21 Gramas
Alejandro González Iñárritu, 21 Grams, EUA, 2003

Da estrutura:
Se há algum motivo para atenção nesse 21 Gramas do meteórico rapaz Iñarritu, fora o talento da dupla de atores masculinos, é a sua trepidante capacidade de transformar malabarismo narrativo em monotonia. Cineasta que se trilha em exercícios tipificados de pós-linguagem cinematográfica, Inãrritu faz em 21 Gramas uma das mais inférteis acrobacias narrativas dos últimos anos - deixando os detratores de Amnésia até com um pezinho atrás... O que impressiona é que, se o filme consegue alguma intensidade em sua primeira meia hora (apostando nas lacunas e no jogo de ações incompletas), logo se deixa revelar como um mero tratado melodramático e diretivo sobre o cultivo da tristeza. Conforme junta as peças de seu quebra-cabeça, Inãrritu deixa cair a máscara de cineasta supostamente interessado num cinema de incompletudes e acasos, para deixar claro seu discurso fatalista e delirantemente conclusivo. Se há algo impressionante na estrutura de 21 Gramas, é a forma como ela é traída por dentro da própria lógica dramática que rege o teor melodramático de seu diretor, se tornando um show de fragmentos previsíveis (em sua "imprevisibilidade").

Do melodrama:
Mas o que há de tão problemático em um simples melodrama? Tradição audiovisual mexicana, como a telenovela no Brasil, a chave melodramática de representação não surpreende por ser umas das matrizes através da qual um diretor mexicano vá constituir seus clichês pessoais, seus signos particulares (o espanhol Buñuel soube como ninguém se infiltrar nesse universo em sua fase latino-americana). O que decepciona no cinema de Iñarritu é que esse decalque, esse exercício de melodrama não se dá através de uma consciência cinematográfica da releitura ou da transposição de clichês do gênero. Não: Inãrritu lida com a matriz do melodrama (datada de mais 60 anos) sem qualquer capacidade de ultrapassá-la, de recolocá-la - ele antes a parasita. Com uma breve e inócua maquiagem sobre meia dúzia de clichês narrativos (típicos de qualquer filme enlatado do Supercine global), o diretor tenta se vender como um nome de um cinema de novidade, como um cinema de impacto conceitual. A repetição de clichês sempre pode ser belíssima nas mãos de um bom artesão, mas se torna quase ridícula diante de tantos fogos de artifício.

Do conceito:
E o que resta, então? O conceito... Mais próximo de uma "sacada" do que de uma idéia, o título das 21 Gramas é o tipo de "tirada" que se esgota na sinopse. "21 gramas é o peso que se perde ao morrer - qual o peso que se carrega em uma vida?" Ponto final. Está tudo dado: ao longo do filme, o que se vê é um diretor se empenhando em ligar pontos (da forma mais sensacionalista possível), esmerado apenas em delinear um conceito que se parece mais com um lema de pára-choque (ou um slogan "cabeça") do que com uma idéia para cinema. 21 Gramas tem mais de duas horas de duração, mas poderia se esgotar em duas linhas.

Do estilo:
Ah, sim, o estilo. Câmera na mão, fragmentos, violência. Amores Brutos já tinha trazido tudo o que Iñarritu sabe fazer. 21 Gramas apenas reitera que, sim, o moço tem um estilo delineado, sabe o que faz com a câmera e tem certa paixão por histórias paralelas. A questão de Iñarritu não parece ser mesmo o "como" ou "o quê", mas o "POR QUÊ?" Seu cinema parece tão firme (saído do forno com tanto orgulho de saber "o que" quer dizer e "como" quer vender...) que a sensação que se tem é a de uma obra semi-morta, esmaecida em si mesma. Um odor de portfólio misturado com perfume éxotique se propaga na sala de cinema. A combinação não cheira muito bem.

Felipe Bragança