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Adeus, Lênin
Wolfgang Becker, Goodbye Lenin, Alemanha, 2003 |
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Ainda
no início do filme, um artifício que já
virou clichê indica o caminho a ser percorrido por
Adeus, Lênin! na sua construção
dramatúrgica: filmes super-8 localizam a vida de
uma família na Alemanha Oriental dos anos 70/80.
O uso desta ferramenta para unir história pessoal
com a do mundo tem cada vez mais de espalhado, na medida
em que as imagens em Super 8 vão ganhando o sentido
cada vez maior de algo quase "pré-histórico",
marcante de um tempo. Mas, pelo menos, o caminho a se
fazer aqui é bastante diferente do de um O Que
Fazer em Caso de Incêndio, que começa
com o mesmo tipo de imagem, mas sempre tentando ridicularizar
o passado de suas personagens. No filme de Becker acontece
o exato oposto, e neste ponto está uma de suas
características mais interessantes: ao contrário
do senso comum, aqui tudo que se costuma usar para caracterizar
o "atraso" dos países socialistas nas suas décadas
de permanência do poder (como seus produtos comerciais,
etc) surge com o sabor de uma nostalgia de um tempo mais
humano na sua falibilidade. Não deixa de ser, do
mesmo modo, uma forma de aprisionar a experiência
socialista numa redoma onde ela funciona quase como uma
"adolescência" em escala nacional, ou seja uma fase,
só que aqui ao invés do enfoque de ser uma
fase a se superar, é uma fase a se sentir saudades
de.Talvez o que aja de mais belo no filme, em todas as
suas limitações, é justamente a idéia
de "reconstrução" da história do
país através de seus desejos, como visto
em especial nos programas de TV que o rapaz cria junto
com um amigo para fazer a mãe acreditar que o tempo
não passou e a Alemanha Oriental não acabou
(seguindo as ordens do médico de que ela não
pode sofrer sobressaltos). As cenas destes programas são
o que de mais bonito o filme tem, porque embora se possa
sim lê-las como a incapacidade de lidar com a realidade,
existe uma outra dimensão de um inconformismo,
ainda que não de ordem política. Não
aceitar valores comerciais de valoração
da vida surge como uma necessidade tanto vital, como opção
mesmo consciente de mundo a se viver.
Infelizmente, Becker não demonstra no decorrer
de sua narrativa a mesma atenção que tem
com atores e personagens, e o filme realmente dura bem
mais do que sua história permite. Durante uns bons
quarenta minutos, em sua metade, se torna um filme de
uma piada só: quando será que a mãe
vai se dar conta de que o tempo passou?E se, de fato,
o filme de Becker é sócio-politicamente
bastante limitado (a acreditar nele, saímos com
a impressão que a passagem de um regime socialista
para um capitalista se resume aos programas que passam
na TV ou os produtos que se encontra no supermercado),
não se pode ignorar que sua opção
é claramente a de se fechar na visão de
mundo de um personagem, para quem tudo o que realmente
importa naquele momento é proteger sua mãe
(que, não por acaso, mais de uma vez se mistura
com o país e a metáfora da pátria-mãe).
Estas limitações do projeto, se o impedem
de vôos mais altos (afora as citadas cenas da reconstrução
pela TV), também o protegem de maiores quedas.
E parece especialmente sintomático e interessante
que um filme tão pequenino, de fato, seja o atual
fenômeno de bilheteria na Alemanha.
Sintomático, acima de tudo a meu ver, de que as
pessoas se sentem bastante insatisfeitas com o mundo à
sua volta, e tal e qual o personagem na tela, sonhem em
poder reconstruir uma história mais humana. Tomara
que tomem para elas essa idéia de inconformismo
com o presente, sem no entanto perseguir o imobilismo
de um passado romantizado, porque se esta idéia
funciona no filme dentro do contexto de proteger uma mãe
doente, fora dele é extremamente perigosa como
visão de mundo, onde o presente nunca se igualará
a um passado idealizado (que, de fato e como a mãe
revela depois, nunca foi o que parecia), e principalmente
impede o desejo por um futuro melhor.
Eduardo Valente |
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