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A Cartomante
Wagner de Assis e Pablo Uranga - Brasil,
2004 |
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Se você quer saber tudo que há para se conhecer
de A Cartomante em uma breve descrição,
é fácil: trata-se de um filme onde um personagem
irritado amassa um copo de café, que se espalha
por sua mão; onde um casal de personagens se encontra
na praia, correndo em câmera lenta, de branco; e
onde um personagem diz a frase "Você acha que controla
o seu destino, já se perguntou ao seu destino o
que ele acha disto?". Mas, atenção: nada
disso é paródico, e sim levado a sério
pelo filme. Ora, qualquer filme que leve a sério
clichês tão radicais, que já se tornaram
paródias em tantos outros filmes, sofre de um tal
anacronismo que chega a ser difícil discutir qualquer
outro aspecto dele - anacrônico mesmo pela apreensão
do que seja "ser moderno", com truquezinhos banais de
edição e fotografia, ou trilha sonora eletrônica.
De fato, como se dizia naquelas piadas, A Cartomante
é o cúmulo do filme anacrônico - tanto
assim que cria um novo tipo de anacronismo não
visto antes: o anacronismo cirúrgico. O filme é
tão velho no nascedouro que Deborah Secco e Sabrina
Sato (a do Big Brother) aparecem no filme com, digamos,
qualidade toráxicas bastante diferentes das que
fazem sua fama atualmente. Não restam dúvidas:
o filme envelheceu.
Mas, muito mais chocante que seu anacronismo é
perceber a completa falta de propósito de uma produção
como esta: sobre o quê querem seus diretores falar,
afinal? Não parece que sobre muita coisa, nada
há no filme que indique qualquer urgência
de fato, mesmo que inconsciente. Se um Sexo, Amor e
Traição serve de discussão na
mesa de bar pelo seu retrato da compreensão contemporânea
das relações amorosas, ou entre cinema e
TV, ou mesmo de um Brasil que se revela no que ele propõe
como modelos de ambições e desejos, A
Cartomante não permite nada disso. Sua realização
é de tal forma desprovida de relações
com a atualidade, que nem seu conteúdo reflete
nada de muito interessante sobre o país, sobre
hoje; nem sua forma faz isso sobre uma visualidade contemporânea,
uma vez que também parece velha, equivocada. Se
o filme de Jorge Fernando pode ser discutido dentro do
arquétipo do "mau filme safra 2004", o que faz
de A Cartomante um mau filme é absolutamente
atemporal: o completo equívoco de projeto de todas
as partes envolvidas. De contemporâneo e comum com
alguns destes filmes, só mesmo a preguiça
estilística que cria uma mise-en-scène absurdamente
truncada, e que mais do que simplesmente feia, atrapalha
o andamento do filme o tempo todo.
O que mais surpreende no filme é saber que um de
seus diretores (Assis) tem carreira, eminentemente, como
roteirista. Ou melhor, talvez seja menos surpreendente
do que revelador do processo de produção
de roteiros nas fábricas da nossa tal "indústria"
(seja Rede Globo, seja Diler e Associados, locais onde
trabalhou Assis). Roteiros viram equivalentes de acúmulos
de clichês, golpes narrativos fáceis e simplórios
(usar uma psicóloga como forma dos personagens
falarem sobre o que são e porque fazem o que fazem
- nunca isso se vê em ações e sim
em diálogos que fazem a narrativa andar ou explicar
os personagens); em suma, a redução da experiência
humana (e sentimental, principalmente) a um jogo que necessita,
mais do que tudo, de uma certa debilidade mental dos participantes.
Não há resquício de vida humana em
A Cartomante - o roteiro parece ter sido escrito
por um software, o filme dirigido da mesma forma, os atores
escalados assim também. Só que, neste caso,
o software já está, além de tudo,
desatualizado.
Eduardo Valente |
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