Sundance Film Festival é prova mais do que suficiente de que independência, atualmente, é mais um dado técnico do que ideológico ou estilístico. Do Jeito Que Ela É é mais do mesmo só que tremido, granulado.

João Mors Cabral